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Formas canónicas de relato de discurso: discursos directo e indirecto

CAPÍTULO 3. O discurso indirecto livre

3.3. Caracterização enunciativa do discurso indirecto livre

3.3.1. Coexistência de dois sistemas dícticos

Do ponto de vista enunciativo, o DIL apresenta um funcionamento inesperado, a saber: quer as marcas de pessoa gramatical quer os tempos verbais funcionam no sistema da enunciação relatora, o esquema de frase e o léxico pertencem, geralmente, ao enunciador primeiro. Há, portanto, uma mistura de dois planos enunciativos. Quanto

4 7 Como Reyes afirma, «en el EIL esta mimesis se especializa en las categorias espaciales y temporales del personaje, lo que produce el efecto de superposición de enunciaciones. Cuando tal superposición tiene expresión textual, o el contexto permite inferiria, la senal es segura: estamos ante EIL.» (Reyes, 1984: 243, sublinhado meu).

aos advérbios de lugar e tempo eles são, no DIL mais típico e que menos dúvidas de identificação levanta, conformes ao enunciado relatado mas podem, também, aparecer no sistema díctico do relator.

Vejamos dois exemplos de Os Maias, ambos de uma conversa entre Ega e Carlos. No primeiro, Carlos responde, em DIL, a uma pergunta em DD do Ega, sobre os frequentadores do Ramalhete. No segundo, Ega responde, também em DIL, a uma pergunta sobre Craft que Carlos lhe faz, em DD.

«- Mas conta-me tu, que diabo, que fazem vocês no Ramalhete? O avô Afonso? Quem vai por lá?...

No Ramalhete, o avô fazia o seu whist com os velhos parceiros. Ia o D. Diogo, o decrépito leão, sempre de rosa ao peito, e frisando ainda os bigodes... Ia o Sequeira, cada vez mais atarracado, a estoirar de sangue, à espera da sua apoplexia... Ia o conde de Steinbroken...

- Não conheço. Refugiado?...Polaco?...» (cap.IV)

Embora não haja, explicitamente, dícticos temporais que remetam para o centro enunciativo que é o locutor citado (Carlos), a designação «o avô» e o facto de este parágrafo surgir entre duas intervenções de Ega em DD (a primeira é uma pergunta e a segunda é a interrupção da fala de Carlos), mostram-nos que é o protagonista quem fala, embora seja o narrador que relata o seu discurso de forma indirecta e livre.

«Ega encolheu os ombros. Um doido!... Sim, era essa a opinião da Rua dos Fanqueiros; o indígena, vendo uma originalidade tão forte como a de Craft, não podia explicá-la senão pela doidice. O Craft era um rapaz extraordinário!... Agora tinha ele chegado da Suécia, de passar três meses com os estudantes de Upsala. Estava também na Foz... Uma individualidade de primeira ordem!» (cap.IV, sublinhado meu)

Neste segundo excerto, o díctico temporal «agora» remete para o sistema enunciativo da personagem citada em DIL: o Ega.

Se há quem considere o DIL mais perto do Dl e quem o julgue mais próximo do DD, tal deve-se, em parte (só em parte), à flutuação possível dos dícticos entre a enunciação relatada ou relatora. Esta flutuação dos dícticos (sobretudo temporais) entre o sistema enunciativo do relator e o do locutor do enunciado citado é considerada por Combettes (cf. 1990: 108) como mais um aspecto da tão sublinhada ambiguidade do DIL (cf. ponto 3.1.). Assim, alguns estudiosos pensam que o DIL está mais próximo do discurso narrativo já que os tempos verbais e a pessoa gramatical se referenciam ao sistema enunciativo do relator, os advérbios de tempo e lugar podem variar e só o léxico pertenceria ao locutor do discurso citado. Mas há quem, atribuindo ao primeiro locutor o esquema de frase e o léxico, considere o DIL mais perto do DD, por incluir traços oralizantes e características morfossintácticas expressivas (cf. 3.2.) de grande poder mi meti co.

Quanto à proximidade do DIL quer com o DD quer com o Dl, o autor referido atrás prevê três hipóteses de situação relativa do DIL: mais próximo do Dl se pessoa gramatical, tempos verbais e dícticos temporais e espaciais são do sistema enunciativo do relator; mais perto do DD se só a pessoa gramatical pertence a esse sistema e todos os outros traços se referem ao locutor citado48; numa situação intermédia (que me parece a do

DIL mais fácil de identificar), quando pessoa gramatical e tempos verbais estão referenciados ao relator e dícticos temporais e léxico ao enunciador citado (cf. Combettes, 1990: 110). É a esta última modalidade de discurso relatado que irei chamar DIL.

