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Caracterização dos benefícios recebidos: natureza alimentar ou enriquecimento

4.4 ASPECTOS CONTROVERTIDOS SOBRE OS EFEITOS DA DESAPOSENTAÇÃO

4.4.2 Caracterização dos benefícios recebidos: natureza alimentar ou enriquecimento

A questão econômica ainda é a maior problemática na desaposentação,336 diante da “[...] concessão de novo benefício mais vantajoso, especialmente quando se abre tal oportunidade sem a restituição dos valores até então recebidos”.337

Dentro desse contexto também gravita a discussão sobre a caracterização dos benefícios recebidos anteriormente à renúncia da aposentadoria: se é verba alimentar ou se configura um enriquecimento ilícito.

Antes da exposição do entendimento de alguns doutrinadores a respeito, é oportuno mencionar que o resultado jurídico alcançado com a desaposentação irá atingir somente o ato realizado no passado – a aposentação –, porém com efeitos ex nunc. Sendo este o efeito do ato, não há que se falar em devolução dos proventos recebidos pelo aposentado.338

Nesse passo, Laynes339

afirma que: “[...] a renúncia à aposentadoria para concessão de benefício mais vantajoso gera efeitos ex nunc, não prescindindo de qualquer restituição de valores, pois o segurado no ato da aposentação, já fazia jus ao recebimento que inclusive é de caráter alimentar.”

Assim, “[...] o ato de renúncia, como qualquer ato de natureza desconstitutiva, opera efeito ex nunc, não sendo possível, pois, surtir efeitos para o passado - inclusive quanto à necessidade de pagamento de valores já vertidos para o regime [...]”.340

Sobre a caracterização do benefício recebido como verba alimentar, a ministra do Superior Tribunal de Justiça, Maria Thereza de Assis Moura341, assim se manifesta:

335 IBRAHIM, Fábio Zambitte. Desaposentação, p. 76. 336

LADENTHIN, Adriane Bramante de Castro. Desaposentação. Aspectos jurídicos, econômicos e sociais, p. 136.

337 IBRAHIM, Fábio Zambitte. Desaposentação – novos dilemas: A desaposentação como instrumento de desequilíbrio atuarial, p. 1124.

338

IBRAHIM, Fábio Zambitte. Desaposentação, p. 73

339 BASSIL, Rafael Laynes. Desaposentação no Regime Geral da Previdência Social (RGPS): aspectos legais – construção doutrinária e jurisprudencial, p. 139.

[...] o ato de renunciar à aposentadoria tem efeitos ex nunc, não gerando para o segurado o dever de devolver os valores recebidos, pois, enquanto perdurou a aposentadoria, a verba alimentar era indiscutivelmente devida. Não procede, portanto, a assertiva de que tal situação geraria para a Previdência uma situação de desequilíbrio, mediante o enriquecimento ilícito do segurado. (grifos nossos).

Nesse sentido, também é a opinião de Kravchychyn342 quando afirma que “[...] os valores recebidos mensalmente a título de aposentadoria têm natureza alimentar, ficando, portanto, protegidos pelo princípio da irrepetibilidade ou da não devolução dos alimentos”.

Na mesma trilha segue a desembargadora Maria Berenice Dias343 ao posicionar-se sobre a finalidade alimentar, que deságua na irrepetibilidade:

Em sede de alimentos há dogmas que ninguém questiona. Talvez um dos mais salientes seja o princípio da irrepetibilidade. Como os alimentos servem para garantir a vida e se destinam à aquisição de bens de consumo para assegurar a sobrevivência, é inimaginável pretender que sejam devolvidos. Esta verdade é tão evidente que até é difícil sustentá-la. Não há como argumentar o óbvio. Provavelmente por esta lógica ser inquestionável é que o legislador sequer preocupou-se em inseri-la na lei. Daí que o princípio da irrepetibilidade é por todos aceito, mesmo não constando do ordenamento jurídico.

