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DINÂMICA DAS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS PREFERENCIALMENTE AO

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CAPÍTULO IV: ESTRATÉGIAS PRODUTIVAS, DINÂMICAS FAMILIARES E

2. DINÂMICA DAS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS PREFERENCIALMENTE AO

No contexto da ambiência regional onde o Assentamento Ceres está inserido, em que as atividades comerciais baseiam-se majoritariamente em commodities agrícolas, destacadamente a soja, o milho e a produção de leite, há uma tendência de desenvolvimento de atividades e criações utilizadas prioritariamente ao autoconsumo do grupo familiar. Ou seja, os canais de comercialização hegemônicos construídos são relativos àqueles produtos tratados na seção anterior. Isso não significa, entretanto, que as famílias de agricultores- assentados não constituam outros canais de comercialização de outros produtos agrícolas e pecuários, como o comércio estabelecido entre os próprios agricultores-assentados, com os agricultores granjeiros vizinhos, com a população urbana de Jóia e municípios próximos, etc. Entretanto, de forma geral, a principal fonte de renda monetária tende a ser vista pelos agricultores-assentados como sendo alcançada por meio da comercialização naqueles canais e mercados hegemônicos através das mercadorias correlatas. Neste sentido, as demais atividades agrícolas e pecuárias desenvolvidas nos lotes tendem a ser consideradas com destino ao autoconsumo.

Contudo, em momentos de crise de reprodução social essas atividades podem ser alçadas a uma condição central na obtenção de recursos monetários entre o conjunto de atividades com essa finalidade. Nesse contexto, o que antes poderia ser identificado como

miudeza agora pode virar grandeza, como declarado ao autor pela esposa do Sr. Pedro. Ou

seja, a primeira noção designa as criações e culturas produtivas e dedicadas ao autoconsumo da família, podendo expressar atividades consideradas secundárias em grau de importância nos trabalhos rurais, quase sempre desenvolvida pela mulher. Fazendo uma relação com o estudo de Garcia Jr. (1983: em especial o Capítulo II), poderia ser sugerido que, no caso do Assentamento, seriam as atividades produtivas geradoras de renda monetária aquelas designadas por trabalho, realizadas preferencialmente pelo homem; as demais, as de autoconsumo, consideradas complementares ou como ajuda ao provimento das condições materiais ao grupo doméstico. No entanto, em momentos de crise de realização monetária

daquelas culturas tidas como dedicadas ao comércio (soja, milho, por exemplo) as miudezas podem se tornar grandezas quando assumem importância econômica comercializável, podendo deslocar os homens de suas atividades até então consideradas como principais para aquelas que eram consideradas secundárias. Essa seria uma dinâmica inerente às atividades de autoconsumo, com determinantes externos ligados a fatores do mercado e internos à família, relacionados com disponibilidade de mão-de-obra e número de consumidores (ciclo

familiar)58, além das tradições culturais das famílias de agricultores-assentados que podem

considerar diferentemente determinadas atividades como necessárias à reprodução familiar. Olhando a partir da família de agricultores-assentados, sugere-se que essa dinâmica também dependa de recursos incorporados pelos indivíduos quanto a conhecimentos e relações personalizadas construídas individualmente ao longo das trajetórias sociais – como aqueles agricultores-assentados que ocupam posições de direção da Cooperativa ou do Assentamento e tendem a ter suas redes de relações sociais aumentadas; facilitando a construção de ‘pontes’ comerciáveis em momentos de crise de realização econômica.

Neste sentido, as principais atividades destinadas preferencialmente ao autoconsumo na ambiência do Assentamento são apresentadas na Tabela-3. As atividades agrícolas e criações apresentadas devem ser entendidas como sujeitas a tal dinâmica comentada anteriormente, sem rigidez quanto ao fornecimento apenas e exclusivamente de alimentação de autoconsumo, mesmo considerando os poderes circunscritos na matriz produtiva regional que define o lugar prioritário dos demais cultivos como sendo de autoconsumo nos lotes dos agricultores-assentados. Nessa tabela apresenta-se o número de agricultores-assentados que manifestam tais atividades e criações a partir da classificação por sistemas produtivos. Optou- se por essa metodologia de apresentação dos dados, pois fornece tendências quanto à valorização dessas atividades pelas famílias envolvidas em cada sistema produtivo, por mais que não se quantifique o total produzido. A análise das rendas geradas de forma indireta pelos agricultores-assentados com os produtos do autoconsumo será realizada na seção 6.

