• Nenhum resultado encontrado

2 IMPACTO, POLUIÇÃO E DANO AMBIENTAL SOB A ÓTICA DOS PRINCÍPIOS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, DA

2.2 Conceito de impacto, poluição e dano ambiental

2.2.3 Dano ambiental

2.2.3.2 Classificação do dano ambiental segundo a sua amplitude

Acreditamos que pelo fato da agressão ao meio ambiente lesar, por vezes, outros direitos distintos – nem todos relacionados à qualidade ambiental propriamente dita -, o dano ambiental acaba tendo um conceito ambivalente, como adverte José Rubens Morato Leite146. Ora o conceito “dano ambiental” é empregado como alterações nocivas ao meio ambiente, ora como efeitos que tais alterações provocam na saúde das pessoas e em seus interesses.

Diante disso, e decerto no afã de elidir entendimentos equivocados e confusos sobre o dano ambiental, o autor o classifica, quanto a amplitude do bem protegido, em (i)

144 Ibidem, p. 33-4.

145 Ibidem, p 35-6.

146 Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial, p. 94.

dano ecológico puro, (ii) dano ambiental lato sensu e (iii) dano ambiental individual.147

Dano ecológico puro, na visão do autor, é o que atinge os bens da natureza, em sentido estrito. Repousa, portanto, na conceituação restrita de meio ambiente, relacionada aos componentes naturais do ecossistema e não aos componentes artificiais do ambiente cultural ou urbano/rural; dano ambiental lato sensu, extrapolando o círculo restrito do dano ecológico puro, compreende a lesão a todos os componentes do meio ambiente, inclusive patrimônio cultural; por fim, dano individual ambiental é a lesão provocada a um direito individual em decorrência da lesão provocada ao meio ambiente, sendo que, aqui, não se busca a tutela dos valores ambientais, mas de interesses próprios do lesado.148

A definição dada por Antonio Herman Benjamin também é de muito proveito. Para ele, dano ambiental é a “alteração, deterioração ou destruição, parcial ou total, de quaisquer dos recursos naturais, afetando adversamente o homem e/ou a natureza.”149

Diz ainda este jurista que os danos ambientais podem ser pessoais (patrimoniais e morais) ou ecológicos (também chamado de dano ecológico puro)150. Estes se dão quando a conduta lesiva compromete recursos ambientais sem afetar especificamente os seres humanos (ao menos de forma imediata e aparente), como, p. ex., o assoreamento de um lago existente em uma propriedade particular, que não continha vida animal ou vegetal. O meio ambiente é deteriorado sem afetar a saúde e o bem-estar humanos.151 Aqueles outros se dão quando os

147 Ibidem, p. 95.

148 Idem, ibidem, p. 95-6.

149 Responsabilidade civil pelo dano ambiental, p. 48.

150 Ob.cit., p. 50.

151 Nota-se, aqui, uma definição para “dano ecológico puro” diversa da definição dada por José Rubens Morato Leite, supra destacada. Enquanto para este o dano ecológico puro se refere a danos causados aos componentes naturais do ambiente, ou seja, à natureza, para Antonio Herman Benjamin o dano ecológico puro se refere a danos causados ao meio ambiente que não afetam os seres humanos, i.e, a danos que lesam tão apenas os bens ambientais, sem reflexos em outros valores tutelados pelo ordenamento jurídico.

resultados da atividade lesiva se dão na sua perspectiva humana, i.e, atingem o meio ambiente e outros bens e valores humanos ao mesmo tempo152. É o caso, por exemplo, da poluição atmosférica que, afetando o bem ambiental ar atmosférico, afeta também a saúde da população. Sua lição:

“Claro que as duas versões da danosidade ambiental nem sempre estão apartadas de maneira tão cristalina. Dano ambiental que afeta o patrimônio e a integridade do ser humano também traz consigo um efeito negativo sobre a própria natureza. O inverso é que nem sempre é verdadeiro, pois hipóteses há em que o dano ambiental apresenta reflexos (diretos) apenas na natureza, sem incomodar direta e de maneira perceptível o bem-estar imediato das pessoas.

[...]

O desaparecimento da Ararinha-Azul, nos grotões da Mata Atlântica do Estado da Bahia, a contaminação de um lençol freático por mercúrio em local de difícil acesso e desabitado da Amazônia ou a manutenção em cativeiro de um mico-leão-dourado caracterizam-se como dano ambiental, apesar de sua dimensão bem afastada da realidade dos valores jurídicos convencionais, a integridade, a liberdade e o patrimônio humanos.”153

A visão supra destacada, do mestre Benjamin, que prega a autonomia do dano ambiental com relação aos danos humanos/privados154, talvez encontrasse dificuldade de sustentação numa ótica estritamente antropocêntrica pois, para esta, a única razão de proteção dos bens ambientais é o ser humano, de sorte que, quando os bens ambientais não tivessem relevância para o ser humano não precisariam ser protegidos. Contudo, ao caminharmos para uma visão do

152 O que se impõe destacar é que quando o autor fala em danos pessoais, não está aludindo aos danos patrimoniais e morais sofridos por cada indivíduo da coletividade mas de danos sofridos pelos elementos do meio ambiente que podem comprometer o direito da coletividade (direito difuso, portanto) ao equilíbrio ambiental, responsável, de seu turno, pela qualidade da saúde, do bem-estar, de vida. Ou seja, o objeto da lesão é sempre o próprio ambiente; a vítima da lesão ao ambiente é a coletividade, em uma perspectiva difusa. Quando pessoas são lesadas, divisível e individualmente, em direitos não relacionados ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, fala-se em dano ambiental reflexo ou dano por intermédio do meio ambiente, que veremos em pormenores no tópico 2.2.3.2.b.

