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Pedagogia da Terra : uma identidade criada pelos educadores do campo

CAPÍTULO 2. EDUCAÇÃO NO MST: PILARES DAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS

2.5. Pedagogia da Terra : uma identidade criada pelos educadores do campo

O curso de Pedagogia da Terra, enquanto experiência, é fruto de um momento da luta e elemento constituinte da criação de identidade, é uma conquista que faz parte do processo de formação de professores para as escolas de assentamento e coordenadores dos coletivos de educação do MST, tendo sua origem nos cursos de magistério. Assim como os anteriores, também são organizados com base na Pedagogia da Alternância com etapas que acontecem na universidade, geralmente, entre janeiro/ março e junho/agosto, e os demais meses do ano são destinados à realização dos trabalhos, estágios, pesquisas e atuação junto as escolas e comunidades. Há algumas exceções, cujas etapas ocorrem em outro período, durante o ano letivo da Universidade para que seja possível a convivência entre a turma e os estudantes dos cursos regulares, porém, não são muitas, considerando que a nível nacional, grande parte dos membros das turmas já são professores ou coordenadores de escolas de acampamentos ou assentamentos.

Desde as primeiras turmas foi estabelecida uma organização interna baseada na organicidade do MST, ou seja, para garantir o tempo necessário para o estudo e as atividades cotidianas, teriam que dividir tarefas e responsabilidades, se distribuindo em núcleos de base, os quais tinham um coordenador e uma coordenadora e os setores de trabalho que organizavam a comunicação interna, a saúde, atividades culturais e místicas, as finanças, o esporte e lazer, a biblioteca, a secretaria e memória, a infraestrutura, como podemos ver em Witcel et. al. (2002, p.11) numa reflexão do coletivo sobre a organicidade:

Nossa organicidade nos trouxe três lições importantes: a) importância de redimensionarmos a utilidade e aproveitamento do tempo: tínhamos o tempo para o trabalho de sobrevivência e sobrava um bom tempo para os estudos; b) aprendemos que a questão da organicidade interna está intimamente ligada ao desenvolvimento do ambiente educativo e da intencionalidade pedagógica. Uma das maiores preocupações no decorrer do curso era de

seguir as linhas orgânicas do MST; c) o coletivo assimilou com o passar das etapas que era preciso ter uma organicidade interna para atingirmos os objetivos do curso, construindo um guia para nossas ações posturas, sintetizado no Regimento Interno da Turma.

Em relação ao desenvolvimento do ambiente educativo e da intencionalidade pedagógica para as Cirandas Infantis, que em todos os cursos sempre se colocou como uma demanda importante, a implementação prática se deu na mesma medida da abstração teórica, gerando grandes debates e construção de um posicionamento coletivo para cada experiência.

A primeira turma de pedagogia para educadores e educadoras do campo teve início nos idos de 1998 a partir de um convênio com a Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ e desde essa primeira experiência a ênfase na estruturação das instâncias de decisão e na organização coletiva se fez necessário, pois em alguns casos a implementação do curso só se concretizou depois de lutas e ocupações das instituições.

Um aspecto construído coletivamente foi a compreensão de que a formação do ser humano não se restringe a sala de aula e aos conteúdos disciplinares, mas que há outras dimensões que precisam ser potencializadas como a vivência em grupo, já que os alojamentos são divididos por todos durante toda a etapa, as visitas, jornadas socialistas e noites culturais, além disso, a mística e a disciplina que se colocam cotidianamente carecem ser ressignificadas também.

Outro ponto em comum dos cursos de Pedagogia da Terra é a tensão: nome oficial do curso nas instâncias da universidade e a identidade coletiva construída nessa relação, Witcel et. al. (2002) salienta os desdobramentos dessa constituição:

Desde a 1ª etapa, através de nossa comissão de Comunicação, começamos a elaborar um pequeno jornal da turma. […] Discutimos sobre o nome do jornal buscando algo que nos identificasse e nos diferenciasse na Universidade. Houve várias sugestões de nomes. A conclusão foi que a distinção entre nós e os outros estudantes era a terra, porque mesmo que a origem de muitos deles fosse o campo, já tinham perdido os laços com a terra. Então o nosso jornal passou a ser chamado de Pedagogia da Terra. O que não sabíamos naquele momento é que esse nome iria ter um papel histórico em nossa turma e se transformar em marca do curso. […] O jornal

Pedagogia da Terra passou a servir como um instrumento de construção da

identidade interna da turma. (WITCEL et. al., 2002, p. 14, grifos dos autores)

Entretanto, para que o resultado de todo esse processo fosse de fato positivo, foi necessário criar alguns instrumentos para garantir a execução dos encaminhamentos, como os pareceres que no Tempo Escola - TE é elaborado pelo núcleo para cada integrante, incluída a

avaliação da coordenação sobre questões como o desempenho nos estudos, organização pessoal e relação com a coletividade e no Tempo Comunidade - TC o responsável do Movimento pelo acompanhamento faz um breve relato de como foi o desenvolvimento em relação às atividades pedagógicas e políticas; o plano de atividade (P.A.) é o planejamento que o estudante faz ao retornar à sua comunidade no início do tempo comunidade, destinando tempo para o estudo, inserção no Movimento, atividades pessoais, trabalho, etc., se consolidando como um mecanismo importante para a organização individual; o acompanhante político é uma figura fundamental para que o tempo escola e o tempo comunidade não se tornem momentos estanques, mas que haja uma relação intrínseca entre esses dois tempos.

A avaliação é um elemento essencial tanto no que diz respeito aos componentes curriculares com as síntese de aprendizado, como da turma a partir da crítica e auto crítica. Para ajudar na composição de ambas as avaliações são elaboradas pelos educandos a reflexão escrita, ao final de cada dia versando sobre os principais acontecimentos e conceitos novos. O trabalho de conclusão de curso - TCC, nesse sentido, parte de uma orientação do Movimento para que seja uma Monografia e não apenas um relatório, artigo ou algo nessa linha, mas que seja uma pesquisa desenvolvida individualmente por cada estudante.

O pressuposto em cada um dos cursos é que todos são protagonistas do processo por isso as decisões não se restringem somente à coordenação e a universidade, a turma como um todo opina, avalia e assim constrói conjuntamente a Proposta Metodológica – Promet de cada etapa partindo da avaliação de cada um de seus componentes. Dessa forma, na relação com a universidade há momentos de contradição sobre o papel que cada um tem assumido historicamente e ao que tem se desafiado à assumir, pois o diferencial da terra não diz respeito apenas às mudanças na base curricular a partir da pedagogia regular, “mas um jeito novo de fazer e de pensar a formação das educadoras e educadores do campo” (CALDART, 2002, p.77). E foi essa perspectiva que permeou o curso de Pedagogia da Terra no Estado de São Paulo, desde as primeiras reuniões, durante seu desenvolvimento e conclusão, experiência que trataremos no terceiro e último capítulo. Na sessão seguinte abordaremos o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária- PRONERA.