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2. Histórico

3.2 Caracterização da técnica

trabalhados a partir de comparações, utilizando algumas vezes tipologias e classificações, que combinam padrões e modelos descritivos e propõem comparações em virtude de semelhanças e diferenças entre os fenômenos observados.

Quanto ao que diz respeito ao nível de interpretação, esta pesquisa pode ser classificada como explicativa, partindo do pressuposto que o problema investigado está suficientemente identificado, descrito e mensurado no nível local e nacional por pesquisas censitárias e amostrais. Dentre essas pesquisas, são explicitamente apontadas as realizadas pelos órgãos oficiais como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); trabalhos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA); bem como por informações provenientes de outras fontes institucionais ligadas aos movimentos sindical, feministas e aos Organismos Internacionais.

Finalmente, no que tange ao grau de generalização das informações a pesquisa trabalha com dados de parte acentuadamente restrita do universo das mulheres negras brasileiras, considerando, porém, que a representatividade de sua fala está fundamentada na homogeneidade da situação e condição de vida do recorte em relação a esse universo.

3.2 Caracterização da técnica

A técnica de coleta de dados escolhida para esta pesquisa é a entrevista considerada “a técnica mais adequada para a revelar informações sobre

assuntos complexos, emocionalmente carregados ou para verificar os sentimentos subjacentes a determinada opinião apresentada” 150. Deve-se ressaltar, porém, que apesar de todas as entrevistas terem sido gravadas e tomadas mediante consentimento livre e esclarecido, atestado por escrito e verbalmente (anexo 2), caracterizando assim uma relação formal de pesquisa, a pesquisadora procurou propiciar a livre expressão de sensações, emoções e idéias das entrevistadas, considerando a espontaneidade fundamental para cumprir o propósito de captar a visão de mundo em um trabalho de campo:

“Para que uma descrição verbal seja aceita por seu valor aparente precisa ser provocada em circunstâncias que estimulem a maior liberdade possível e a honestidade de expressão (...) Com relação a muitas questões, uma entrevista tende a obter maior êxito na criação de uma atmosfera que permita à pessoa exprimir sentimentos ou descrever comportamentos geralmente desaprovados”

151.

Os sujeitos de pesquisa foram localizados de forma caracterizada como acidental, por meio de contatos pessoais da pesquisadora com moradores das áreas abarcadas pelo estudo. A escolha de cada uma das entrevistadas deveu- se, então, a seu local de moradia assim como ao fato de se encaixarem nas demais variáveis fixas que determinam as características do perfil do grupo pesquisado: serem mulheres, reconhecidas em seu grupo social como negras e terem idade compreendida em uma das três faixas etárias delineadas no estudo. O encontro foi agendado previamente e oito deles ocorreram nos finais de semana.

Nove entrevistas em três localidades foram feitas nas residências das entrevistadas. As outras três, do total de doze, foram concedidas em espaço

população carente, localizada na área onde as mesmas moram. Nesta instituição trabalha uma entrevistada e outras duas eram beneficiárias dos programas de assistência. Nesse caso, a entrevista foi feita fora da instituição e dos olhos e ouvidos de quaisquer outras pessoas que pudessem inibir a livre expressão das entrevistadas. Assim, em todos os doze casos, apesar das entrevistas terem sido solicitadas e concedidas, assemelharam-se a uma conversa informal durante a qual a pesquisadora procurou conquistar a confiança das entrevistadas que, ao final caracterizaram o processo como “bom”; “fácil”; “legal” e “agradável”.

Se a quantidade inicialmente prevista no projeto de pesquisa era de 21 entrevistas, tomadas em sete Regiões Administrativas distintas, o trabalho de campo mostrou que essa quantidade poderia ser muito menor, já que com as doze entrevistas que compõem a análise aqui apresentada foram obtidos os pontos de consenso e de diferença acerca das experiências relatadas 148,

tornando possível identificar e descrever as principais características do grupo estudado. De fato, a lógica da pesquisa qualitativa obedece ao princípio de “saturação”, o que implica em admitir que, a rigor, a quantidade de entrevistas não pode ser definida a priori, mas a partir de um processo progressivo de inclusão: “O ponto de saturação é avaliado pelo(a) pesquisador(a) face aos seus objetivos de pesquisa. Os estudo qualitativos, como se sabe, não buscam a generalização, mas o aprofundamento de processos e vivências” 152.

