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Caracterização viscoelástica dos ligantes asfálticos em regime oscilatório

2 Capítulo

2.3. Parâmetros reológicos aplicados na pavimentação asfáltica

2.3.3. Caracterização viscoelástica dos ligantes asfálticos em regime oscilatório

O comportamento peculiar de um material viscoelástico é a dependência, da sua resposta mecânica, de dois fatores: tempo de carregamento e temperatura. Para qualquer combinação de tempo de aplicação de carga e de temperatura, o comportamento viscoelástico, dentro da faixa linear, deve ser caracterizado por pelo menos duas propriedades: a resistência total à deformação e a distribuição relativa desta resistência entre uma porção elástica e outra viscosa. Embora haja muitos métodos para a caracte-

rização de propriedades viscoelásticas, os ensaios em regime oscilatório são a melhor técnica para avaliar a singularidade de comportamento deste tipo de material (BAHIA e ANDERSON, 1995).

G*, o módulo complexo, representa a resistência total à deformação e δ, o ângulo de fase, representa a distribuição relativa desta resistência entre um componente em fase e outro defasado. O componente em fase é o componente elástico e pode ser diretamente relacionado à energia armazenada em uma amostra a cada ciclo de carregamento, ao passo que o componente defasado representa o com- ponente viscoso e pode ser diretamente relacionado à energia dissipada a cada ciclo de carregamento. A distribuição relativa destes componentes é função da composição do material, do tempo de carregamento e da temperatura (BAHIA e ANDERSON, 1995).

A determinação de parâmetros como o módulo complexo e o ângulo de fase, para caracte- rização reológica dos ligantes asfálticos, é feita por meio de ensaios dinâmicos empregando regime osci- latório. Nesse ensaio, a amostra é condicionada entre duas placas paralelas, das quais uma se mantém fixa e outra gira, sendo submetida a ciclos alternados de tensão ou deformação senoidais, como indicado esquematicamente na Figura 2.3. Uma vez que o módulo complexo, como a rigidez medida no ensaio de fluência, é uma função do tempo, sua magnitude depende da freqüência do ensaio. A resposta do material é monitorada em função da freqüência. Esse ensaio é realizado sob deformação controlada, na qual uma deformação senoidal é aplicada e a resposta, na forma de tensão, é medida ou sob tensão controlada, no qual uma tensão senoidal é aplicada e a resposta, na forma de deformação, é medida.

Figura 2.3. Caracterização reológica em regime oscilatório de cisalhamento, empregando geome- tria de placas paralelas.

Uma amostra de ligante asfáltico irá alcançar a condição estável depois de um certo núme- ro de ciclos e, então, os picos de tensão e de deformação podem ser determinados. Como a tensão de cisalhamento e a deformação variam de forma senoidal com o tempo, os valores absolutos, determinados

como o valor máximo menos o valor mínimo de tensão e de deformação, são empregados no cálculo do módulo complexo. A razão entre a tensão máxima e a deformação máxima (Figura 2.4) é o valor absoluto do módulo complexo, normalmente dado em Pa, ou seja:

MÍN MÁX MÍN MÁX - - * G γ γ = (2.2)

Figura 2.4. Parâmetros reológicos obtidos em regime oscilatório de cisalhamento.

Os reômetros de cisalhamento dinâmico aplicam carregamento na forma de tensão ou de deformação, conforme o tipo de equipamento, a uma dada freqüência. Se o equipamento trabalha a ten- são controlada, o sistema de aplicação de carga aplica um torque à amostra, de forma que ela esteja submetida à tensão escolhida para a realização do ensaio. Se o equipamento trabalha a deformação controlada, o sistema aplica uma deflexão angular à amostra, de forma que ela esteja submetida à de- formação escolhida para a realização do ensaio. A tensão de cisalhamento é dada por:

3 r T 2 π = (2.3)

onde: τ = tensão de cisalhamento sofrida pela amostra;

T = torque aplicado à amostra pelo sistema de aplicação de carga; r = raio da amostra.

A deformação (γ) sofrida pela amostra é calculada com base na deflexão angular ( ), sendo γ dada por:

h r =

γ (2.4)

onde: θ = deflexão angular sofrida pela amostra; h = distância entre placas (gap).