Conforme definição de Fiuza,344 enriquecimento ilícito ocorre quando alguém, sem causa, aufere vantagem patrimonial à custa de outrem, ou seja, o lucro obtido não se apóia em previsão normativa. Acerca dessa questão Venosa345 acrescenta: “[...] é crucial que ocorra um desequilíbrio patrimonial. Um patrimônio que aumentou em detrimento de outro, sem base jurídica”.

Colnago346 analisa a questão do enriquecimento sem causa da seguinte maneira: É de suma relevância lembrar que um fato jurídico ingressa no mundo jurídico através de um suporte jurídico que, geralmente, é uma norma. No caso da aposentadoria, o fato natural: inatividade remunerada pelos cofres públicos torna-se jurídico e exigível através de um ato administrativo vinculado: aposentação, que 340 CORREIA, Marcus Orione Gonçaçalves, CORREIA, Érica Paula Barcha. Curso de direito da seguridade social. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 290.

341 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp. 328.101 - SC (2001/0069856-0). Agravante: Instituto Nacional do Seguro Social- INSS. Agravado: Osmar Luiz Kraemer. Relator: Ministra Maria Thereza De Assis Moura. 20 de out. de 2008. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=nova+aposentadoria+contagem+no+mesmo+regime &&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=2>. Acesso em 24 de maio de 2010.

342 KRAVCHYCHYN, Gisele Lemos. Desaposentação - fundamentos jurídicos, posição dos tribunais e análise das propostas legislativas, p. 90.

343

DIAS, Maria Berenice. Dois pesos e duas medidas para preservar a ética: irrepetibilidade e irretroatividade do encargo alimentar. Disponível em: < http://sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/190407a.pdf> Acesso em: 23 de maio de 2010.

344 FIUZA, Ricardo Arnaldo Malheiros (Coord.). Novo código civil comentado. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 800.

345

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. Direitos Reais. p. 221. 346 COLNAGO, Lorena de Mello Rezende. Desaposentação. p. 793.

necessita de um agente capaz, de expressa previsão legal, de objeto lícito e moral, além do interesse público. Assim, para que o fato jurídico aposentadoria seja retirado do ordenamento, pelo princípio da paridade das formas, necessário se fará outro ato administrativo vinculado: o ato de desaposentação, com requisitos idênticos à emissão do ato de aposentação, veículo introdutor da aposentadoria. Embora haja o interesse do segurado, no caso da desaposentação, não há interesse público, previsão legal, nem mesmo objeto lícito e moral –, face à aferição de vantagem em detrimento do equilíbrio financeiro dos Regimes de Previdência, ou seja, o enriquecimento ilícito do segurado.

Aponta-se, nessa senda, a avaliação da juíza federal Cecília Mariza Winkler347: [...] ao se conferir direito à desaposentação para obtenção de outro benefício do mesmo regime previdenciário, há a necessidade de restituição dos proventos recebidos em decorrência da aposentadoria renunciada. Ora, pretender a desaposentação, gozando das parcelas do benefício de aposentadoria até a renúncia, significa obter, por vias transversas, um „abono de permanência por tempo de serviço‟, violando o §2º do art. 18 da Lei 8.213/91. Visa-se evitar o locupletamento sem causa do segurado, bem como manter o equilíbrio econômico-atuarial do sistema previdenciário.

Ladenthin348 diverge desse entendimento. É o que se infere da sua doutrina: Ocorre que as contribuições após a aposentadoria não estão atuarialmente previstas [...].

Ao manter-se ativo (e aposentado), a previdência continua recebendo contribuições que não eram „necessárias‟ para manutenção daquele benefício, pois já que houve contribuições para tanto.

[...].

A devolução, portanto, dos valores recebidos pelo segurado enquanto aposentado, não deve ocorrer, pois o benefício foi concedido legitimamente. A concessão ocorreu por um ato do ente administrativo, válido, sem vícios que permitisse anulá- lo.

Garcia349 conclui o raciocínio:

Logo, é inadmissível que o segurado seja compelido a devolver os proventos que percebeu pela aposentadoria anterior, uma vez que a aposentadoria foi concedida regularmente, revestindo-se de validade e eficácia, sendo os pagamentos devidos à época. [...]. A indenização, portanto, acarretaria o locupletamento ilícito da Administração, visto que os cofres da Previdência não sofreriam prejuízos.

