• Nenhum resultado encontrado

Caracterização geral do conhecimento e uso de recursos vegetais.

CAPÍTULO 3: Influências externas sobre o uso de plantas em três comunidades caiçaras do litoral de São Paulo: turismo, urbanização e legislação ambiental.

3.4.1. Caracterização geral do conhecimento e uso de recursos vegetais.

As populações da Praia do Bonete, Barra do Una e Praia do Una citaram plantas utilizadas na alimentação, para fins medicinais, para a construção de instalações e canoas, para a confecção de manufaturas e madeiras empregadas como lenha. Estas plantas são encontradas em quintais, roças ou ambientes de vegetação natural e incluem espécies introduzidas e nativas da Mata Atlântica, podendo ser cultivadas. Nas três comunidades, parte dos vegetais consumidos na alimentação é comprada principalmente nas cidades de São Sebastião, Ilhabela, Peruíbe e Iguape.

Os resultados apresentados aqui expressam o conhecimento dessas populações, uma vez que acredita-se que parte deste conjunto de plantas não seja utilizada na atualidade, como por exemplo, parte do conjunto de madeiras citadas para a construção de casas e canoas.

O número de entrevistados, plantas e citações de plantas é maior na Barra do Una (Figura 3.1). Na Praia do Una, embora o número de entrevistados seja o menor das três comunidades, foram citadas mais plantas comparado à Praia do Bonete. Em média, citaram-se 3,5 plantas por entrevistado na Barra do Una; 3,8 plantas por entrevistado no Bonete, e 8,8 plantas por entrevistado na Praia do Una. A relação completa de espécies, famílias botânicas e usos das plantas citadas na Praia do Bonete, Barra do Una e Praia do Una encontra-se nos Anexos 2, 3 e 4.

Entre as 149 plantas citadas na Praia do Bonete, foram identificadas 121 espécies de 57 famílias botânicas. Na Barra do Una, foram identificadas 190 espécies, pertencentes a 63 famílias, e na Praia do Una, 185 espécies foram identificadas, representando 63 famílias (Tabela 3.1). Myrtaceae é a família mais representativa em número de espécies nas três comunidades, seguida de Asteraceae no Bonete e Lamiaceae, na Barra do Una e na Praia do Una.

Figura 3.1. Número de plantas (etnoespécies) citadas e citações de uso na Praia do Bonete, Barra do Una e Praia do Una.

Entre as famílias com 5 espécies ou mais, Myrtaceae, Asteraceae, Lamiaceae e Poaceae estão representadas nas três comunidades (Tabela 3.1). A família Moraceae aparece em terceiro lugar em número de espécies citadas no Bonete, representando as figueiras (Ficus sp), citadas para a construção de canoas. As principais famílias botânicas deste estudo (Tabela 3.1) também aparecem entre as mais representativas em diversas outras comunidades caiçaras do litoral norte e sul de São Paulo (Hanazaki et al., 2000; Hanazaki, 2001). As famílias Asteraceae, Lamiaceae, Solanaceae, Myrtaceae, Cucurbitaceae, Fabaceae e Poaceae estão entre as mais representativas neste estudo e na medicina caiçara de São Paulo e Rio de Janeiro (Begossi et al., 2002), onde incluem principalmente espécies introduzidas na Mata Atlântica. Das 86 famílias representadas no conjunto de plantas citadas nas três comunidades, 38 famílias (44%) são comuns às três comunidades e 50 famílias (58%) estão representadas na Barra do Una e Praia do Una.

149 189 177 766 1027 813 0 100 200 300 400 500 600 700 800 900 1000 1100

Bonete (n = 39) Barra do Una (n = 54) Praia do Una (n = 20) plantas

Tabela 3.1. Principais famílias botânicas (com 5 espécies ou mais) das espécies citadas no Bonete, Barra do Una e Praia do Una.