4 8 Devo dizer que não encontrei qualquer ocorrência que pudesse corresponder a esta

Ao balizar a descrição do DIL pelas características que partilha com o Dl ou com o DD, não podemos cair no erro de pensar que ele deriva de um ou de outro modo de citara É certo que o DIL pode ter dícticos temporais do presente e até do futuro e tempos verbais do passado, mas tal não permite tirar a conclusão de que ele resulta de uma transformação de estruturas subjacentes, nem de Dl nem de DD50.

A essa forma de encarar o fenómeno escapa o essencial, a saber: «la tercera persona es correferencial con quien piensa o experimenta, en lugar de la primera persona, y los advérbios que indican presente coexisten con el imperfecto verbal.» (Reyes, 1984: 75). É também a convivência de traços do DD (como exclamações, frases incompletas) e tempos verbais e pessoas próprios do Dl que leva a autora a considerar o DIL uma espécie de «monstruosidade» sintáctica.

Separar o verdadeiro DIL de outras formas menos fixadas de relato indirecto de discurso é tarefa difícil que Reyes se esforçou (quanto a mim, com sucesso) por levar a bom termo. O exemplo que dá de DIL «típico» é o seguinte: «Lo amaba, oh Dios, si, lo amaba. Ahora que él estaba lejos se daba cuenta.» (Reyes, 1984: 75).

Nota-se, portanto, que, como a autora sublinha a propósito deste exemplo, «el narrador que cita en EIL se traslada, sintacticamente, ai aqui y ahora de su personaje, e intenta reproducir en alguna medida, sus expresiones.» (Reyes, 1984: 79). Reyes situa-se no campo dos que crêem que o DIL se caracteriza pela mistura de dois sistemas dícticos que já referi, separando formas verbais em tempos do passado, para um lado e

4 9 A tradição gramatical escolar recente soube distinguir DIL de DD, uma vez que os tempos verbais e a pessoa gramatical são, no DIL como no Dl, dependentes da situação enunciativa do relator e lhe faltam os sinais tipográficos que anunciam o DD Mas defendeu, erradamente, que o DIL se obteria a partir do Dl, apagando o verbo dicendi introdutor e a conjunção subordinativa.

5 0 O DIL não é, em minha opinião, nem Dl nem DD, apesar de alguns autores o considerarem uma variante de Dl (cf. Bakhtine/Voloshinov ([1929] 1977- 162) ou Genette (1972) que designa genericamente Dl e DIL como «discurso transposto»)

advérbios temporais do presente, para outro. A linguista argentina pensa mesmo que esta coexistência de dois tempos (o da narração, o pretérito

perfeito, por um lado e o da consciência da personagem, o presente

transmitido pelo uso do imperfeito) é um traço «desconcertante».

K. Hamburger relaciona o aparecimento deste tipo de discurso com a existência de personagens na ficção narrativa, isto é, com o facto de a verdadeira I-Origo, o ponto de referência real próprio de uma enunciação «normal» ser substituída por I-Origines fictivas correspondentes a cada personagem. Seria o aqui e o agora da personagem, obviamente fictícios, que funcionariam como origem enunciativa das passagens de DIL (cf. Hamburger (1957) 1993: 84). Há, no fundo, um apagamento do narrador que passa a ceder lugar às personagens cujos discursos (proferidos ou interiores) ocupam, progressivamente, mais espaço na construção da trama narrativa e ganham cada vez mais importância e relevo.

Na linha de K. Hamburger, F. I. Fonseca considera que o DIL tem a ver com a «proliferação ambígua das coordenadas enunciativas», com a «exploração criativa das virtualidades do sistema enunciativo da língua.» (Fonseca, F. I. (1990) 1994: 101, nota42)5i.

Decorre da coexistência de dois planos enunciativos o facto de a linguagem do DIL ser mimética, imitar, representar uma outra (ou seja, outro ponto de vista) que é a da personagem. Representa-a, adoptando as categorias espaciais e temporais, os idiolectos, as formas lexicais típicas do locutor citado. Esta adopção, que foi referida atrás, faz com que o DIL tenha grande efeito mimético e, portanto, apesar dos traços narrativos que encerra (terceira pessoa e formas verbais no pretérito), situa-se, em meu entender, mais próximo do DD, no que concerne à sua utilização52 na

narrativa. É indiscutível que, no DIL, não se distinguem, com clareza, duas

5 ! Voltarei a estas afirmações quando me ocupar da relação DIL/fícção (cf. capítulo 1. da II Parte).

vozes, como no DD, nem tão pouco existe uma só voz, a do relator, como no Dl canónico. É como se a voz da personagem nos chegasse filtrada, mas incompletamente, pela enunciação relatora, como se houvesse um jogo com diferentes planos de enunciação.

