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Resumo

A infecção pelo vírus da imunodeficiência humana 2 (VIH-2) é caracterizada por uma progressão mais lenta para doença e por taxas de transmissão mais baixas. As características moleculares directamente envolvidas neste fenótipo in vivo continuam ainda por decifrar, e a importância do VIH-2 como modelo para ajudar a compreender a patogenicidade da infecção HIV, tem sido frequentemente subestimada.

As etapas iniciais do ciclo replicativo vírico envolve a interacção entre as glicoproteínas do invólucro vírico e os receptores celulares: a molécula CD4 e um receptor das quimiocinas, usualmente o CCR5 ou o CXCR4. Apesar da importância destes dois receptores das quimiocinas na entrada do VIH-1 nas células, foi pelo nosso grupo demonstrado que, em certos indivíduos assintomáticos, infectados por VIH-2, podem existir populações virais incapazes de usarem quer o CCR5 quer o CXCR4.

O objectivo dos estudos englobados nesta Parte V foi o de investigar quais as regiões do gene env que poderiam contribuir para o fenótipo apresentado por estes vírus. Da caracterização molecular dos referidos genes, não foi possível detectar nenhuma correlação entre a sequência da região variável 3 (V3) e o fenótipo apresentado. Inversamente, detectaram-se diferenças assinaláveis nas regiões variáveis 1 e 2 (V1/V2) e na região constante 5 (C5) da glicoproteína de superfície, incluindo a perda de um sítio potencial de glicosilação. Além disso, na

glicoproteína transmembranar detectaram-se assinaturas genéticas peculiares no ectodomínio central e na segunda “heptad repeat” (HR2). Algumas destas mutações envolvem resíduos altamente conservados que podem afectar a conformação e/ou dinâmica das glicoproteínas do invólucro vírico, incluindo a associação entre as sub-unidades de superfície e transmembranar e assim afectar a dinâmica da entrada do vírus na célula hospedeira.

Introdução

De acordo com o modelo universalmente aceite, a entrada do VIH na célula hospedeira envolve a interacção específica entre o complexo heterotrimérico das proteínas do invólucro do virião, constituído pelas glicoproteínas de superfície (SU) e transmembranar (TM) e duas proteínas celulares: CD4 e um receptor das quimiocinas (co-receptor).

As alterações conformacionais na glicoproteína SU, induzidas pela ligação SU-CD4, provocam a exposição ou formação do local de ligação ao co-receptor (CoR) nessa glicoproteína vírica. Após a ligação SU-CoR, ocorrem alterações conformacionais subsequentes que expõem a região N-terminal do péptido de fusão (presente na TM), permitindo a sua inserção na membrana da célula hospedeira (20). Os trímeros da TM sofrem alterações conformacionais adicionais onde as regiões N-terminal e C-terminal das “heptad repeats” se juntam formando uma estrutura “coiled-coil” formada por seis hélices emparelhadas (18, 71) Esta estrutura força a aproximação do invólucro vírico e da membrana celular, facilitando a respectiva fusão e a libertação da nucleocápside no citoplasma da célula hospedeira.

Actualmente são conhecidos mais de 20 receptores das quimiocinas que, in vitro, têm demonstrado capacidade para funcionar como CoR do VIH-1, VIH-2 e do vírus da imunodeficiência dos símios (VIS) (16, 65). No entanto, apesar desta vasta gama de possíveis CoR, o CCR5 e o CXCR4 têm sido considerados não só os mais importantes como também os únicos determinantes na patogénese do VIH-1 (65, 75). Estirpes CCR5-dependentes (R5) predominam durante as fases iniciais da infecção por VIH-1 e parecem ter um papel relevante no estabelecimento de uma nova infecção. De facto, vários estudos têm referido que indivíduos homozigóticos

para uma deleção de 32 pares de bases no gene ccr5 (∆32 ccr5), parecem ser resistentes à infecção por VIH-1, enquanto que os heterozigóticos para esta deleção apresentam uma menor taxa de progressão para doença (revisto em (57)). Em fases mais avançadas da infecção e em cerca de 40% dos indivíduos infectados, verifica- se a predominância de uma população vírica utilizadora do CoR CXCR4 simultaneamente com o uso do CCR5 (variantes R5/X4) ou em vez do uso deste último (variantes X4) (6, 7, 66). O aparecimento e predomínio destas variantes está associado a uma depleção mais acentuada dos linfócitos T-CD4+ e uma progressão mais rápida para imunodeficiência e SIDA (10, 21, 22, 58). Face ao exposto, pode-se afirmar que a estrutura das glicoproteínas do invólucro vírico determina os eventos iniciais do ciclo replicativo do VIH-1, a sua transmissão e a patogénese dessa infecção.

Quando comparada com a infecção por VIH-1, a infecção VIH-2 é caracterizada por uma menor virulência e, em geral, está associada com uma menor taxa de progressão para a imunodeficiência (45, 51). No conjunto de diferenças observáveis entre as infecções por VIH-1 e VIH-2, podem ainda incluir-se uma menor virémia plasmática e, consequentemente, uma menor taxa de transmissão sexual e vertical. Um dos factores que pode contribuir para esta menor virulência, é a forma menos eficiente com que o VIH-2 interage com os receptores celulares (3).

Enquanto que no caso do VIH-1 o CCR5 e o CXCR4 constituem-se como os principais CoR, a entrada do VIH-2 na célula é frequentemente caracterizada por um espectro de possibilidades de interacção com os receptores celulares bem mais diversificada (2, 17, 29, 46), incluindo o uso de CoR raramente utilizados pelo VIH-1. Para além disso, algumas estirpes primárias de VIH-2 são capazes de infectar a célula hospedeira através de uma via CD4-independente (4, 56), resultante de uma interacção directa da glicoproteína SU com o CoR. Para qualquer uma destas características, está inerente o envolvimento da estrutura oligomérica das glicoproteínas do invólucro vírico, sugerindo que essa estrutura deverá ser mais flexível no caso do VIH-2 do que no caso do VIH-1. Esta associação reforça a importância de estudos focados nas características moleculares e estruturais do gene env do VIH-2, por forma a permitir um conhecimento mais detalhado das interacções entre o vírus e as células-alvo.

Neste Parte V descreve-se a clonagem e análise da sequência do gene env das duas estirpes de VIH-2 obtidas a partir de dois indivíduos assintomáticos, que não usam os CoR CCR5 e CXCR4 para infectar as células mononucleadas do sangue periférico (CMSP) (2). Desta análise, apresentam-se os resultados que indicam que as sequências primárias de aminoácidos das proteínas do invólucro vírico destes dois vírus apresentam diferenças muito importantes, particularmente nas regiões V1/V2 e C5 da glicoproteína SU. Além destas diferenças, detectaram-se igualmente características únicas na sequência de aminoácidos referentes ao ectodomínio central e à segunda “heptad repeat” da glicoproteína TM. Algumas destas mutações afectam resíduos altamente conservados em todas as sequências disponíveis de outros isolados virais, e podem influenciar de uma forma determinante a conformação e/ou a dinâmica do complexo glicoproteico do invólucro vírico, incluindo a associação entre as sub-unidades SU e TM e os processos moleculares que medeiam a fusão e entrada do VIH na célula hospedeira.