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Caracterização geral da Turma

CAPÍTULO 3. PEDAGOGIA DA TERRA NA UFSCAR: CONTEXTO HISTÓRICO E

3.1. Caracterização geral da Turma

O vestibular para ingresso no curso foi realizado no ano de 2007, 61 estudantes realizaram a prova, desses, 58 ingressaram, sendo 47 mulheres e 11 homens. Em dezembro de 2011 quarenta e um alunos concluíram o curso. Ao longo do curso, houve 17 desistências também por motivos diversos, a maioria justificou a saída do curso por não ter se identificado com a Pedagogia, outros tiveram dificuldade de se adaptar à rotina intensa de trabalho em alternância e alguns relataram problemas de saúde ou na família, que impedia o

acompanhamento do curso.

A turma que se formou apresentava grande diversidade, por serem de lugares diferentes e com histórias distintas, que tiveram a luta pela terra como marca comum nas suas trajetórias. Descreveremos quem são os educandos que concluíram o curso a partir de algumas informações abaixo, a fim de caracterizar a turma. As tabelas foram elaboradas com base em pesquisas realizadas nos documentos catalogados pela equipe de memória da turma e arquivos digitais disponibilizados pela secretaria do curso.

A turma que concluiu o curso era composta por 4 homens e 37 mulheres, sendo que 7 dos desistentes eram homens. A predominância feminina reforça a tendência de cumprimento do papel de gênero5, uma vez que ações relacionadas à educação e dimensão pedagógica tendem a ser destinadas às mulheres, devido à concepção socialmente construída de que elas executam melhor as tarefas de cuidado e proteção.

Além disso, podemos observar outro fato, embora as mulheres camponesas tenham um nível de escolaridade mais baixo que o dos homens e apresentem taxas de analfabetismo mais elevada, tem-se observado que, no Brasil, a escolarização da população feminina tem aumentado e, atualmente, elas já apresentam índices de instrução superiores ao dos homens. Portanto, podemos concluir que esse dado acompanha a tendência nacional de aumento da escolarização feminina. Mesmo assim, é importante destacar que a situação das mulheres no mercado de trabalho não tem se transformado muito, já que as mulheres continuam ocupando cargos subalternos e recebendo menores salários se comparados aos homens na mesma função.

De qualquer forma, a elevação do nível de escolarização e qualificação das educandas da Turma Helenira Resende pode contribuir para que essa diferença nas relações seja superada, visto que essas pedagogas se apropriaram de recursos e se instrumentalizaram para exercer uma vida pública e garantir uma atuação política, seja no assentamento, nas escolas, no Movimento Social e em outros espaços.

Os quatro Movimentos Sociais do campo que construíram o curso participaram do processo de formas diferentes. Podemos observar na Tabela 1 a distribuição da turma no que se refere ao número de educando de cada Movimento Social. Com a finalidade de precisar a origem dos dados, é importante informar que todas as tabelas foram elaboradas a partir de

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Papel de gênero são as atribuições socialmente prescritas para as mulheres e para os homens. Nesse sentido, nota-se que as tarefas que envolvem o cuidado com o outro – relacionado à educação, saúde – costumam ser caracterizadas como atividades femininas, enquanto as funções de provimento, de produção tendem a ser compreendidas como masculinas.

fontes fornecidas pela secretaria do curso de arquivos e documentos organizados durante a execução do projeto.

Tabela 1: Distribuição dos educandos indicados por cada Movimento Social que compunha o

curso.

FAF FERAESP MST OMAQUESP

2 10 17 12

Fonte: Documentos da secretaria do curso

A predominância de alunos vindos do MST se deve ao fato desse ter sido o Movimento que conseguiu mobilizar mais estudantes para o curso, em decorrência da sua base assentada maior. Grande parte das educandas indicados pela OMAQUESP estavam envolvidas com o desenvolvimento do projeto de EJA em seus assentamentos, em parceria com o PRONERA e a Universidade Metodista – UNIMEP/Piracicaba. Avaliamos que a vinculação do curso de Pedagogia da Terra ao projeto de EJA pode ter motivado as educadoras a estudar e aprofundar seus conhecimentos, justificando o fato da OMAQUESP ter doze pedagogos formados.

Outro fator que parece ter interferido nessa questão é que a coordenação do curso, por parte dos Movimentos Sociais, ser conduzida por militantes do MST e da OMAQUESP. Esse acompanhamento mais sistemático de todo o processo do curso pode ter diminuído as desistências e incentivado a dedicação dos educandos desses Movimentos.

