• Nenhum resultado encontrado

PARTE II – ESTUDO DE CASO: A MINERAÇÃO NA SERRA DO GANDARELA

4.2 Caracterização Ecológica e Socioambiental

Destaca-se, de imediato, o fato da região ser o último fragmento significativo de áreas naturais em bom estado de conservação dentro do Quadrilátero Ferrífero, contendo importantes remanescentes de Mata Atlântica semidecídua, de vegetação de campos rupestres sobre canga (um tipo de rocha na qual se ergue uma vegetação típica de solos ricos em minério de ferro que, no Brasil, ocorre apenas em Carajás, no Pará, e em algumas regiões ferríferas de Minas Gerais) e sobre quartzito, em transição com formações do Cerrado.

A grande variedade de ambientes, típica de áreas de ecótone está diretamente relacionada à riqueza de espécies12 existente e à elevada diversidade biológica13. Zonas de ecótone são definidas como:

"Transição entre duas ou mais comunidades diferentes, é uma zona de união ou um cinturão de tensão que poderá ter extensão linear considerável, porém mais estreita que as áreas das próprias comunidades adjacentes. A comunidade do ecótono pode conter organismos de cada uma das comunidades que se entrecortam, além dos organismos característicos." (Odum, 2007)

"Zona de contato ou transição entre duas formações vegetais com característica distintas" (Resolução n° 12, de 4.05.94, do CONAMA).

Segundo o mapeamento realizado pelo programa governamental SOS Mata Atlântica (INPE, 2009), o Quadrilátero Ferrífero contém 6,45% das Florestas Estacionais Semideciduais do Bioma Mata Atlântica presente em Minas Gerais, sendo que desta área, 12,28% estão contidos na área de estudo. Trata-se de uma relevante mancha florestal na região e que, em conjunto às florestas preservadas da Serra do Canastra (ao sul do Gandarela), representam um dos mais importantes remanescentes florestais do Quadrilátero Ferrífero. A distância de rodovias e áreas urbanas - vetores

históricos de desmatamento - é um aspecto que certamente contribuiu para que estas áreas permanecessem preservadas até a atualidade.

No caso da Serra do Gandarela, à alta diversidade soma-se o fator qualitativo, com taxas excepcionais de ocorrência de espécies raras, endêmicas, microendêmicas e ameaçadas de extinção como as cavernícolas. O Quadrilátero Ferrífero foi incluído no Atlas da Biodiversidade como uma área de importância biológica especial já que apresenta uma série de endemismos14 que acabam por valorizar ainda mais a importância dessa área, fazendo-se necessário um plano de ação em curto prazo para preservação dessa riqueza (DRUMMOND et. al., 2005).

As Comunidades do Vale do Rio São João (Santa Bárbara, Barão dos Cocais), afetadas pelo projeto, acumulam juntas apenas 390 habitantes, o que permite antever conflitos sociais relacionados ao esperado fluxo migratório de trabalhadores. As principais atividades econômicas de tais comunidades, que conservam expressões culturais relevantes, como a cavalhada15 e congado16, estão ligadas ao ambiente natural, seja com o extrativismo ou agricultura de subsistência, que devem ser negativamente afetadas pelo empreendimento.

A área em questão apresenta irrefutável importância nacional como reserva da biodiversidade de grande importância geomorfológica, como área de recarga de aquífero, de alta riqueza bioespeleológica, paisagística, de história humana e social, pois as águas da região do Gandarela abastecem milhares de famílias, que não se restringem às populações tradicionais17 que habitam a região. O estudo deste caso pode contribuir, portanto, com novos argumentos para a resolução de conflitos ambientais, visto sua importância biológica, social e econômica.

4.3 O projeto

O projeto a ser instalado na região é uma mineração de ferro da companhia Vale S/A, conhecido como Apolo. O projeto, que irá abranger porções territoriais dos municípios de Caeté e Santa Bárbara, a cerca de 40 km de Belo Horizonte, tem uma área aproximada de 1.700 ha de onde estima-se poder extrair 24 milhões de toneladas de minério de ferro/ano ao longo de 17 anos de vida útil (RIMA 2009).

Hoje a VALE S/A é uma empresa transnacional, controlada pelo consórcio VALEPAR - Bradesco, BNDESPar, Previ e a japonesa Mitsui, com sede no Brasil e atividades em mais de 30 países, nos cinco continentes, e considerada pela Forbes Magazine a maior companhia de mineração do mundo (OCMAL, 2013, p. 43). A atuação da Vale S/A se destaca na mineração - minério de ferro e pelotas, níquel, carvão, fertilizantes, cobre, manganês e ferroligas, mas também atua em logística, energia e siderurgia.

O RIMA (2009), que teve suas informações levantadas entre os anos de 2008 – 2009 apresenta o projeto em quatro etapas: planejamento, implantação, operação e fechamento. O projeto prevê, na fase de implantação, um pico de 4.100 funcionários, chegando a 200 no fim do processo. A preocupação envolve, portanto, não apenas o âmbito do licenciamento, como também o âmbito social, já que a herança deixada por um processo brusco como esse pode modificar para sempre a dinâmica regional.

O projeto ainda prevê a instalação de um alojamento para 2.000 funcionários a fim de não sobrecarregar os serviços urbanos. Mesmo assim, os distritos de Morro Vermelho, André do Mato Dentro e Cruz dos Peixotos, de estrutura precária, serão os mais afetados pela instalação do empreendimento.

O próprio RIMA afirma que os fluxos migratórios resultantes da influência do empreendimento devem ser observados, assim como a eficiência dos serviços, segurança, mercado imobiliário, pois podem originar diversos problemas à comunidade local. A instalação de mineradoras promove o emprego, mas acelera os problemas sociais; o grande contingente de trabalhadores que é atraído para estas regiões acaba sem trabalho na fase final do projeto e, geralmente sem sucesso, busca novas oportunidades de trabalho (LAMOUNIER, 2009).

Segundo Cury (2002), mesmo os empreendimentos minerários de curto prazo, podem produzir impactos negativos, por um longo período de tempo.