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2 IMPACTO, POLUIÇÃO E DANO AMBIENTAL SOB A ÓTICA DOS PRINCÍPIOS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, DA

2.2 Conceito de impacto, poluição e dano ambiental

2.2.3 Dano ambiental

2.2.3.4 Caracterização do dano ambiental: anormalidade e gravidade gravidade

2.2.3.4 Caracterização do dano ambiental: anormalidade e

Já se conhece essas alterações insignificantes das lições sobre direito de vizinhança, nas quais ficam claras as opiniões dos doutrinadores205 e da própria lei206 sobre os incômodos suportáveis e que, por essa razão, não trazem conseqüências jurídicas.

Por conta desse limite tênue entre alterações adversas e não adversas, alterações relevantes e irrelevantes, é que a doutrina tem definido o dano ambiental a partir de sua anormalidade, gravidade e periodicidade.

Fábio Dutra Lucarelli, em trabalho específico sobre esse tema, teoriza:

“O prejuízo causado deve ser considerado anormal, levando-se em consideração a normalidade que decorre da atividade do pretenso responsável. A anormalidade se verifica quando há uma modificação das propriedades físicas e químicas dos elementos naturais de tal grandeza que estes percam, parcial ou totalmente, sua propriedade ao uso. Esta anormalidade está intimamente ligada à gravidade do dano, ou seja, uma decorre da outra, já que o prejuízo verificado deve ser grave e, por ser grave, é anormal.

A gravidade consiste na transposição daquele limite máximo de absorção de agressões que possuem os seres humanos e os elementos naturais.

Além disso, deve ser periódico, não bastando a eventual emissão poluidora. Mas essa periodicidade não é aquela noção que normalmente possuímos, de que deve ser verificado durante algum lapso temporal. Aqui, ela consiste, precisamente, na necessidade de que haja o tempo suficiente para a produção de um dano substancial

205 Na lição de Silvio Rodrigues, “se tolerável o dano, despreza-se a reclamação, devendo a vítima submeter-se ao incômodo, que corresponde a uma imposição da vida em sociedade.” Direito Civil, vol.

5, p. 126). Maria Helena Diniz, no mesmo sentido, assevera que a convivência social por si só cria a necessidade de cada um sofrer um pouco, motivo pelo qual a verificação de uma atividade incômoda, portanto reprimível, dependerá do grau de tolerabilidade (Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. 4, p.

230).

206 O Código Civil de 2002 traz uma nova disposição a esse respeito (sem correspondente no Código Civil de 1916), no parágrafo único do art. 1.277, in verbis: “Proíbem-se as interferências considerando-se a natureza da utilização, a localização do prédio, atendidas as normas que distribuem as edificações em zonas, e os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança” (g.n).

Além disso, prevê que quando as interferências, ultrapassando os limites de tolerância, “forem justificadas por interesse público”, deverão ser suportadas pelo vizinho, mediante o recebimento de uma indenização, por parte do causador do incômodo (art. 1.278, também sem correspondente no Código Civil anterior). Este “incômodo indenizável” é, com efeito, um dano jurídico.

e grave, não se verificando, por exemplo, no caso de odores momentâneos.”207

Hely Lopes Meirelles208 também é da opinião de que sem anormalidade e efetiva prejudicialidade não há que se falar em “poluição reprimível”

(que entendemos como dano ambiental). Para o sempre citado administrativista, apesar das concentrações populacionais, indústrias, comércio, veículos motorizados, agricultura e pecuária produzirem alterações no ambiente, estas só serão contidas e reprimidas se e quando se tornarem intoleráveis e prejudiciais à comunidade. Antes disso, ou seja, enquanto forem normais e toleráveis, não precisarão ser combatidas.

