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6. Discussão dos Resultados

6.3 Caracterização do perfil do doente

Os grupos etários que sofreram um maior número de RAM a antibacterianos de uso sistémico foram os adultos e idosos (mais de 90% das RAM analisadas). São simultaneamente os maiores utilizadores de medicamentos, além de serem as faixas etárias com um maior número de idades abrangidas. Por outro lado, os idosos apresentam maior prevalência de comorbilidades, polimedicação (61) (62), modificações da composição corporal e redução das funções renal e hepáticas traduzindo-se em alterações na farmacocinética e farmacodinâmica dos medicamentos (63). Assim, são um grupo particularmente vulnerável para o desenvolvimento de uma RAM, o que pode em parte explicar os resultados obtidos.

As características demográficas da população em estudo mostram que os habitantes com mais de 65 anos de idade correspondem a aproximadamente um quarto da população da área adstrita à UFS (64). Assim, a população desta área é mais vulnerável ao aparecimento de uma RAM.

Quando ao género, o sexo feminino apresenta, no geral, uma maior preocupação com a saúde, o que torna as mulheres frequentadoras mais assíduas dos serviços de saúde e mais suscetíveis de serem medicadas, resultando numa probabilidade superior no que toca ao desenvolvimento de uma RAM (65).

Deste modo, o perfil de doente mais atingido por RAM associadas ao grupo dos antibacterianos de uso sistémico, para a região adstrita à UFS, foi o adulto feminino.

6.4 Caracterização das reações adversas

É de extrema importância conhecer as RAM que não estão descritas no RCM que, apesar de em menor número do que as descritas no período de análise do presente estudo, constituem um dos principais interesses da farmacovigilância. Quanto ao conhecimento prévio da RAM, foi encontrada uma taxa de aproximadamente 40% de RAM não descritas, tanto para o período de 2012 a 2016, como no período antecedente (2009 a 2011). A UFS foi a UF que mais RAM não descritas recebeu de 2009 a 2011, seguida da UFN, UFLVT e UFC, mostrando o potencial da NE para identificar novas reações adversas (36).

Quanto às RAM graves é também muito importante notificá-las pois permitem a promoção da segurança do medicamento, já que acrescentam informação ao Sistema e possibilitam a sua inclusão nos meios disponibilizados para consulta por parte dos profissionais de saúde e utentes. Contudo, não só estas RAM devem ser notificadas, já que as RAM descritas e

não graves são igualmente importantes para monitorizar o seu impacto na saúde pública (36).

O valor preconizado pelo INFARMED para a UFS relativo às RAM graves é de 60%. No total dos 5 anos, o número de RAM graves (28,60%), ainda está bastante longe do valor recomendado (52). Contudo, em 2015, o número de casos graves foi superior, atingindo 41,52% e aproximando-se do valor de referência .

No período antecedente (2009-2011), a proporção de casos graves foi de 48% para a região Sul, o que demonstra que no período de estudo, houve um franco agravamento deste indicador (36).

O maior número de RAM graves provém do meio hospitalar, tanto para as notificações totais como para as associadas aos antibacterianos de uso sistémico, já que em internamento os doentes apresentam geralmente condições patológicas mais severas do que a nível comunitário (66).

Quanto à evolução da RAM, a maioria dos doentes nas notificações associadas aos antibacterianos de uso sistémico evoluiu para cura (61,31%), encontrava-se em recuperação (13,87%) ou a RAM persistiu sem recuperação (2,92%). Em 18,25% dos casos é desconhecida a evolução da RAM refletindo as dificuldades que os notificadores sentem no processo de acompanhamento da evolução de uma RAM, ou seja, no acompanhamento posterior dos doentes (31).

A associação inequívoca entre medicamento e RAM aconteceu em 2,92%, o grau improvável foi atribuído em 4,38%, o provável em 39,42% e o possível em 53,28% dos casos. As associações provável e possível correspondem a cerca de 93% das notificações totais, traduzindo a elevada confiança na suspeita de associação medicamento-RAM por parte dos notificadores, já que estes na maioria das vezes apenas notificam as RAM das quais estão seguros da relação causal com o medicamento suspeito (31).