Importante salientar que a desaposentação não pressupõe acúmulo de benefícios, o que é vedado expressamente em lei. Entretanto, parece que a Administração e os estudiosos do assunto entendem que há um bis in idem, no qual o segurado seria contemplado duplamente pelo benefício da aposentadoria. Esquecem-se, porém, de que com a desaposentação há a extinção do benefício atual para concessão de outro, ou seja, há uma substituição e não acumulação de benefícios, com sensível alteração dos proventos da aposentadoria.

347 WINKLER, Marize Cecília. Disponibilidade do bem jurídico previdenciário: desasposentação, p. 87.

348 LADENTHIN, Adriane Bramante de Castro. Desaposentação. Aspectos jurídicos, econômicos e sociais, p. 133.

349 GARCIA, Elsa Fernanda Reimbrecht. Da desconstituição do ato de aposentadoria e a viabilidade atuarial da desaposentação, p. 65.

Infere-se do exposto que para caracterizar o enriquecimento ilícito por parte do segurado é necessário que este cause o empobrecimento de outrem, e que seu direito não esteja, como definem De Plácido e Silva, Slaibi Filho e Carvalho, “[...] fundado numa operação jurídica considerada lícita ou uma disposição legal”.350

4.4.3 (Des) necessidade de devolução dos valores recebidos

Castro e Lazzari351, no que se refere à obrigatoriedade de devolução dos proventos recebidos durante o período em que o beneficiário esteve jubilado, sustentam: “É defensável o entendimento de que não há necessidade da devolução dessas parcelas, pois, não havendo irregularidade na concessão do benefício recebido, não há o que ser restituído”.

Martinez352, diversamente, entende que é essencial a devolução do montante recebido. Para que a desaposentação seja sustentável, pontua o autor, é imprescindível o restabelecimento do status quo ante.

A magistrada Marina Vasques Duarte353 fundamenta que a devolução é devida. Na sua exposição:

Com a desaposentação e a reincorporação do tempo de serviço antes utilizado, a autarquia seria duplamente onerada se não tivesse de volta os valores antes recebidos, já que terá que conceder nova aposentadoria mais adiante [...].

[...] O mais justo é conferir efeito ex-tunc à desaposentação e fazer retornar ao status quo ante, devendo o segurado restituir o recebido do órgão gestor durante todo período que esteve beneficiado. Este novo ato que será deflagrado pela nova manifestação de vontade do segurado deve ter por conseqüência a eliminação de todo e qualquer ato que o primeiro ato possa ter causado para a parte contrária, no caso o INSS.

Filia-se a esta corrente, a Juíza Federal Marize Cecília Winkler354:

[...] em caso de deferimento da desaposentação, necessário se faz o retorno integral ao statu quo ante, ou seja, há o retorno da condição do segurado à condição de „ativo‟ do sistema previdenciário, necessariamente com a devolução dos valores auferidos, quando da condição de aposentado. O ato de aposentação é desconstituído, com efeitos ex tunc, ou seja, que retroagem à data de concessão do benefício anterior. Deve haver o integral ressarcimento dos valores à Autarquia Previdenciária, a qual não pode suportar prejuízo de ato do qual não deu causa.

350 SILVA, De Plácido e; SLAIBI FILHO, Nagib; CARVALHO, Glaucia. Vocabulário jurídico, p. 352. 351 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. LAZZARI, João Batista. Manual de direito previdenciário, p. 573. 352

WENDHAUSEN, Helena Mizushima. Aspectos controversos da desaposentação, p. 31. 353 Apud WENDHAUSEN, Helena Mizushima. Aspectos controversos da desaposentação, p. 31. 354 WINKLER, Marize Cecília. Disponibilidade do bem jurídico previdenciário: desasposentação, p. 86.

Por sua vez, Martins355 afirma que: “A devolução do recebido é necessária para preservar o equilíbrio atuarial e financeiro do sistema”.