A FERAESP teve o terceiro maior número de pedagogos formados, sendo que a maioria das suas indicações foi de assentamentos próximos a São Carlos, o que pode ter facilitado o deslocamento e acompanhamento do grupo. A FAF teve apenas duas educandas formadas, visto que havia indicado sete pessoas para cursar a Pedagogia da Terra e seis estudantes desse Movimento iniciaram o curso, mas evadiram por razões destacadas anteriormente.

Essa diversidade de Movimentos na composição da turma permitiu uma convivência rica e formativa para os educandos, Movimentos Sociais e Universidade, já que as diferenças e pontos em comum possibilitaram uma maior compreensão da complexidade da questão agrária do Estado de São Paulo. Por outro lado, essa relação se deu de forma dialética, em que os conflitos decorrentes da natureza organizativa de cada Movimento, caracterizaram vários momentos da Turma e foi a partir das contradições que se pode avançar no processo de condução do curso.

(27) tinham entre 20 e 29 anos de idade no momento da formatura; dez educandos tinham de 30 a 39 anos de idade e quatro pessoas tinham mais de 40 anos. Tais dados podem ser observados na Tabela 2.

Tabela 2: Distribuição dos educandos nas faixas etárias no período da formatura. De 20 a 29 anos de idade De 30 a 39 anos de idade De 40 a 49 anos de idade 50 anos de idade ou mais 27 10 2 2

Fonte: Documentos da secretaria do curso

A educanda mais nova tinha 21 anos de idade e a mais velha 58 no período da formatura. Essas informações nos indicam que o perfil da Turma Helenira Resende era jovem, uma vez que a maioria era composta por filhos de assentados, o que trouxe certo dinamismo a sua organização. Outra característica decorrente disso é o fato de que grande parte dos educandos estava se inserindo politicamente nos Movimentos Sociais a partir do ingresso na Universidade.

Com base no critério adotado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, notamos que, no que se refere a cor/ raça dos educandos de Pedagogia da Terra da UFSCar, a maioria era parda, seguida pelas pessoas da cor preta e brancas, conforme a Tabela 3, mostrada mais adiante. Na turma não foi identificado nenhum indígena ou da cor amarela.

Esses dados refletem a tendência os índices gerais da população assentada no Estado de São Paulo, que em sua maioria são pretos e pardos, já que o processo de concentração fundiária sempre vitimou os negros e sua descendência, devido ao histórico escravista, que limitou o acesso à propriedade da terra a quem tinha dinheiro para adquiri-la.

Tabela 3: Distribuição dos educandos de acordo com sua cor e raça.

Branca Parda Preta Indígena Amarela

14 18 9 0 0

Fonte: Documentos da secretaria do curso

Pudemos identificar também que a grande maioria da turma (32 educandos) é originária do Sudeste, tendo sete estudantes do Nordeste, dois do Sul e uma do Norte do Brasil, dados sistematizados na Tabela 4.

Tabela 4: Distribuição dos educandos conforme região de origem.

Nordeste Norte Sudeste Sul Centro-Oeste

7 1 31 2 0

Apesar de a predominância ser da região Sudeste, notamos que uma parcela considerável da turma foi marcada por intensas trajetórias migratórias, que caracteriza a população camponesa no Brasil, sendo que muitos educandos são filhos de pais nordestinos, outros migraram para o Sul e Centro-Oeste, expulsos de seus locais de origem, em decorrência de processos de expropriação, exploração e da luta pela reforma agrária.

Estas andanças e vivências trazem uma riqueza cultural à turma, mas também a marca com o desenraizamento, refletindo na perda de referências e sentimento de pertencimento a um local. Por outro lado, estudos mostram que a inserção a um Movimento Social pode representar uma forma de “reenraizamento”. A oportunidade de atuar em um Movimento Social, de estudar e se formar em um curso superior pode oferecer a oportunidade de um maior enraizamento, da criação de novos vínculos culturais.

Além disso, verificamos que a turma morava em diversos assentamentos do Estado de São Paulo, resultado desse processo de luta empreendida pelos educandos ou por seus pais. A lista de cidades que os educandos moravam no período de conclusão do curso e a quantidade de estudantes em cada uma delas pode ser observada na Tabela 5.

Tabela 5: Relação dos assentamentos e municípios que os educandos residiam em novembro

de 2011 e distribuição em cada um deles.

