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CAPÍTULO 3: Influências externas sobre o uso de plantas em três comunidades caiçaras do litoral de São Paulo: turismo, urbanização e legislação ambiental.

3.5. Discussão e Considerações Finais

A diversidade de plantas citadas no Bonete é menor que a diversidade citada nas comunidades da Juréia, em plantas para alimentação, medicinais, cultivadas e provenientes da vegetação nativa. Na categoria de uso de plantas para alimentação, a Praia do Una apresentou menor resultado em riqueza de plantas em relação à Barra do Una, mas é mais diversificada, de acordo com o índice de Shannon-Wiener, o que indica maior homogeneidade na distribuição do conhecimento (Tabela 3.4. e Figura 3.8).

Considerando as plantas medicinais, a Praia do Una apresenta conhecimento mais diversificado do que a Barra do Una, medido pelo índice de Shannon-Wiener, embora as curvas de rarefação não indiquem diferença de riqueza entre essas comunidades. Mais uma vez, isso indica que na Praia do Una, o conhecimento está mais homogeneamente distribuído na população (Tabela 3.5 e Figura 3.9).

A diversidade de plantas provenientes da vegetação nativa é diferente nas três comunidades, sendo maior na Praia do Una. Enquanto as plantas usadas na construção de canoas e instalações se destacam no Bonete, nas comunidades da Juréia, são as plantas medicinais e para alimentação que se destacam neste conjunto de plantas (Tabela 3.6 e Figura 3.10).

Em relação às plantas cultivadas, a Barra do Una é mais rica que a Praia do Una e não há diferença entre os valores dos índices de Shannon-Wiener para essas duas comunidades, mostrando a riqueza e importância dos quintais da Barra do Una (Tabela 3.7 e Figura 3.11).

Portanto, o conhecimento sobre recursos vegetais na Praia do Una é mais rico e homogeneamente distribuído na população em comparação às outras duas comunidades e a Barra do Una encontra-se numa condição intermediária entre o Bonete e a Praia do Una.

O cultivo de roças de mandioca e outras espécies ainda é praticada no Bonete, mas está limitado pela indisponibilidade de terras cultiváveis. Hoje as atividades agrícolas são praticadas em áreas legalmente protegidas e em propriedades particulares de turistas. O fim do acesso a terras cultiváveis na Barra do Una é compensada pela grande riqueza de plantas cultivadas nos seus quintais, enquanto que na Praia do Una, o plantio de roças é controlado por autorizações dadas pela administração da EEJI.

Os turistas que adquiram terras para a construção de casas de veraneio e aqueles que visitam o Bonete criaram demandas para o mercado de serviços de turismo, gerando renda para os moradores locais, deslocando tempo de trabalho da agricultura e pesca para o turismo e diminuindo a dependência sobre os recursos locais. O mesmo vale para a Barra do Una: o turismo, ao gerar renda, diminui a dependência por recursos locais que podem ser obtidos na cidade. Já na Praia do Una, a maior diversidade de plantas usadas indica que o isolamento deste local aumenta a dependência sobre os recursos locais. A impossibilidade de desenvolver atividades rentáveis no local favorece ainda mais esta dependência. Este aspecto diferencia a Praia do Una do Bonete, onde a pesca e o turismo geram renda aos seus moradores. No Bonete, a dependência sobre os recursos locais parece ser menor, mas o seu isolamento impõe certa dependência sobre o sistema medicinal local, contribuindo para a manutenção do uso de plantas medicinais.

A Economia prevê que a mudança da economia de subsistência para a economia de mercado estimula a especialização para maximizar as oportunidades econômicas, podendo afetar as formas de uso e manejo de recursos naturais (Ruiz- Peres et al., 2004). Desta maneira, as atividades econômicas relacionadas ao turismo representam uma diminuição na variedade de atividades econômicas mantidas pelos caiçaras (Begossi, 1999). Hanazaki & Begossi (2000) constataram, no litoral norte de

São Paulo, que o aumento das atividades turísticas como fonte de renda para os caiçaras, a redução da dependência sobre a pesca e a facilidade de acesso aos centros urbanos aumentam a dependência por recursos adquiridos nas cidades. Para estas autoras, o abandono de atividades historicamente relacionadas a auto-suficiência, como a agricultura e a pesca, está associado ao enfraquecimento de instituições locais relacionadas a todo um conjunto de conhecimentos sobre o ambiente (Hanazaki & Begossi, 2004).

É preciso saber como a população local percebe o turismo e a relação desta atividade com o meio natural e com suas atividades de subsistência. O ecoturismo é geralmente considerado uma solução para aliar o desenvolvimento econômico local e regional à conservação de recursos naturais, mas esta generalização pode afetar a sobrevivência de populações rurais e o acesso a recursos naturais (Benson e Clifton, 2004; Castro, 2004). As características locais do Bonete são uma oportunidade para o desenvolvimento do turismo sustentável e participativo. A dificuldade de acesso ao local é um aspecto favorável e que pode ajudar no controle e no planejamento do turismo no local.