Famílias Bonete Barra do Una Praia do Una

Myrtaceae 9 17 23 Lamiaceae 6 13 12 Asteraceae 8 11 11 Poaceae 5 9 7 Arecaceae -24 6 9 Solanaceae 6 8 - Moraceae 8 - 5 Rutaceae - 7 7 Euphorbiaceae 6 - 5 Mimosaceae 6 - 5 Dioscoreaceae - 6 - Annonaceae 5 - - Cucurbitaceae - 5 - Fabaceae 5 - - Lauraceae 5 - - Rosaceae - 5 - Verbenaceae - - 5 Zingiberaceae - 5 - Total de famílias 57 63 63

As espécies nativas da Mata Atlântica representam a maioria das espécies vegetais citadas no Bonete e na Praia do Una, e incluem 42% das espécies citadas na Barra do Una (Tabela 3.2). Hanazaki et al. (2000) registram a proporção de 51% de espécies nativas citadas na Ponta do Almada e Praia do Camburi, no litoral norte de São Paulo. E em duas comunidades caiçaras localizadas nos municípios de Iguape e

24

Cananéia, litoral sul de São Paulo, as espécies nativas representam 63% das plantas úteis citadas por 16 pessoas reconhecidas como especialistas em plantas (Hanazaki, 2001). Nessas comunidades, assim como no Bonete, Barra do Una e Praia do Una, as espécies nativas incluem principalmente plantas citadas para construção e confecção de manufaturas, plantas com frutos comestíveis, coletados na mata ou nos quintais, e muitas plantas medicinais. No Bonete, a grande contribuição de espécies nativas relaciona-se às madeiras utilizadas para a construção de canoas. Destaca-se na Barra e na Praia do Una, a utilização de espécies nativas, como timbopeva (Asplundia

polymera (Hand.-Mazz.) Harl.) e a caxeta (Tabebuia cassinoides (Lam.) A.P. DC), empregados na confecção de cestos, utensílios de cozinha e outras manufaturas.

Tabela 3.2. Porcentagem de espécies nativas da Mata Atlântica, introduzidas e invasoras no conjunto total de plantas citadas na Praia do Bonete (S = 121), Barra do Una (S = 190) e Praia do Una (S = 185).

Bonete Barra do Una Praia do Una

espécies nativas 54% 42% 52%

espécies introduzidas 28% 40% 33%

espécies nativas e invasoras 8% 8% 7%

espécies introduzidas e invasoras 1% 1% 2%

espécies sem identificação 9% 8% 6%

Entre os frutos nativos citados nas três comunidades estão bacupari (Garcinia

gardneriana (Planch. & Triana) DC. Zappi), brejaúva (Astrocaryum aculeatissimum (Schott) Bur.) e ingá (Inga sp). Representando espécies nativas na Barra do Una e Praia do Una, estão os frutos do cambucá (Calycorectes pohlianus (O. Berg) Benth.), araçá (Psidium australe Camb. e Psidium cattleianum Sabine), cambuci (Eugenia

langsdorffii O. Berg), indaiá (Attalea dubia (Mart.) Burret), uvaia (Eugenia sp) e vapurunga (Marlierea tomentosa Camb.).

As porcentagens expressivas de espécies exóticas na Barra do Una e Praia do Una revelam a riqueza dos quintais (Tabela 3.2). Espécies nativas e introduzidas, importantes na alimentação e na medicina local são cultivadas nos quintais, como banana (Musa X paradisiaca L.), limão (Citrus aurantifolia (Christm.) Swingle e

Citrus aurantifolia (Christm.) Swingle X reticulata Blanco), maracujá (Passiflora

edulis Sims.), mamão (Carica papaya L.), mandioca (Manihot esculenta Crantz), batata doce (Ipomoea batatas L.), manjericão (Ocimum campechianum Willd.), erva cidreira (Lippia alba (Mill.) N. E. Br.), hortelã (Mentha x piperita L.) e capim cidrão (Cymbopogon citratus DC. Stapf.).