Sob temperaturas baixas, a maioria dos ligantes asfálticos apresenta características seme- lhantes às de um sólido perfeitamente elástico: a senóide descrita pela resposta do material irá acompa- nhar exatamente a senóide do carregamento aplicado, não havendo defasagem. Sob temperaturas ele- vadas, a maioria dos ligantes asfálticos se aproxima do comportamento de líquido ideal (newtoniano) e, neste caso, os picos de deformação e de tensão estarão defasados de 90º. Para líquidos ideais, o pico de tensão está 90º “atrasado” em relação ao pico de deformação. Sob temperaturas intermediárias, o ligante asfáltico apresenta comportamento intermediário a estes dois extremos. Dependendo da temperatura e da freqüência de aplicação da solicitação, o pico de resposta dos ligantes asfálticos pode estar em qual- quer ponto entre 0 e 90º, defasado ou atrasado em relação à solicitação aplicada. Esta defasagem (ângu- lo de fase) é uma propriedade fundamental importante para descrever o comportamento viscoelástico dos ligantes asfálticos.

O componente em fase de G* é denominado módulo de armazenamento (G’). Corresponde à relação entre a tensão, quando tensão e deformação estão em fase, e o pico de deformação:

= ° = = G*cos deformação de pico 0 quando tensão G' (2.5)

O componente fora de fase de G* é chamado módulo de dissipação (G”). G” representa a componente viscosa de G* e é igual à tensão, quando δ = 90º, dividida pela deformação ou:

= ° = = G*sen deformação de pico 90 quando tensão G" (2.6)

A viscosidade complexa (η*, normalmente dada em Pa.s) é a relação entre o módulo com- plexo e a freqüência (ω, dada em rad/s):

ω =

η* G* (2.7)

A razão entre a energia dissipada e a energia armazenada em um ciclo de deformação é de- nominada taxa de dissipação ou tangente de delta, dada por:

G' G" tan dissipação de taxa = = (2.8)

As várias relações entre os módulos complexo, de armazenamento e de dissipação e o ân- gulo de fase podem ser representados vetorialmente como indicado na Figura 2.5.

Figura 2.5. Representação vetorial das relações entre G*, G’, G” e δ.

O módulo de armazenamento (G’) representa o componente em fase do módulo complexo, ao passo que o módulo de dissipação (G”) representa o componente defasado do módulo complexo. Estes termos, muitas vezes, são mal interpretados como módulo elástico e módulo viscoso, respectiva- mente. Na realidade, o componente elástico da resposta representa apenas parte do módulo de armaze- namento e a resposta viscosa apenas parte do módulo de dissipação. Além da resposta elástica e visco- sa, a maior parte dos materiais viscoelásticos reais exibe uma porção significativa de resposta elástica retardada, que é dependente do tempo, porém, completamente recuperável. Na interpretação dos módu- los de armazenamento e de dissipação, é preciso ter em mente que ambos refletem uma porção da res- posta elástica retardada. Eles não podem ser estritamente interpretados como módulo elástico e viscoso, respectivamente, e são melhor denominados módulo de armazenamento e módulo de dissipação (ANDERSON et al., 1994).

A definição da região de viscoelasticidade linear permite selecionar a máxima tensão ou de- formação a ser aplicada ao material, uma vez que nessa faixa o módulo é independente da tensão ou da deformação. Essa verificação, no reômetro de cisalhamento dinâmico, é feita por meio de uma varredura de tensão ou de deformação, no qual a solicitação aplicada ao corpo-de-prova aumenta gradativamente até que uma redução significativa do módulo complexo seja observada.

No programa SHRP, as varreduras de deformação em ligantes asfálticos convencionais fo- ram realizadas na freqüência de 10 rad/s, nas temperaturas de 15, 35 e 60°C, e deformações foram apli- cadas até que o módulo fosse reduzido a 30% do valor inicial, como forma de assegurar que a região de viscoelasticidade não-linear fosse atingida. Anderson et al. (1994) verificaram que o módulo diminui a uma taxa crescente com o aumento do nível de deformação, mas raramente se observa distinção clara entre as regiões linear e não-linear. Os autores constataram, ainda, que a faixa de deformação dentro da

2 2

"

G

'

G

*

G

sen

*

G

"

G

cos

*

G

'

G

+

=

δ

=

δ

=

região linear aumenta à medida que o módulo diminui e que a temperatura de ensaio aumenta e fica mais estreita com nível de envelhecimento sofrido pelo ligante asfáltico (Figura 2.6).