Para as 1713 RAM analisadas, os SOC mais afetados foram “Perturbações gerais e alterações no local de administração”, “Afeções dos tecidos cutâneos e subcutâneos”, “Doenças gastrointestinais” e “Doenças do sistema nervoso”.

Noutras UF do país, nomeadamente na UFC entre 2001 e 2013, os eventos adversos mais frequentes foram os associados a “Afeções dos tecidos cutâneos e subcutâneos” (20%) (19), enquanto no ano de 2014, o SOC mais afetado foi “Perturbações gerais e alterações no local de administração” (21%) (53).

Os relatórios anuais do INFARMED indicam que os SOC mais representativos em cada um dos 5 anos (2012-2016) foram os mesmos que para a UFS (51,67–70). Para o período entre

2009 e 2011 a nível nacional o relatório da base SVIG refere a mesma representatividade para estes sistemas orgânicos (36), o que demonstra que não houve alterações significativas nos SOC mais afetados nas RAM notificadas na totalidade do período entre 2009 e 2016, para a região sul e para o país.

Nos antibacterianos de uso sistémico, os SOC mais afetados foram “Afeções dos tecidos cutâneos e subcutâneos”, “Doenças gastrointestinais”, “Perturbações gerais e alterações no local de administração” e “Doenças do sistema nervoso”, estes SOC referidos são os mesmos relativamente às notificações totais, embora por uma ordem diferente.

Algumas das RAM mais frequentes aos antibacterianos de uso sistémico foram: náuseas, prurido, vómitos, reação anafilática, dispneia, eritema e inflamação no local de injeção. Isto reflete também as RAM mais frequentemente descritas na literatura para os fármacos mais representativos dentro das várias classes nas notificações analisadas, nomeadamente amoxicilina com inibidor enzimático (71), ciprofloxacina (72), azitromicina (73), cefazolina (74) e vancomicina (75), que se traduzem também nos SOC mais afetados.

6.5 Caracterização do(s) medicamento(s) suspeito(s)

Na análise dos medicamentos suspeitos verificamos que, tal como acontece entre 2012 e 2016, no período antecedente (2009 a 2011), os três grupos ATC 1º nível predominantes são, por ordem decrescente, o grupo J, L e N. Estes dados revelam que neste período não houve alteração dos grupos farmacoterapêuticos mais envolvidos (36). É evidente a importância do grupo J no contexto global dos outros grupos, particularmente os três mais relevantes, uma vez que 20 a 40% das notificações totais, dependendo do ano em questão, são relativas a RAM em que há suspeita de associação a um anti-infecioso de uso sistémico. Na UFC, entre 2001 e 2014, o grupo que originou um maior número de notificações foi também o grupo J (19) (53).

Dados internacionais resultantes da análise das notificações da VigiBase entre 2000 e 2009, revelaram que as RAM a anti-infeciosos para uso sistémico foram o 5º grupo terapêutico mais notificado, sendo notória uma taxa de notificação superior em países menos desenvolvidos, devido ao facto de serem fármacos usados para o tratamento de doenças infeciosas mais prevalentes nestes países, como por exemplo a tuberculose (76).

Quanto à classificação por ATC 2º nível, a nível nacional de 2012 a 2016, o grupo J01 é o 4º ATC mais representativo dos casos de RAM (51,67–70), enquanto nas RAM recebidas pela UFS no mesmo período, o ATC J01 encontra-se em 3º lugar. Tanto a representação a nível

nacional como regional é idêntica, com valores semelhantes em termos de frequência relativa (aproximadamente 8%).

Entre 2009 a 2011, o grupo J01 (Antibacterianos para uso sistémico) é o 2º grupo mais representativo dentro do grupo J, tal como acontece para o período de 2012 a 2016 (36). Na UFC, o grupo J01 encontra-se em primeiro lugar (22%) (77).

Dentro do grupo J01 os antibacterianos que mais RAM motivaram foram, por ordem decrescente, amoxicilina com inibidor enzimático, azitromicina, ciprofloxacina, cefazolina e claritromicina. Uma vez que parte dos fármacos deste grupo terapêutico são ou podem ser administrados por via endovenosa, especialmente em contexto hospitalar, como por exemplo o fármaco cefazolina (74), é de esperar que algumas das RAM mais comuns sejam relativas a “Perturbações gerais e alterações no local de administração”.