Encaremos ou não o DIL como uma das formas de relatar discurso, ele consegue, na maior parte das ocorrências, criar, numa construção linguística única, um efeito de ressonância que nos permite ouvir (pelo menos) duas vozes. Há, como Bakhtine afirma, uma dupla voz, um amálgama que decorre da coexistência de traços expressivos mais próximos do discurso da personagem e da adopção de elementos enunciativos próprios do narrador: a pessoa gramatical e os tempos verbais. Essa dupla voz resultaria, segundo Beltrán Almería, da co-presença de um enunciador, correspondente à personagem e de um sujeito cognitivo que corresponde ao autor (já que Beltrán Almería elimina a entidade «narrador» por a achar redundante). O grau máximo de dualidade seria o DIL, mais fixado do que outras formas de heterodiscursividade como, por exemplo, as passagens, geralmente breves, de discurso oculto na narração.

3.3.2. Uso dos tempos verbais no discurso indirecto livre

O uso dos tempos verbais não pode ser estudado como se presente, passado e futuro fossem zonas do tempo cronológico onde os tempos verbais se encaixariam linearmente. Temos que ter em conta que utilizamos o presente para referir acontecimentos passados e futuros, o pretérito

imperfeito para referir acções presentes (o imperfeito do jogo infantil), o pretérito perfeito para contar, como é sabido, histórias de ficção científica

situadas num ponto utópico do futuro. Ora o DIL é um bom exemplo das

chamadas «metáforas temporais» de Weinrich54 e não é por acaso que K.

Hamburger cita o fenómeno como instrução de ficcionalização e como prova de que o pretérito épico, da ficção narrativa, perdeu o seu valor temporal.

Dos dois sub-sistemas temporais que, na senda de inguistas como Coseriu e Pottier, F. I. Fonseca distingue, nos sistemas verbais românicos, um (o «actual») tem por centro o presente e no outro, (o «inactual»), é o

imperfeito que ocupa essa posição central (cf. Fonseca, F. I. (1982) 1994:

47). Do primeiro grupo, fazem parte o pretérito perfeito simples, o

presente e o futuro. A segunda série é composta pelo mais-que-perfeito, o imperfeito e o condicional. Quer o presente quer o imperfeito indicam uma

relação temporal de coincidência com o marco de referência que, no caso do presente, é a situação de enunciação e, no caso do imperfeito é transposto, não coincidente com a situação de enunciação, interior ao próprio enunciado. Ora é a segunda série de tempos verbais que está em jogo nas ocorrências de DIL recenseadas. O uso do imperfeito é até

considerado um sinal que permite pressentir a existência de DIL55. Quando

falo do imperfeito, não quero dizer que este seja o único tempo verbal que assinalei em ocorrências de DIL. Como ficou escrito, outros tempos

anafóricos, como o mais-que-perfeito simples56 e o condicional também

aparecem com mais ou menos frequência.

No que diz respeito aos tempos verbais utilizados, a dupla voz do DIL é pois expressa pelo uso do imperfeito, que remete para a enunciação

5 4 Fludernik escreve, a este respeito: «Since free indirect discourse involves a temporal

shift plus an 'incompatible' use of deictics, it therefore figures as one of Weinrich's temporal metaphors.» (Fludernik, 1993: 52).

5 5 Cerquiglini afirma que o DIL «moderno» (aquele sobre que incide a minha análise) se

distingue, justamente, pelo uso do imperfeito.

5 6 A. P. Loureiro estuda minuciosamente os tempos verbais usados em passagens de DEL

em O Primo Basílio e conclui que esses tempos são o imperfeito, o condicional e o mais-

que-perfeito simples (cf. Loureiro, 1997), justamente os mesmos que encontrei em Os Maias. Com duas excepções: a de uma ocorrência de DIL do romance em que existe pretérito perfeito e de algumas ocorrências do presente.

relatora por ser pretérito, mas, simultaneamente, para o ponto de vista da personagem, por ter um ponto de referência transposto. O imperfeito, o

mais-que-perfeito e o condicional são o lugar da sobreposição clara de duas

vozes que o DIL mistura: remetem, tal como os pronomes, para a voz do narrador, mas também, tal como o léxico, para a da personagem.