O trabalho de campo foi realizado seguindo um roteiro pré-estabelecido com 120 tópicos (anexo 3). Esse roteiro foi dividido em blocos, considerando primeiro as questões mais objetivas, relacionadas ao perfil da entrevistada e

suas condições socioeconômicas. Esse bloco corresponde ao que neste trabalho é considerado qualidade de vida. O roteiro envereda paulatinamente para questões mais subjetivas relacionadas à vida pessoal e íntima da entrevistada, seus gostos, hábitos, sua visão de mundo e representações. Esse bloco corresponde ao que neste trabalho é considerado qualidade de saúde. A parte final do roteiro busca levantar a opinião das entrevistadas sobre o atendimento que recebem nos serviços de saúde, associando informações objetivas sobre o atendimento à avaliação subjetiva que dele fazem. Esse bloco corresponde ao que neste trabalho é considerado qualidade de atenção à

saúde.

Os tópicos tratados no primeiro e segundo blocos do roteiro foram baseados na versão em português do instrumento de avaliação de qualidade de vida desenvolvido pela OMS, WHOQOL – 100 9. Apesar de seguirem esse instrumento, as questões relativas ao perfil socioeconômico foram adaptadas para refletir aspectos pertinentes da realidade brasileira. Essa adaptação baseou-se no questionário desenvolvido por pesquisadores do Departamento de Serviço Social da UnB para o Projeto Integrado de Pesquisa – CNPq: Pobreza Política e Direitos 153, que levanta entre outras coisas o recebimento

de auxílio monetário fixo e o quanto a pessoa se preocupa com dinheiro. Já o que se refere à percepção do próprio corpo, a descrição do dia típico, os horários de dormir e acordar, o tempo de sono, assim como a comparação entre a vida das mulheres e dos homens, foram adaptadas da pesquisa de campo Sexualidade da Mulher Brasileira – Corpo e Classe Social no Brasil

terceiro bloco foi baseado no questionário aplicado no projeto Quo Vadis? (155), pesquisa empreendida pelo Núcleo de Estudos em Saúde Pública (NESP), ligado Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares (CEAM), da UnB.

O tempo de duração de cada entrevista variou bastante, sendo que as mais longas demoraram duas horas e meia e as mais rápidas aproximadamente 40 minutos. Essa variação deveu-se principalmente ao fato das entrevistas estarem sendo gravadas, condição que permitiu apartes, mudanças de assunto, exemplos, piadas, choro e relato de circunstâncias não estritamente relacionadas às perguntas. Algumas vezes a conversa se desdobrava, gerando grandes explicações, como ocorria freqüentemente em relação ao local de nascimento, casamento, separação ou morte de parentes. Também, em muitos casos, ao discorrer sobre um tópico a entrevistada já abordava o seguinte, diminuindo assim o tempo da entrevista, de cerca de uma hora em média.

As principais considerações sobre os tópicos que compuseram o roteiro são descritas e explicadas a seguir:

O primeiro bloco procura levantar aspectos relacionados à qualidade de vida, abarca questões relativas à situação socioeconômica, incluindo condições da moradia (própria, alugada ou cedida); considerando também como a entrevistada qualifica sua casa; se tais características atendem às necessidades dos habitantes; quantas pessoas moram; quem mantém a casa; se recebe algum auxílio do Governo, assistência de Igrejas, do ex- companheiro, família, amigos; se considera o ambiente seguro; se gosta de onde mora e por que; se considera o ambiente físico saudável (clima, barulho,

poluição, atrativos); se têm problemas de transporte e quanto isso acarreta dificuldades. Além dessas, esse bloco levanta também quanto se preocupa com dinheiro; se o dinheiro de que dispõe é suficiente para satisfazer as próprias necessidades e da família; se já esteve em melhor situação financeira e; se provêm de família chefiada por mulher.

