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CARACTERIZAÇÃO QUANTO O ACESSO E USO DO CRÉDITO AGRÍCOLA

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CAPÍTULO IV: ESTRATÉGIAS PRODUTIVAS, DINÂMICAS FAMILIARES E

4. CARACTERIZAÇÃO QUANTO O ACESSO E USO DO CRÉDITO AGRÍCOLA

Passados 10 anos de fundação do Assentamento Ceres e instalação das famílias a modalidade atual de crédito agrícola acessado pelos agricultores-assentados é referente ao

PRONAF, em suas categorias ‘c’ e ‘d’.68 Conforme a entrevista concedida ao pesquisador

pelo Engenheiro Agrônomo do Assentamento, dos agricultores-assentados que utilizam essa fonte de crédito a grande maioria estaria acessando a categoria ‘c’, poucos a categoria ‘d’. Se por alguma eventualidade o agricultor-assentado estiver impedido ou não quiser acessar essa fonte de crédito, poderá lançar mão de outro expediente para realizar a semeadura das culturas produtivas que caracterizam o ambiente regional: fazer dívida em alguma empresa fornecedora de insumos agrícolas do município de Jóia com o compromisso de pagamento na época da colheita. Com efeito, nesse caso adquire-se as sementes e insumos (adubos, venenos, etc.), não havendo margem de manobra para possível investimento desses valores em outras atividades produtivas que não a soja, haja vista o pequeno prazo para se ter retorno dos investimentos e realizar o pagamento. Em não se efetuando o pagamento por problemas de estiagens ou pragas, pois está desprovido de seguro agrícola, pode haver cobrança judicial da dívida, acarretando a perda de pequenos patrimônios (tratores, implementos agrícolas, animais, etc.) em troca do saneamento das obrigações monetárias firmadas; como presenciado pelo autor em duas situações no Assentamento. Enquanto permanecer na condição de devedor o agricultor-assentado fica impossibilitado de acessar o PRONAF (devido figurar nos cadastros de devedores acessados pelo Banco do Brasil), assim como novos “créditos” nas empresas. Dessa situação, ou da opção de não acessar nenhuma fonte de crédito, possibilidades variadas de fins produtivos podem ser dados aos lotes, entre os identificados pelo autor (podendo haver associação entre eles): a prática do arrendamento de parte do lote; corte de gastos e despesas, aumentando o cultivo e criações de autoconsumo – tanto no referente à alimentação familiar quanto aos fatores produtivos intermediários –; intensificação

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Do ano de 1996 até o lançamento do Plano Safra 2007/2008 (para a agricultura familiar) o PRONAF possuía cinco categorias principais de crédito: ‘a’; ‘b’; ‘c’; ‘d’ e ‘e’, onde os agricultores familiares eram agrupados, principalmente, por faixa de renda bruta. Desse modo, no Grupo ‘a’ estavam incluídos, a partir da extinção do PROCERA no ano de 1999, os agricultores-assentados das políticas de assentamento, que podiam acessá-lo por três anos agrícolas, passando, então, a serem incluídos nas categorias ‘c’ e, posteriormente na ‘d’. No grupo ‘a’ os agricultores-assentados podiam financiar até R$ 2.500,00 para custeio de cada safra agrícola (tendo por base as regras para o plano safra 2003/2004) e disponibilizava-se até R$ 13.500,00 para investimentos durante os três anos. No demais Grupos as categorias de crédito também são compostas por linhas de custeio e investimento. .No Grupo ‘b’ do PRONAF estavam incluídos os agricultores familiares e remanescentes de quilombos, trabalhadores rurais e indígenas com renda anual de até R$ 2.000,00. No Grupo ‘c’ estavam incluídos os agricultores familiares com renda bruta anual entre R$ 2.000,00 e R$ 14.000,00. No Grupo ‘d’ os agricultores familiares com renda bruta anual entre R$ 14.000,00 e R$ 40.000,00. No Grupo ‘e’ os agricultores com renda bruta anual entre R$ 40.000,00 e 60.000,00 (Schneider; Mattei; Cazella, 2004).

da jornada de trabalho; e a decisão de aumentar o comércio de produtos antes utilizados basicamente para o autoconsumo familiar.