153 Ibidem, p. 49-50.

154 Sobre a autonomia do dano ambiental, Danny Monteiro da Silva diz que ela se manifesta “no fato de que, para existir, tal lesão não precisa, necessariamente, estar vinculada a um prejuízo pessoal, individual e privado, conforme é tradicionalmente concebido.” (Ob.cit., p. 102)

antropocentrismo mitigado ou mesmo uma visão biocêntrica155, em que se abandona o conceito meramente utilitarista do meio ambiente para o entendimento de que todos os seres vivos – humanos, animais e vegetais – merecem viver em um ambiente saudável, passamos a aceitar com naturalidade o entendimento em apreço.

Muito embora saibamos que o ordenamento jurídico pátrio está precipuamente focado no ser humano, motivo pelo qual as necessidades humanas ainda justificam a utilização do meio ambiente em seu benefício, a preocupação da política ambiental mundial – e de nossas normas jurídicas internas – é com a sobrevivência do planeta e não apenas com a sobrevivência dos seres humanos.156

Daí a importância da divisão feita pelo autor, com o objetivo de mostrar que para a agressão ao meio ambiente ser considerada dano ambiental, ela não precisa necessariamente afetar ou colocar em risco a saúde, o bem-estar e a vida humana, pois o meio ambiente pode e deve ser protegido de per si.157

Pelo fato do art. 225 do Texto Constitucional informar que a coletividade tem o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e afirmar, logo em seguida, que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é essencial à sadia qualidade de vida, somos “tentados” a desenvolver uma visão de que o meio

155 Em um ensaio sobre antropocentrismo, Antonio Herman Benjamin aponta um tripé axiológico composto por (i) antropocentrismo puro, (ii) antropocentrismo mitigado ou reformado e (iii) não-antropocentrismo ou biocentrismo. Grosso modo, o primeiro vê na natureza uma única razão de ser:

servir aos seres humanos; o segundo consiste em um abrandamento do primeiro, revelando uma preocupação com as gerações futuras e uma ética da solidariedade, mas sem chegar a entender a natureza como sujeito de direito; o terceiro não enxerga qualquer linha rígida de separação entre o vivo e o inanimado, entre o humano e o não-humano (A Natureza no Direito Brasileiro: coisa, sujeito ou nada disso, p. 155 e ss.).

156 BENJAMIN, Antonio Herman. Introdução ao Direito Ambiental Brasileiro, p. 20, nota de rodapé.

157 Disso se extrai que o conceito de dano ambiental é mais abrangente que o de poluição. Sim, porque a definição de poluição dada pelo art. 3º, inc. III da Lei 6.938/1981, embora englobe as atividades que comprometam, pura e simplesmente, a biota (sem exigir que isso repercuta na saúde, bem-estar e segurança, ou em atividades econômicas e sociais ou, ainda, nas condições estéticas e sanitárias do ambiente), não prevê, como atividade poluidora, aquela que tão-somente afete a qualidade ambiental (e nisso destoa da definição legal de impacto ambiental, constante do art. 1º da Resolução CONAMA 01/1986, como visto no tópico 2.2.1, e, agora, da definição jurídica de dano ambiental).

ambiente merece proteção apenas se e quando for essencial à qualidade de vida. E se assim o fizermos, seremos forçados a descartar, por questão de coerência, a possibilidade de um dano ecológico puro, tal como referido por Herman Benjamin, ser considerado um dano jurídico reparável.

Entretanto, embora a Constituição afirme uma relação umbilical entre qualidade de vida e qualidade do meio ambiente, não diz que este só será protegido em função daquela. A afirmação é mais no sentido de reforçar a importância do meio ambiente e de assegurá-lo como direito fundamental da pessoa humana, do que de restringir o âmbito de sua proteção às necessidades humanas.

Disso resulta que o direito da coletividade é ter um meio ambiente ecologicamente equilibrado, ainda que em determinadas situações, isso não vá melhorar ou interferir positivamente na sua qualidade de vida – mesmo porque pode ser apenas uma questão de tempo: hoje a proteção de um recurso natural pode não afetar positivamente a sua qualidade de vida mas pode vir afetá-la amanhã ou a afetar a qualidade de vida das próximas gerações.

Ressalte-se que nem sempre foi assim. Num primeiro momento, só havia preocupação com os danos ambientais quando eles pudessem representar algum problema ou ameaça para os seres humanos; hoje, como já mencionamos, protege-se os bens ambientais mesmo que sua lesão não signifique uma lesão aos seres humanos.

Danny Monteiro da Silva historia que

“A princípio, a delimitação do conceito de dano ambiental recebeu tratamento sistemático da doutrina, ao ser considerado como o dano causado às pessoas e às coisas, por intermédio do meio ambiente em que vivem. Nesse contexto, o problema centrava-se em reparar os danos subseqüentes às turbações ambientais, assim entendidos os prejuízos e lesões a interesses pessoais e patrimoniais, sofridos como conseqüência da degradação e/ou da contaminação do meio ambiente.

Foi somente no decorrer da década de 70 que as lesões sofridas pelos elementos naturais foram inseridas no conceito de dano