As porcentagens de espécies invasoras citadas no Bonete, Barra do Una e Praia do Una são semelhantes (Tabela 3.2) e representam principalmente plantas utilizadas para fins medicinais (veja figura 2.5, capítulo 2), como as espécies de tançagem (Plantago major L. e Plantago australis Lam.), usadas pelas três populações, e cambará branco (Vernonia scorpioides (Lam.) Pers.) utilizado na Praia do Una. Entre as espécies invasoras estão também o coentro do mato (Eryngium

foetida L.), usado como tempero nas três comunidades, e amora de cobra (Rubus

rosaefolius Smith), cujo fruto é bastante consumido na Barra do Una.

Na Praia do Bonete, as plantas que servem como alimento representam a maior categoria de uso, com 42% do conjunto total de plantas, seguida das plantas medicinais com um terço de todas as plantas citadas (Figura 3.2). Na Barra do Una e Praia do Una cerca de metade das plantas citadas têm utilidade medicinal (Figuras 3.3 e 3.4). Nessas comunidades, a categoria de alimentação aparece em seguida com 51% de todas as plantas na Barra do Una e 46%, na Praia do Una. Mais uma vez, as madeiras usadas na construção de canoas se destacam no Bonete, representando cerca de um quarto do seu conjunto etnobotânico (Figura 3.2).

Figura 3.2. Contribuição, em porcentagem, do número de plantas citadas em cada categoria de uso (Alimentação, Plantas Medicinais, Canoas, Lenha, Construção e Manufatura), na Praia do Bonete (Stotal=149).

Figura 3.3.Contribuição, em porcentagem, do número de plantas citadas em cada categoria de uso (Alimentação, Plantas Medicinais, Construção e Manufatura), na Barra do Una (Stotal=189).

Bonete 42% 33% 26% 18% 16% 1% 0% 10% 20% 30% 40% 50% categorias de uso po rc en ta ge m d e et no es pé ci es

Alimentação Plantas Medicinais Canoas Lenha Construção Manufatura

Barra do Una 51% 56% 13% 8% 0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% categorias de uso nú m er o de e tn oe sp éc ie s

Figura 3.4. Contribuição, em porcentagem, do número de plantas citadas em cada categoria de uso (Alimentação, Plantas Medicinais, Lenha, Construção e Manufatura), na Praia do Una (Stotal=177).

Begossi (1996), Figueiredo et al. (1997) e Begossi et al. (2002) sugerem que a resistência a tratamentos pela medicina convencional, com drogas industrializadas, pelos caiçaras mais velhos, além do custo dessas drogas e a dificuldade de acesso a postos de saúde e hospitais nas cidades favorecem a diversidade de plantas medicinais utilizadas nas comunidades de pescadores caiçaras. Mas, na Barra do Una, comunidade com maior facilidade de acesso a postos de saúde e hospitais, as plantas medicinais representam praticamente metade de todas as plantas citadas, indicando a importância que este recurso ainda tem para o tratamento de doenças. Na África do Sul, estima-se que cerca de 13 milhões de pessoas procuram por curadores tradicionais a cada ano, e a urbanização não limita o uso de medicinas tradicionais (Williams et al., 2005).

A composição da dieta de uma população mostra, entre outros aspectos, o grau de dependência sobre recursos naturais locais e adquiridos externamente ou comprados, bem como a inclusão de hábitos urbanos na alimentação (Hanazaki e Begossi, 2004). A perda de auto-suficiência na produção local de alimentos vegetais pode ser constatada em diversas comunidades caiçaras através da substituição de atividades agrícolas pela dedicação à pesca e economia gerada pelo turismo (Begossi

Praia do Una 46% 51% 8% 19% 8% 0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% categorias de uso po rc en ta ge m d e et no es pé ci es

et al., 1993; Hanazaki e Begossi, 2000) e também pela redução da diversidade agrícola das roças caiçaras (Peroni e Hanazaki, 2002). A categoria de plantas usadas na alimentação é a mais representativa no Bonete, com 42% do total de plantas e a segunda categoria mais representativa nas comunidades da Juréia, com 51% do total de plantas na Barra do Una e 46%, na Praia do Una (Figuras 3.2, 3.3 e 3.4), expressando a importância dos alimentos produzidos localmente.