De entre os traços que Banfield considera incompatíveis com DIL, um deles é o uso do presente51. Embora tenha encontrado exemplos de

presente dentro do DIL, parece-me ter razão a linguista americana, pois

trata-se de passagens, dentro de ocorrências de DIL que transmitem pensamentos (por exemplo, o sentimento de frustração de Carlos quando não encontra Maria Eduarda em Sintra, a incredulidade de Ega perante o incesto que começa a adivinhar), em que o presente é intemporal e pode revelar pensamentos da personagem sobre verdades de sempre, ou reflexões do narrador a propósito delas (no primeiro caso, a propósito da força com que a visão de Maria Eduarda se impôs a Carlos, talvez por ser uma «estrela de acaso»):

«Porque o que o irritava agora era não poder encontrar, na pequenez de Lisboa onde toda a gente se acotovela, aquela mulher que ele procurava ansiosamente! [...] Assim acontece com as estrelas de acaso! Elas não são de uma essência diferente, nem contêm mais luz que as outras: mas, por isso mesmo que passam fugitivamente e se esvaem, parecem despedir um fulgor mais divino, e o deslumbramento que deixam nos olhos é mais perturbador e mais longo...» (cap.VI)

5 7 Apesar de Fludernik (1993) e Leech/Short (1981) asseverarem que existe DIL com formas verbais no presente, esses casos são muito raros. No capítulo XV de Os Maias, p.e., há uma longa passagem de DIL que relata os pensamentos de Ega, com presente, em que este tempo parece ter como função tornar mais plausível a explicação que a personagem encontra para a situação absurda e inverosímil de Carlos e Maria Eduarda, presentifícando-a para lhe sentir mais o absurdo. Nas outras ocorrências identificadas, o presente é um presente atemporal que remete para verdades de sempre, o presente-aoristo

que não tem valor temporal e exclui qualquer referência ao momento da enunciação. É um presente genérico, utilizado, p.e., para o locutor expor uma teoria (acerca da tendência portuguesa para adoptar, exagerando-as, as modas estrangeiras, como temos numa passagem de relato de discurso do Ega em DIL, no último capítulo de Os Maias).

Há, porém, outro tipo de presente, em ocorrências de DIL. No caso do exemplo que darei, o DIL segue-se a uma pergunta normalmente feita em Dl:

«Então, como colhendo simplesmente informações de médico, perguntou a Miss Sara se a menina sentira a mudança de clima. Habitavam ordinariamente Paris, não é verdade!» (cap. IX, sublinhado meu).

Trata-se de uma fraseologia com função fática e, como frase feita, expressão congelada, tem o verbo no presente. Mas este género de frase usa-se, sobretudo, em contexto de discurso, como um convite para que o alocutário confirme a observação do locutor, e justamente Banfield considera-o incompatível com a narração e, em consequência, com o DIL.

A meu ver, não se pode considerar «unspeakable»58 um discurso que

inclui, apesar de os seus verbos estarem em tempos próprios da enunciação do relator, uma frase interrogativa directa, como «não é verdade?». Por haver um ajustamento à enunciação relatora, não significa que a voz da personagem seja neutralizada e se torne inaudível. A pergunta cujo verbo está no presente pertence ao discurso e não à narrativa, implica a presença de um locutor cujas palavras são relatadas em DIL e de um alocutário a quem esse locutor se dirige, contrariando a teoria de Banfield acerca do carácter exclusivamente narrativo do DIL59.

Não me parece que o essencial da discussão deva passar por saber se é mais forte o discurso do narrador ao qual o da personagem se submete (como crêem Fludernik, Bakhtine e outros) ou se, pelo contrário, a

5 8 Aludo, evidentemente, ao título da obra de Banfield Unspeakable Sentences (1982), frequentemente referida neste trabalho.

5 9 O alinhamento enunciativo com a instância citadora não constitui, segundo Fludernik, um factor de voz, mas a autora relaciona-o com a existência muito frequente de efeitos irónicos no DIL. A discontinuidade criada entre as linguagens em presença com supremacia para a do narrador permite que as sugestões e intenções irónicas deste se façam sentir.

personagem impõe o seu registo. É mais interessante procurar perceber por que razão podem coexistir, no DIL, traços gramaticais aparentemente inconciliáveis. Ou, até, por que razão diferentes autores consideram DIL realidades que aparecem tão diversas.