Aguiar Dias é outro doutrinador que, ao tratar da responsabilidade civil ambiental, defende que o dano que a enseja deve ser anormal e grave, concluindo que a anormalidade “consiste em tudo que excede a medida comum na importância da empresa ou na gravidade dos efeitos e repercussões da sua atividade”209 e lembrando que, para alguns doutrinadores, como Henritt, o dano deve, além de grave e anormal, ser contínuo e periódico, ou seja, não há de ser fenômeno único, passageiro e excepcional.

Com efeito, afigura-se acertado caracterizar o dano ambiental a partir da anormalidade e gravidade do “incômodo” pois o incômodo normal e não grave, quiçá insignificante, não terá relevância para o Direito, não será reputado um dano jurídico.

Frise-se, por conta disso, que não se deve relacionar a anormalidade ao dano propriamente dito, i.e, não se deve falar em “dano anormal”

pois a anormalidade é elemento do dano, de sorte que todo dano já contém, intrinsicamente, a anormalidade. Certo mesmo é associar-se a anormalidade ao

“incômodo”. Este, se e quando anormal, será considerado dano ambiental (rectius =

207 Responsabilidade civil por dano ecológico, p. 10.

208 Direito de Construir, p.224.

209 Responsabilidade civil no plano ecológico, p. 5.

lesão ao direito difuso ao meio ambiente ecologicamente equilibrado). Por isso não existe dano normal e anormal, existe incômodo anormal e normal – o primeiro consiste em dano jurídico, o segundo não.

Esta a razão para a advertência feita por Álvaro Luiz Valery Mirra, com amparo na doutrina de Francis Caballero, sobre a impropriedade da divisão dos danos em normais e anormais, eis que a normalidade ou anormalidade são características dos incômodos:

“Na realidade [...] a vida em sociedade impõe uma certa tolerância face aos incômodos ou inconvenientes ordinários de vizinhança ou decorrentes de obras e atividades lícitas empreendidas pelo Poder Público. A partir do momento, porém, em que esses incômodos ultrapassam um determinado limite de tolerabilidade eles são considerados ‘anormais’ e o dano estará configurado; abaixo desse limite, ao contrário, os inconvenientes são considerados ‘normais’, ou mais precisamente, toleráveis, e não se poderá falar, por isso, em dano.

Assim, a avaliação da anormalidade deve ser feita no tocante ao incômodo, como condição de existência do dano, o qual, de sua parte, a rigor, jamais pode ser normal ou anormal.”210

Resta-nos, por fim, cuidar de uma outra característica associada, por alguns doutrinadores, ao dano ambiental: periodicidade.

Em que pese nossa adesão ao entendimento de que a configuração do dano ambiental depende da anormalidade e gravidade do incômodo, a ponto de consistir em uma lesão ao direito difuso ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, a característica da periodicidade levantada por Fábio Dutra Lucarelli e alguns outros doutrinadores não nos parece relevante, ainda que este autor refira-se a ela como o tempo necessário para a produção de um dano grave e rechace a idéia de repetição e prolongamento da ação. Isso porque, uma vez apurada a anormalidade e a gravidade do prejuízo, não importará saber o período de duração da ação lesiva, ou a sua repetição ao longo do tempo. Ou seja, não é a

210 Ação civil pública e a reparação do dano ao meio ambiente, p. 72.

duração da ação que definirá a anormalidade e a gravidade do prejuízo, mas a intensidade e a adversidade das alterações provocadas pela ação (de curta, média ou longa duração).

Por isso, acerta Nicolao Dino de Castro e Costa Neto quando afirma que “mesmo que o dano ambiental advenha de uma atividade esporádica, mas intensa e anormal, que ultrapasse os limites de tolerabilidade, sujeita o agente à responsabilização civil.”211

Assim, o rompimento súbito de um tanque no qual se armazena resíduos líquidos tóxicos pode causar um dano ambiental a um determinado curso hídrico da mesma forma que o despejo contínuo de efluentes líquidos sem tratamento em um determinado rio.212

2.2.3.4.a Os limites de tolerância na definição da