Nessa diretriz, colaciona-se o entendimento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no julgado AC 2007.72.12.000876-3 /SC:

[...] Consoante o entendimento jurisprudencial corrente, é possível a renúncia à aposentadoria deferida pelo INSS, por se tratar de direito patrimonial, logo disponível. Mas uma vez deferida a aposentadoria, resta configurado ato jurídico perfeito, de modo que não se pode pretender o desfazimento unilateral para nova fruição no mesmo regime. 2. A pretensão de desaposentação sem qualquer indenização, no caso, encontra obstáculo no que dispõem o artigo 11 da Lei 8.212/91, o § 3º do artigo 12 da Lei 8.213/91 e, em especial, o § 2º do artigo 18, também da Lei 8.213/91, normas (em especial a última) que não ofendem a Constituição Federal. 3. Diante de tal quadro, somente se pode cogitar de nova aposentadoria, com agregação de tempo posterior ao jubilamento, caso ocorra a devolução dos valores recebidos do INSS, uma vez que todos os efeitos, neste caso, inclusive os pecuniários, estariam sendo desconstituídos.

[...].356 (grifos nossos).

Já, em outro momento, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região conferiu parecer diverso ao tratar a questão, consoante o julgado 2006.70.00.031885-5/PR:

[...] Possível a renúncia pelo segurado ao benefício por ele titularizado para postular novo jubilamento, com a contagem do tempo de serviço/contribuição em que esteve exercendo atividade vinculada ao Regime Geral de Previdência Social concomitantemente à percepção dos proventos de aposentadoria, sem a necessidade de restituição à Autarquia Previdenciária dos valores recebidos a título de amparo. 357 (grifos nossos).

Pois bem. Com o intuito de elidir inúmeras dúvidas surgidas, tem-se o recente posicionamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), referente à devolução do benefício:

[...] havendo a renúncia da aposentadoria, inexistirá a vedação legal do inciso III do art. 96 da Lei nº 8.213/1991, segundo o qual „não será contado por um sistema o tempo de serviço utilizado para concessão de aposentadoria pelo outro‟, uma vez que o benefício anterior deixará de existir no mundo jurídico, liberando o tempo de serviço ou de contribuição para ser contado em novo benefício.

3. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que o ato de renunciar ao benefício tem efeitos ex nunc e não envolve a obrigação de devolução das parcelas recebidas,

355

MARTINS, Sergio Pinto. Direito da seguridade social, p. 343.

356 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. AC 2007.72.12.000876-3 /SC, Turma Suplementar. Relator: Ricardo Teixeira do Valle Pereira. Apelante: Leonildo Galon. Apelado: Instituto Nacional do Seguro

Social - INSS. 15 de dez. de 2009. Disponível em:<

http://www.trf4.jus.br/trf4/jurisjud/inteiro_teor.php?orgao=1&documento=3153731> Acesso em 09 de junho de 2010.

357 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. 2006.70.00.031885-5/PR, Turma Suplementar. Relator: Fernando Quadros da Silva. Apelantes: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS e Jonas de Barros Eler. Apelados: os mesmos. 23 de jun. de 2008. Disponível em:< http://www.trf4.jus.br/trf4/jurisjud/inteiro_teor.php?orgao=1&documento=2004669 > Acesso em 09 de junho de 2010.

pois, enquanto aposentado, o segurado fez jus aos proventos. [...].358(grifos nossos).

À guisa dessa exegese, pertinente é a lição de Bassil359:

Com base nas fundamentações acima apresentadas, e na busca contínua para corrigir injustiças, devemos aperfeiçoar a aplicação do direito social, e com base nos julgados favoráveis, e na doutrina mais recente, observamos a evolução das decisões jurisprudenciais quanto ao direito a desaposentação [...].

Como se vê, a desaposentação, ainda não goza de entendimento pacífico no ambiente jurídico, porquanto carece de uma melhor análise. Observa-se que, embora a jurisprudência venha sinalizando em seu favor, faz-se necessária a regulamentação da matéria.