O segundo bloco procura levantar fatos do cotidiano, impressões e expectativas em relação à qualidade de saúde. Assim compõe esse bloco tópicos relacionados ao estado civil: se é casada (ou se já foi) é perguntado como é a relação com o marido; se gosta dele; porque se casou; se já foi casada mais de uma vez é perguntado por que rompeu o(s) relacionamento(s) anterior(es). Também é solicitada a descrição do tempo despendido nas atividades cotidianas; como realiza essas tarefas; se recebe ajuda para realizá- las e de quem; quais as sensações e emoções que experimenta no cotidiano. No que tange aos aspectos relacionados ao trabalho, inicialmente foi pensado verificar se a entrevistada trabalha ou já trabalhou; por quanto tempo; que atividade realizou. Porém, devido ao fato de todas as entrevistadas trabalharem ou já terem trabalhado como empregadas domésticas, foram acrescentadas as seguintes perguntas: como considera essa atividade; porque trabalhou nessa atividade; se gosta desse trabalho e; caso não goste, do que e por que não gosta.

Além disso, fazem parte desse bloco os tópicos alimentação, sono, sexo, cuidados corporais e aparência. Em relação a essa última, vale ressaltar que se buscou levantar quanto considera a aparência importante e por que; e se

perguntado se é preocupada e por quais razões; se sente-se solidão; se sente tristeza ou depressão; se isso interfere no dia-a-dia; com que freqüência se sente cansada ou mal humorada; em que situação isso acontece e; se consegue se concentrar. São levantadas também as formas de lazer; como aproveita o tempo livre; quanto experimenta sentimentos positivos em relação à própria vida e o quanto está satisfeita com a vida que leva. Para verificar a relação entre o projeto de vida e a realidade é perguntado o quê, quando criança, queria ser quando crescesse.

Por fim, é pedido que comparem a vida das mulheres e dos homens; dos negros e dos brancos; dos ricos e dos pobres. Se alguma desigualdade é apontada em qualquer uma dessas comparações, é perguntado como se sente em relação à isso; que sentimentos provoca e; o quanto isso afeta sua vida.

O terceiro bloco aborda os tópicos relativos ao processo de adoecimento e à qualidade da atenção à saúde. É perguntado se sofre de alguma doença e caso afirmativo qual; se já se submeteu a algum tratamento e se toma regularmente algum remédio; se sente cotidianamente algum desconforto físico ou dor que dificulte ou impeça de fazer o que precisa. Quanto ao atendimento, é perguntado se utilizam os serviços de saúde e para que; com que freqüência; qual o serviço que vai mais constantemente (posto, centro de saúde ou hospital); se consegue a consulta de que precisa e o que precisa fazer para consegui-la; se enfrenta filas; quanto tempo demora até ser consultada; como é tratada; quanto tempo dura a consulta; se entende o que os profissionais dizem; se sai da consulta satisfeita. Especificamente em relação ao

atendimento no ciclo gravídico puerperal: se fez pré-natal; quantas consultas; se o(s) parto(s) foi (foram) na rede pública; como foi tratada e como se sentiu.

Embora o roteiro da entrevista tenha sido preenchido pela entrevistadora no momento da tomada dos depoimentos, todo material gravado em cada uma delas foi transcrito, sendo assim possível proceder a análise a partir dessas duas técnicas de registro. Dada a característica dos dados levantados, o registro gravado revela-se essencial à posterior análise, pois possibilita resgatar períodos longos assim como as nuances no tom, altura e ritmo da voz. Os silêncios e a ênfase do discurso sublinham a moralidade subjacente à fala, explicitando (às vezes mais do que as próprias palavras) as dúvidas e certezas, os temores e a indignação.

Para facilitar a análise (e a leitura) a apresentação desses tópicos no capítulo de Discussão não segue literalmente o ordenamento do roteiro, buscando inter-relacionar os temas tratados, que, no entanto, são alinhados nos grandes grupos que organizam o trabalho: qualidade de vida, qualidade de saúde e qualidade da atenção à saúde. Cada um deles, por sua vez, foi subdividido em categorias, para facilitar o ordenamento do material. Além disso, é preciso advertir que as falas foram reproduzidas tal como pronunciadas e que, portanto, algumas delas não seguem as regras da linguagem escrita. Em alguns casos as elipses são explicitadas para facilitar e compreensão e em uma fala se optou por transcrever também a ênfase do discurso porque pareceu necessário à elucidação da mensagem.

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