De uma forma geral, a sistematização dos dados do questionário socioeconômico indica que apenas 44 agricultores-assentados (41,5% do total de agricultores-assentados) responderam ter acessado crédito oriundo das linhas de financiamento do PRONAF no ano agrícola de 2005/2006. Destes, 11 compunham o sistema produtivo diversificado, 21 o sistema produtivo soja-leite e 12 o sistema produtivo soja; 64,7%, 50% e 25,5% dos agricultores-assentados em cada sistema produtivo, respectivamente. Disso resulta não ser possível o estabelecimento de relações diretas entre o acesso do crédito agrícola e o sistema produtivo desenvolvido, por mais que o maior número proporcional de agricultores- assentados que não acessaram se encontre no sistema produtivo soja. Os que acessam são enquadrados formalmente pelo sistema de crédito bancário para a realização da semeadura de soja e/ou milho e/ou feijão, como argumentado no Capítulo III. No entanto, como os prazos de pagamento podem ser estendidos e o recebimento do crédito se dar em dinheiro, há a possibilidade de investimento em outras atividades produtivas que não exatamente aquelas fixadas formalmente. O crédito, nessa situação, pode ser usado parcialmente nas atividades produtivas pré-estabelecidas e o restante investido em outras produções de escolha do

agricultor-assentado, assumindo-se os riscos inerentes de tal ação.69

Como argumenta Leite (2003: 141) nem sempre os créditos de custeio ou investimento sofrem uma separação nítida entre o conjunto dos recursos empregados no desenvolvimento das atividades produtivas, ainda mais quando é considerado a aquisição de produtos destinados às necessidades básicas de consumo das famílias. Da mesma forma, para o pagamento dessas dívidas outras fontes de recursos podem ser mobilizadas que não apenas aquelas em que foram investidos os recursos financeiros definidos inicialmente. De qualquer maneira, o recebimento do crédito advindo do PRONAF pode proporcionar uma flexibilidade maior quanto ao seu uso, sendo destinado integralmente às atividades produtivas estabelecidas pela agência financiadora ou não, sofrendo outros fins a depender dos objetivos do agricultor- assentado. Esse pode ser um mecanismo usado pelos 11 agricultores-assentados do sistema produtivo diversificado que acessaram os créditos do PRONAF. Quanto àqueles 21 agricultores-assentados do sistema produtivo soja-leite sugere-se que estejam “mais” enquadrados nas definições legais de liberação dos créditos quanto às culturas financiadas, haja vista que a atividade sojícula ainda ocupa a centralidade de suas rendas.

Nesse contexto, se é possível sugerir que o acesso a esse crédito pode ser usado para a diversificação da pauta produtiva e comercial nas unidades produtivas, também pode ser sugerido que enquadra as atividades produtivas (comerciais) do agricultor, sendo que a alteração nos planos de aplicação dos recursos financeiros representa risco para o agricultor- assentado, podendo ser um motivo para que não se “aventure” em outras atividades produtivas. Além do mais, a impossibilidade de acesso pode condicionar alguns agricultores- assentados a uma situação de privação tal em que o arrendamento de parte do lote aparece como a alternativa mais viável, ou, pelo contrário, provocar uma situação de estímulo à produção e comércio de outras atividades nos lotes, mesmo que de forma precária ou insipiente. Ou seja, a rigor, dependerá das reações de cada agricultor-assentado às diferentes

69 Um deles estaria no fato da não garantia do seguro agrícola, outros estariam relacionados à sub-investimentos em insumos agrícolas, como adubos e venenos, comprometendo maiores rendimentos dessas produções que se poderia obter se seguisse às orientações técnicas de cultivo e manejo. A esse respeito Caporal (1994: 06) argumenta que a adoção parcial do modelo modernizante (colocar “pouco” adubo, usar semente de má qualidade, usar inadequadamente trator e implementos agrícolas, etc.) nessas commodities por parte dos agricultores-assentados pode gerar uma situação do rendimento obtido não pagar as despesas efetuadas, devido à baixa produtividade. Nesse sentido, além de estar inserido na condição de pequeno patrimônio produtivo, entra na disputa no mercado pelo valor de seu trabalho, dos lucros e da renda da terra como um competidor ainda mais enfraquecido.

situações que estão sujeitas a serem vividas no ambiente regional, local e do lote. Nesse sentido, dependeria de possibilidades de financiamento próprio, de alguma poupança prévia, de redes familiares de financimento e, de forma destacada, do conjunto de relações pessoais construídas ao longo das trajetórias sociais que podem agir num sentido de facilitar a abertura de canais de comercialização, como no caso daqueles agricultores-assentados que ocupam ou ocuparam cargos de direção do Assentamento ou do Movimento Sem Terra. Assim, entre os principais fatores estaria o conjunto de recursos socioculturais (habitus, conhecimentos, contatos pessoais, habilidades, etc.) incorporados durante as trajetórias sociais que orientam reações diferenciadas frente a essas situações de acesso ou não de fontes de crédito.

Essa heterogeneidade de situações quanto ao acesso ou não de crédito nos três sistemas-produtivos pode ser identificada na amostra de agricultores-assentados selecionados para a análise das rendas monetárias e não-monetárias: dos 9 agricultores-assentados componentes da amostra, 3 declararam ter acessado o crédito agrícola: 1 compõe o sistema produtivo diversificado e os outros 2 o sistema produtivo soja-leite.

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