A alta diversidade do conhecimento sobre plantas, na Praia do Una, é um indicativo de conservação da transmissão do conhecimento e mostra a correspondência entre fatores exógenos, como o isolamento e as restrições econômicas e as estratégias locais de utilização de recursos naturais. As plantas mais importantes citadas na Praia do Una estão nos quintais e toda a farinha de mandioca consumida no local é produzida pelas famílias da comunidade, o que enfatiza a dependência existente sobre os recursos locais.

A Praia do Una vem passando por um processo de migração considerável (Sanches, 2004a) que pode acabar no completo esvaziamento populacional desta área. Não se sabe qual é a chance deste conhecimento sobreviver ou mesmo se transformar nas periferias das cidades e após a morte dos mais velhos que ainda resistem na Praia do Una. O estudo realizado por Nesheim et al. (2006), sobre as mudanças do conhecimento etnobotânico de populações maias da Guatemala, com históricos de migrações para diferentes ambientes, mostra que, apesar das mudanças no sistema de

conhecimento e nas formas de transmissão, a transmissão do conhecimento se mantém desde que haja uma base de recursos naturais e a necessidade econômica de uso desses recursos. As plantas medicinais destacam-se na manutenção do conhecimento nos processos migratórios porque são levadas de um lugar a outro e plantadas nos quintais. As grandes forças influenciadoras de mudanças do conhecimento dessas populações maias são ambientais, sociais e econômicas. Begossi (2006) propõe que o intercâmbio cultural dado pelas migrações locais de populações caiçaras, de uma comunidade a outra, pode representar uma fonte de variação e diversidade culturais, mas não se sabe exatamente como as restrições impostas pelas Unidades de Conservação no litoral de São Paulo afetam a capacidade de reorganização das comunidades caiçaras e se elas podem perder sua capacidade de interagir com os recursos da floresta. Esta autora sugere a análise das migrações a partir de conceitos e modelos ecológicos usados para estudar metapopulações, a fim de entender a coevolução histórica das populações caiçaras com seu ambiente.

A diferença de diversidade entre a Praia do Una e a Barra do Una pode ser um indicativo de perda ou transformação do conhecimento. A menor homogeneidade na distribuição do conhecimento na população da Barra do Una pode indicar: existência de especialistas que conhecem mais sobre determinados grupos de plantas, perda de conhecimento ou algumas pessoas que contribuem para novos conhecimentos e que citaram muitas plantas, como plantas cultivadas em quintais.

Os sistemas de conhecimento de uma população se desenvolvem em longos períodos de tempo e as práticas de uso e manejo de recursos necessitam ainda de mais tempo. O aprendizado e a adaptação de uma população geralmente ocorrem após a percepção de exaustão de um recurso e ela depende de sua capacidade de reorganização para desenvolver práticas de manejo orientadas para a conservação (Berkes e Turner, 2006). Vale dizer que a diversidade dos quintais da Barra do Una pode ser o resultado de um processo de reorganização voltado para o uso e manejo de recursos locais, após a restrição de acesso a terras cultiváveis.

Considerando que o conhecimento sobre recursos vegetais nas três comunidades se diferencia, bem como as atividades de subsistência e as atividades

rentáveis, é possível afirmar que essas diferenças são resultantes de diferentes respostas locais de estratégias de utilização de recursos a fatores exógenos similares (Hanazaki et al., 2007).

Entre comunidades de índios Mapuche, na Argentina, em média, o número de plantas comestíveis conhecidas por pessoa é maior do que a riqueza de espécies efetivamente consumida (Ladio e Lozada, 2003). Em estudo sobre o valor cultural, prático e econômico das plantas utilizadas pelos índios Tsimane, da Amazônia boliviana, Reyes-Garcia et al. (2006) observam que para a maioria das categorias de uso (Alimentação, Plantas Medicinais, Lenha, Construção de Casas e Confecção de Ferramentas e Utensílios), a proporção de usos citados nas entrevistadas de listagem livre (Martin, 1995) é maior do que os usos observados, por exemplo, citam-se mais plantas com fins medicinais do que o número de plantas efetivamente usadas para esta finalidade durante o período de observação. O oposto foi verificado nas categorias de alimentação e lenha: a proporção de espécies usadas durante o período do estudo foi maior do que a proporção de espécies citadas nas entrevistas (Reyes- Garcia et al., 2006). Alguns autores chamam a atenção para o uso de métodos de coleta e análise de dados que mostrem as diferenças entre conhecimento e uso efetivo e atual, uma vez que o depoimento de uso de um informante não necessariamente corresponde ao uso atual e efetivo de um recurso, por ele ou pela população estudada (Shanley e Rosa, 2004; Ladio e Lozada, 2003; Reyes-Garcia et al., 2006). Shanley e Rosa (2004) argumentam que as transformações e perdas de conhecimento etnobotânico, consequentes de mudanças sócio-econômicas e ambientais, podem ser reveladas na diferenciação e separação entre conhecimento de plantas e uso de recursos vegetais observado no cotidiano de uma população. Para finalizar, este estudo abre caminho e aponta a necessidade de estudos que caracterizem, diferenciem e quantifiquem o conhecimento e uso efetivo e atual de recursos vegetais pelas comunidades caiçaras.