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A noção de "justiça ambiental" exprime um movimento de ressignificação da questão ambiental. Ela resulta de uma apropriação singular da temática do meio ambiente por dinâmicas sociopolíticas tradicionalmente envolvidas com a construção da justiça social. Esse processo de ressignificação está associado a uma reconstituição das arenas onde se dão os embates sociais pela construção dos futuros possíveis. Nessas arenas, a questão ambiental se mostra cada vez mais central e vista crescentemente como entrelaçada às tradicionais questões sociais do emprego e da renda.

Ao falarmos de uma ressignificação da questão ambiental, convém fazer uma breve revisão dos significados que lhe foram, na história recente, atribuídos. Desde o princípio, a questão ambiental esteve investida de distintos sentidos, ora contracultural, ora utilitário. O primeiro apresentou-se como um movimento de questionamento do estilo de vida que tem justificado o padrão dominante de apropriação do mundo material - consumismo dito fordista, industrialização químico-mecanizada da agricultura etc. O segundo, um sentido utilitário protagonizado inicialmente pelo Clube de Roma4, que, após 30 anos de crescimento econômico nos países capitalistas centrais, preocupava-se em assegurar a continuidade da acumulação do capital, economizando recursos em matéria e energia (Zhouri e Oliveira, 2006).

O economista heterodoxo Georgescu-Roegen intervinha então no debate alertando: economizar quantidades de matéria e energia apenas retarda o problema. Não caberia só economizar recursos, mas se perguntar sobre as razões pelas quais nos apropriamos da matéria e da energia. Ecologia, dizia ele, não se traduz apenas em quantidades escassas, mas na qualidade das relações sociais que fundam os usos sociais do planeta. Eis, segundo aquele autor, a questão ecológica de fundo: usamos os recursos planetários para produzir arados ou canhões?

Segundo Acselrad, (2004) o conceito de justiça ambiental refere-se à quantidade de pressão, risco ou dano ambiental que um segmento específico da população pode suportar sem ter a sua existência material e sua capacidade de reprodução social e cultural comprometidas drasticamente.

Por exemplo: poluição industrial, afetando mais drasticamente as condições de saúde dos moradores de periferia urbana (Herculano, 2002), a construção de barragens, plantações de soja, cana de açúcar e eucalipto, que retiram pequenas comunidades de terras tradicionalmente ocupadas por culturas de subsistência operadas por famílias.

Quando deslocadas por grandes empresas, essas comunidades rurais e ribeirinhas perdem tudo o que têm: a terra e os recursos associados ao seu modo de subsistência, ou seja, terras férteis, o acesso à pesca e à água, e do ponto de vista cultural, as referências simbólicas do lugar e parentesco, da memória coletiva dos fatos e acontecimentos significativos para os grupos. A situação decorrente pode ser descrita como um exemplo de injustiça ambiental.

Esta condição social é, assim, definida como um atributo das sociedades desiguais, em que os mecanismos sociais e políticos são “eficazes” no processo de tomada de decisão, impondo os principais custos dos danos ambientais do desenvolvimento econômico a grupos sociais mais fracos, entre os quais os trabalhadores, estratos de baixa renda, grupos raciais discriminados, ou, para resumir, o segmento mais vulnerável dos cidadãos (Acselrad et al , 2004:10 ).

Segundo Zhouri e Oliveira (2006), normalmente, os estudos de impacto ambiental se concentram exclusivamente sobre o potencial dano ambiental, sem a devida atenção para as consequências para a população local no que se refere às suas formas específicas de vida. Desse modo, tornam a população local "invisível" no parecer técnico.

Outra importante contribuição para entendermos a insustentabilidade do atual modelo de desenvolvimento econômico vem sendo demonstrada através da junção de economia ecológica com a ecologia política, sendo um dos seus defensores o espanhol Martinez-Alier. Para este autor, grande parte dos conflitos socioambientais pode ser analisada a partir das contradições existentes no comércio desigual e injusto entre países do atual capitalismo globalizado.

Ao articular a economia ecológica com a ecologia política tendo como base a análise do metabolismo social, Martinez-Alier demonstra uma importante base teórica

para entendermos os conflitos socioambientais enquanto conflitos distributivos, produtos das desigualdades e contradições resultantes dos processos econômicos e sociais de desenvolvimento que formam "centros" e "periferias" mundiais e regionais. Estes conflitos, porém, tendem a se radicalizar em situações de injustiça presentes em sociedades marcadas por fortes desigualdades sociais, discriminações étnicas e assimetrias de informação e poder. Nestes casos, o tema da saúde humana e ambiental se intensifica pela vulnerabilização de populações e territórios afetados, e a gravidade dos problemas de saúde pública se apresenta como importante bandeira de luta para as populações atingidas e movimentos sociais diversos.

Em Acselrad (2007) observamos que estamos diante de uma “política de espetáculo”, onde os discursos proferidos não refletem a realidade prática: fragmentadas pela acumulação flexível, que necessita de consensos, mesmo fictícios, para competir, para “soldar” as fraturas, as cidades neoliberais pretendem apresentar-se consensuais e competitivas, procurando, no mínimo, persistir e não implodir em suas contradições.

“Um meio ambiente único é então evocado para soldar as forças sociais da cidade. O discurso ambiental serve também para isto; não exclusivamente, mas é, também, apropriado por este viés – o de que o “ambiente” é uno, diz respeito a todos, é supra-classista e justifica devermos darmos-nos as mãos, fazer uma só e inelutável política para protegê-lo. No entanto, mesmo que em nome do interesse de todos, é a política de algum grupo que será feita.” (ACSELRAD, 2007, p. 4.)