3.3.3. Apresentação e enunciador subentendido

Banfield crê que o DIL se utiliza para exprimir um ponto de vista emanado de um sujeito de consciência, não sendo, portanto, uma forma de relatar discurso60. Reconhecendo embora que a autora tem alguma razão,

repugna-me um pouco considerar DIL algumas ocorrências que ela admite como tal. Há o DIL que é inequivocamente relato de discurso ou transmissão de pensamentos. Mas há passagens em que o relato é muito ténue e dícticos de presente coincidem com imperfeito. Esta dualidade não pode ser negada. E o corpus que analisei confirma-a. Creio que os estudiosos que se ocuparam do DIL não se aperceberam de que havia uma dupla realidade debaixo da mesma etiqueta.

A existência desta dupla realidade explicaria também, em minha opinião, por que razão um grupo de linguistas se obstina em considerar o DIL mais próximo da narração, mais distante do discurso e da comunicação, mais chegado ao Dl, sublinhando as características enunciativas que permitem esta aproximação (tempos verbais, uso dos pronomes) e outro grupo teima em encontrar, no DIL, marcas típicas de

6 0 Authier, no célebre texto da revista DRLAV n° 17, embora não seja tão radical, aproxima-se da posição da linguista norteamericana: «Le DIL est une parole qui est "reconnue" comme parole rapportée: les mécanismes discursifs qui sont à l'oeuvre dans cette reconnaissance interdisent tout autant de ranger le DIL avec le DD et le DI dans les formes grammaticales du DR, que de le rejeter dans le non-linguistique.» (Authier, 1978: 85). Como se viu já, o facto de Authier considerar DIL formas de heterodiscursividade que é difícil colocar debaixo dessa designação pode explicar esta sua relutância em "arrumar" o DIL nas formas gramaticais do discurso relatado. Por outro lado, há ocorrências que parecem DIL e não são relato de discurso.

DD, realçando os traços comuns a estes dois modos de relato, insistindo no efeito coloquial do fenómeno.

Talvez esta tenha sido uma contenda teórica necessária. Fludernik, embora refute muitas das conclusões de Banfield, dispensa à argumentação desta linguista largo espaço e refere a grande quantidade de trabalhos que surgiram por reacção à publicação dos seus estudos (nomeadamente de

Unspeakable Sentences), como prova do carácter revolucionário (ainda

quando é discutível) do pensamento de Banfield sobre a matéria.

Ora foi, justamente, ao verificar, no corpus, que ambas as linguistas tinham razão, que notei as diferenças entre dois 'tipos' de DIL referidos, sendo-me impossível aceitar, para um deles, a designação DIL, já que não há quase relato, nas ocorrências deste 'tipo'. Interessa-me, sobretudo, o DIL mais frequente, encadeado em réplicas de DD (de Dl ou até também de DIL), claramente assumido como relato de palavras.

Dos traços que Banfield diz serem incompatíveis com DIL, muitos deles estão presentes, com bastante frequência, neste DIL. De facto, é claramente maioritário, em Eça de Queirós61, o DIL que relata palavras,

em contexto de conversa e alternando com Dl e, sobretudo, com DD. Neste DIL, há interpelações directas, há advérbios de frase que remetem para a relação entre locutor e interlocutor da enunciação citada, o alocutário dessa enunciação está presente (embora, logicamente, sob a forma de terceira pessoa e não de segunda) e existe imperfeito verbal contemporâneo do

agora. Das marcas referidas por Banfield como inexistentes em DIL, só não

encontrei indicações de pronúncia62.

6 1 Como referirei, não é apenas em Eça que o DIL, que relata palavras, é mais frequente. No corpus que estudei, esse DIL é sempre mais abundante do que quer aquele que representa pensamentos, quer as sequências narrativas que transmitem a subjectividade de um 'empty centre'. Veja-se, por exemplo, Mau Tempo no Canal, em que o DIL que cita palavras é preponderante, apesar de o romance ter sido escrito depois das obras-primas de finais do século XIX e início do século XX de que Nemésio era um profundo conhecedor.

6 2 As indicações de pronúncia recenseadas em Os Maias referem-se a duas personagens secundárias, melhor dizendo, dois figurantes que falam muito pontualmente e sempre em

No DIL, portanto, a função comunicativa está presente, temos uma

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