Relativamente à UFS, em 2016 não encontramos no top 15 nenhuma notificação associada a um fármaco do grupo ATC J01 (31). Em 2015, o fármaco amoxicilina com inibidor enzimático motivou 9 RAM (5º lugar), o fármaco isoniazida motivou 7 RAM (7º lugar) e o fármaco ciprofloxacina motivou 6 RAM (11º lugar) (30). Em 2014 o fármaco amoxicilina com inibidor enzimático motivou 7 RAM (4º lugar) e o fármaco azitromicina motivou 6 (5º lugar) (29). No contexto global de 2012 a 2016 verificamos, ao contrário do que acontece em 2016, que o contributo destes fármacos para o número de RAM é muito considerável.

Importante realçar que, apesar de sabermos que os medicamentos pertencentes a estes grupos terapêuticos são alguns dos mais utilizados na prática clínica, não podemos falar em consumos já que temos que ter linha de conta a subnotificação, que afeta os dados que dispomos (22).

Apesar de no Alentejo e Algarve verificar-se que de 2011 a 2014 os consumos de antibacterianos foram os mais baixos do país (78), segundo dados da European

Surveillance of Antimicrobial Consumption Network, em 2012 Portugal era o 9º país

europeu, que mais antibióticos consumia, acima da média europeia (79). Em 2014 há uma melhoria da situação e Portugal encontra-se em 15º e 18º lugar, a nível comunitário e hospitalar, respetivamente, encontrando-se abaixo da média europeia (Anexo 2 e Anexo 3).

As infeções associadas aos cuidados de saúde e o aumento da resistência aos antibacterianos são questões preocupantes com que lidamos atualmente. Esforços para a criação de Programas de Prevenção e Controlo de Infeção e de Resistência aos Antimicrobianos (PPCIRA) a nível hospitalar têm ajudado nesta questão (79).

Estes programas promovem medidas como a implementação de boas práticas de prevenção e controlo da infeção, como por exemplo a higienização das mãos, utilização de

validação da prescrição de antibióticos (principalmente fluroquinolonas e carbapenemos), nas primeiras 96 horas de terapêutica por forma a detetar e impedir uma inapropriada utilização destes fármacos (79).

Uma estimativa do potencial de poupança nos sistemas nacionais de saúde, a nível da otimização do uso do antibiótico, previu valores na ordem dos 41 mil milhões de euros, a nível mundial (62).

Em 2014 a Ordem dos Farmacêuticos lançou a campanha subordinada ao tema “Uso do Medicamento – Somos Todos Responsáveis”, reforçando a importância do medicamento e da sua correta utilização, para alcançar melhores resultados em saúde. Alguns dos objetivos desta campanha são fortalecer o SNF, uma vez que a notificação de RAM permitirá diminuir os erros de administração e monitorização, e também realizar ações de formação para alertar os profissionais de saúde e doentes para a importância da notificação de efeitos adversos. Por outro lado, foi destacada a importância de otimizar o uso dos antibióticos, tal como (62):

 “Promover campanhas de consciencialização e educação para o uso responsável de antibióticos,

 Potenciar a intervenção farmacêutica no âmbito da redução das infeções hospitalares,

 Promover a multidisciplinaridade nos grupos de coordenação região do PPCIRA,  Implementar sistemas de notificação obrigatória e monitorização da utilização de

antibióticos,

 Otimizar o uso de antibióticos a nível veterinário e,  Otimizar a prescrição clínica”.

A promoção deste tipo de campanhas com o objetivo de sensibilizar a população e os profissionais de saúde para estas temáticas é de extrema importância pois deverá traduzir- se em resultados positivos a nível da utilização racional do medicamento e da consciencialização da importância de notificar reações adversas.

No caso particular do grupo de estudo, o número de RAM a antibacterianos de uso sistémico na região Sul entre 2012 e 2016 no contexto global, mostra a necessidade de implementação de esforços para incentivar os profissionais de saúde e doentes a estarem alerta para o aparecimento e a notificar estas e outras RAM, bem como desenvolver estratégias para restringir a utilização destes fármacos.

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