Tabela 3 – Agricultores-assentados e as principais atividades destinadas prioritariamente ao autoconsumo

Sistemas produtivos e agricultores-assentados

Diversificado 17 agricultores-assentados Soja-leite 42 agricultores- assentados Soja 47 agricultores- assentados Atividades agrícolas e criações N° de

agt’s* %** N° de agt’s % N° de agt’s %

5 ou mais atividades 7 41,1 6 14,2 2 4,2 4 atividades 4 23,5 8 19,0 8 17,0 3 atividades 6 35,2 18 42,8 15 31,9 2 atividades 0 - 6 14,2 9 19,1 1 atividade 0 - 5 11,9 4 8,5 1. Principais atividades agrícolas: amendoim, feijão mandioca, batata-doce, cana-de-açúcar; entre outras 0 atividade 0 - 0 - 9 19,1

2. Pomar e horta doméstica 17 100 26 64,2 22 46,8

3. Aves 17 100 41 97,6 31 65,9

4. Suínos 17 100 40 95,2 29 61,7

* Número de Agricultores-assentados que possuem as atividades relacionadas.

** Indica a porcentagem de agricultores-assentados que apresentam em seus lotes as atividades de autoconsumo relacionadas. Fonte: questionário socioeconômico e dados de campo do pesquisador.

Essa tabela indica que entre os agricultores-assentados considerados, aqueles relacionados pelo sistema produtivo diversificado formam um grupo mais homogêneo quanto à valorização das atividades relacionadas. Destaca-se que dentre estes, 41% apresentam 5 ou mais atividades agrícolas e todos possuem pomar e horta doméstica, aves e/ou suínos para a realização do autoconsumo familiar. Os outros dois sistemas produtivos apresentam uma maior diversidade de situações. A grande maioria dos agricultores-assentados tanto do soja-

leite quanto do soja apresentam 3 atividades agrícolas, respectivamente representando 42,8%

e 31,9% do total de agricultores-assentados relacionados. Ainda com relação às atividades agrícolas, se somadas as categorias referentes à ‘2 atividades’ e à ‘1 atividade’ no sistema produtivo soja-leite e no sistema produtivo soja dar-se-á relevo ao fato de que 26,1% e 27,6% dos agricultores-assentados desses grupos apresentam no máximo duas atividades produtivas destinas à alimentação do grupo familiar, respectivamente.

Essa caracterização tende a configurar situações de maior instabilidade quanto à geração de alimentação em seus lotes como forma de enfrentar possíveis situações de crises de realização monetária dos produtos destinados exclusivamente ao comércio, devido a baixos preços ou à queda da produção devido a estiagens, por exemplo. Nessas situações, não obstante, pode tornar mais difícil a venda (ou a troca) de produtos até então utilizados no autoconsumo, haja vista que tende aumentar seu consumo no grupo familiar; além da pequena variedade de produtos disponíveis nos seus lotes para operações de comércio em casos de ameaça da reprodução social. Chama a atenção também que 19,1% dos agricultores- assentados do sistema produtivo soja responderam não possuir qualquer tipo de atividade agrícola apresentada na tabela. É possível que a explicação para tal situação resida nas particularidades vividas com relação à formação dos grupos familiares, como no caso de beneficiários solteiros; situação que será melhor analisada na seção 4. Se forem outros os motivos, que provoque tal situação de inexistência de atividades de autoconsumo, pelos menos aquelas auferidas pela pesquisa, então é possível sugerir que esses grupos familiares já apresentam sua reprodução social ameaçada, podendo depender exclusivamente de programas sociais governamentais.