Assentamento Município Número de educandos Timboré Andradina 1 Bela Vista do Chibarro Araraquara 6 Araras III Araras 1

Aimoré Bauru 1

Reage Brasil Bebedouro 2 Elisabeth Teixeira Limeira 1 Formiga Colômbia 2 José Hamilton Guaraçaí 1 Escola Nacional

Florestan Fernandes

Guararema 1 Loiva Lurdes Iaras 2 Agrovila V e VII Itaberá 2 Agrovila I, II e III Itapeva 3 Córrego Rico Jaboticabal 2 Sete Barras Matão 1 Horto Vergel Mogi Mirim 1 Monte Alegre Motuca 1 Comunidade Agrária 21

de dezembro

Descalvado 1 Horto de Ibitiúva Pitangueiras 1 Horto Guarani Pradópolis 3 Santa Helena São Carlos 1 Irmã Alberta São Paulo 3 Sepé Tiarajú Serra Azul 1 Horto Bela Vista Iperó 1

Rodeio Teodoro Sampaio

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Fonte: Documentos da secretaria do curso

Com base nesses dados, notamos que a turma era distribuída em quase todas as regiões do Estado de São Paulo, o que permitiu que se compartilhassem muitos elementos da realidade da reforma agrária realizada no Estado. Dessa forma, era possível identificar as convergências e diferenças dos assentamentos paulistas e perceber que muitos dos problemas enfrentados eram comuns a muitas áreas. Outro fator analisado foi o estado civil dos educandos da turma ao final do curso, que pode ser observado na Tabela 6.

Tabela 6: Relação dos educandos por estado civil

Solteiro Casado Divorciado Viúvo

22 16 03 0

Fonte: Documentos da secretaria do curso

Percebemos que a maioria da turma era solteira, totalizando 22 educandos, provavelmente, em decorrência da pouca idade da maioria, que tinha menos que 30 anos de idade. O número de casados era 16, sendo que consideramos casados todos que viviam com o companheiro, independente de ter formalizado a relação oficialmente ou não. Havia três divorciados e nenhum viúvo. Ainda com relação a essa dimensão pessoal, destacamos o número de filhos que cada educando tinha no período da conclusão do curso. Essas informações estão organizadas na Tabela 7.

Tabela 7: Relação do número de filhos de cada educando.

0 filhos 1 filho 2 filhos 3 filhos ou mais

24 9 6 2

Fonte: Documentos da secretaria do curso

A partir dessas informações, podemos observar que 24 educandos não tinham filhos, nove tinham um, seis tinham dois e dois tinham três ou mais. Das pessoas que tinham filho, apenas uma era do sexo masculino, o restante eram todas mulheres, sendo que algumas educandas ficaram grávidas ao longo do curso. A permanência dessas educandas no curso só foi possível devido à existência da Ciranda Infantil Kiriku6, que garantia um espaço para as crianças de até seis anos de idade, nos períodos de atividades dos pais. Dessa forma, tivemos

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Kiriku é um personagem infantil de uma lenda africana, que retrata a criança de forma diferente pois mesmo sendo muito pequeno vive diversas aventuras enfrentando uma feiticeira, supera vários desafios e salva sua aldeia. Inspirado no filme Kiriku e a feiticeira lançado em 1998 é uma dos principais recursos para a introdução à cultura africana nas escolas.

dezessete crianças que frequentaram a Ciranda, o que também enriqueceu a formação da turma.

Assim, podemos concluir que a Turma Helenira Resende era composta em sua maioria por mulheres, tinha um público jovem, em geral, filhos de assentados, que tiveram a vida em um acampamento, assentamento e a luta pela terra como pontos fundamentais nas histórias de vida. A origem pobre, negra ou parda também é outro ponto em comum, o que parece ter levado grande parte dessas famílias à luta pela reforma agrária e ao curso de Pedagogia da Terra.

Percebemos que os educandos vieram de regiões diferentes do Brasil, apresentando trajetórias distintas, marcadas pela migração e busca por melhores condições de vida. No período da formatura, identificamos que a turma estava distribuída por várias regiões diferentes do Estado de São Paulo. Essas diferenças de origem e de experiências de assentamento variadas trouxe riqueza ao curso, visto que a turma era composta por uma vasta amostra das áreas de reforma agrária paulista e a partir dessa heterogeneidade, a criação de uma identidade em comum. A seguir falaremos um pouco sobre Helenira Rezende, figura que nomeou e identificou a turma do Curso de Pedagogia da Terra pioneiro no Estado de São Paulo.