Contudo, as situações de instabilidade de produção para o autoconsumo de alguns agricultores-assentados tanto do sistema produtivo soja-leite quanto o do soja pode ser observada quando são analisados os dados referentes à presença ou não das outras atividades consideradas na tabela. Nesse sentido, 64,2% e 46,8% dos agricultores-assentados apresentam pomar e horta doméstica, respectivamente. Os dados referentes à presença de suínos e/ou aves também indicam que nem todos os agricultores-assentados desses sistemas produtivos possuem essas criações. Essa caracterização das atividades destinadas ao autoconsumo tende a limitar a variedade de alimentação, ou aumentar as despesas domésticas com aquisição de produtos alimentares em ‘supermercados’. Em ambas as situações o grupo doméstico pode viver maior instabilidade das condições alimentares mínimas necessárias para a sobrevivência.

Vale a pena destacar que o perfil dos grupos de agricultores-assentados e as valorizações das atividades de autoconsumo apresentam correspondência relativa ao item ‘Demais Formas de Ocupação do Lote’ da Tabela-1. Nesse item foi demonstrado que os agricultores-assentados do sistema diversificado destinam maior área média para outros fins que não apenas aqueles relacionados com as atividades diretamente comercializáveis, quando comparados com os agricultores-assentados dos outros dois sistemas produtivos. Tende a indicar, portanto, uma maior produção média de alimentos para o autoconsumo realizado pelos agricultores-assentados considerados no primeiro sistema produtivo analisado.

Contudo, deve-se considerar que os outros dois sistemas produtivos apresentam situações diferenciadas entre os agricultores-assentados quanto à disponibilidade em seus lotes de alimentação para esse fim. Se a média de tais grupos quanto às porcentagens de

agricultores-assentados que desenvolvem as atividades relacionadas na Tabela-3 é menor que a média do primeiro sistema produtivo, assim como a média de área disponibilizada para ‘Demais Formas de Ocupação do Lote’ apresentado na Tabela-1, não é possível constatar que todos os agricultores-assentados envolvidos nos sistemas produtivos soja-leite e soja tenham uma produção de alimentos destinados ao autoconsumo menor que os agricultores-assentados do sistema produtivo diversificado. Pelo contrário, a Tabela-3 apresenta em números absolutos que a quantidade de agricultores-assentados que possuem 4 atividades agrícolas é superior nos sistemas produtivos soja-leite e soja. O mesmo pode ser constatado somando-se o número de agricultores desses dois sistemas produtivos com relação ao item ‘5 atividades’. Portanto, não pode ser atribuída uma relação direta entre maior quantidade de atividades destinadas ao autoconsumo e sistemas produtivos considerados; por mais que haja certa tendência nesse sentido quando estabelecido porcentagens referentes às relações internas em cada grupo e comparadas entre tais.

Em qualquer situação as atividades desenvolvidas para o autoconsumo tendem a ter relevância para além da oferta imediata de alimentos para a família. De acordo com Garcia Jr (1994: 90) haveria uma tendência de que quanto mais recursos monetários e alimentares dispusessem o grupo familiar menor seriam as necessidades de assalariamento de integrantes da família. Dessa forma, a quantidade produzida desses alimentos pode orientar também o comportamento dos agricultores-assentados, escolhendo quantidades de produtos para a venda ou disponibilizando no mercado sua mão-de-obra para trabalhos agrícolas, principalmente. No entanto, quais seriam as lógicas subjacentes a tais estratégias de reprodução social dos agricultores-assentados? Além das influências das dinâmicas de composição do grupo familiar e ciclo de vida, haveria relações com as referências socioculturais heterogêneas e relativas às posições sociais ocupadas anteriormente à luta pela terra, com os habitus e práticas cotidianas?

Nessa seção se tratou das dinâmicas referentes às atividades destinadas preferencialmente ao autoconsumo familiar. Na próxima, se abordará as dinâmicas internas aos grupos domésticos.

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