Figura 2.6. Limites de tensão na região de viscoelasticidade linear em função de G* para os ligan- tes asfálticos não-modificados do SHRP. [Adaptado de Anderson et al. (1994)]

No programa SHRP, o limite de linearidade foi arbitrariamente estabelecido como a defor- mação à qual está vinculada a redução do módulo de armazenamento a 95% do seu valor máximo. Não foram realizadas varreduras de deformação nos ensaios de torção em barra, realizados sob temperaturas baixas, pois as deformações aplicadas são muito pequenas, geralmente entre 0,01 e 0,5%, assegurando a linearidade (ANDERSON et al., 1994).

Se o ensaio dinâmico é realizado na faixa de pequenas deformações (dentro da região de viscoelasticidade linear), os dados obtidos sob temperaturas altas e baixas podem ser graficamente inter- cambiados com freqüências baixas e altas, respectivamente. Da mesma forma, dados obtidos a freqüên- cias altas e baixas podem ser transpostos em temperaturas baixas e altas, respectivamente. Isto é possí- vel devido ao princípio de superposição tempo-temperatura, adotado como válido para ligantes asfálticos e misturas asfálticas por muitos pesquisadores.

Um efeito não-linear importante ocorre quando a porcentagem de deformação aplicada é muito grande. Apenas para deformações pequenas a simplificação φ = senφ pode ser aplicada. O erro envolvido nesta simplificação é de aproximadamente 4% para deformação de cisalhamento de 50% e de 19% para deformação de 100%. Assim, deformações de cisalhamento superiores a 50% não deveriam ser empregadas nos ensaios de módulo dinâmico, a fim de evitar não-linearidade geométrica.

As propriedades reológicas podem ser representadas tanto pela variação de G* e δ como função da freqüência, sob temperatura constante, comumente referidas como curvas-mestre, ou pela variação de G* e δ com a temperatura, em uma freqüência selecionada ou tempo de carregamento sele- cionado, comumente chamadas de curvas isócronas. A Figura 2.7 mostra as propriedades reológicas típicas de um AC 40 e de um AC 5, sob uma faixa ampla de temperaturas e freqüências. A Figura 2.7a mostra as curvas-mestre, a 25ºC, e a Figura 2.7b mostra as curvas isócronas a 10 rad/s (1,59 Hz). Algu- mas características comuns do comportamento reológico dos ligantes asfálticos podem ser vistas nesta figura (BAHIA e ANDERSON, 1995):

• sob temperaturas baixas ou freqüências altas, os dois ligantes asfálticos tendem a se apro- ximar de um valor limite de G* de 1GPa e um valor limite para δ de 0º. Este valor de G* re- flete a rigidez das cadeias de carbono e hidrogênio quando os ligantes asfálticos alcançam seu volume mínimo de equilíbrio termodinâmico. O valor limite de δ representa a natureza completamente elástica dos ligantes asfálticos a estas temperaturas;

• à medida que a temperatura aumenta ou a freqüência diminui, G* diminui continuamente, ao passo que δ aumenta continuamente. O primeiro reflete uma diminuição na resistência à de- formação (amolecimento), ao passo que o segundo reflete uma diminuição na elasticidade ou habilidade em armazenar energia. A taxa de mudança é, no entanto, dependente da composição do ligante asfáltico. Alguns irão mostrar uma queda rápida com a temperatura ou a freqüência; outros manifestarão uma mudança gradativa. Ligantes asfálticos nesta re- gião podem mostrar combinações significativamente diferentes de G* e δ;

• sob altas temperaturas, os valores de δ se aproximam de 90º, para todos os ligantes asfálti- cos, o que reflete a aproximação do comportamento completamente viscoso ou completa dissipação de energia em fluxo viscoso. Os valores de G*, no entanto, variam significativa- mente, refletindo as diferentes consistências dos ligantes asfálticos.

Da descrição anterior, fica claro que, sem uma distinção entre os tipos de resposta dos li- gantes asfálticos em termos de resistência total à deformação (G*) e a elasticidade relativa (δ) e sem medir propriedades nas faixas de temperaturas ou de freqüência que correspondem às condições climáti- cas e de cargas que solicitam o pavimento, a seleção de ligantes asfálticos para pavimentos com melhor desempenho não é possível. Um dos principais problemas dos métodos convencionais é a falha em medir propriedades nas temperaturas de aplicação e em distinguir o comportamento elástico do inelástico (BAHIA e ANDERSON, 1995).

As propriedades reológicas dos ligantes asfálticos são muito sensíveis à temperatura e ao tempo de aplicação de carga. Na faixa de aplicação em pavimentos para países de clima temperado, como os Estados Unidos (temperaturas variando de –40 a +80ºC e freqüências de 0 a 15,9 Hz) um ligan-

te asfáltico convencional tem seu módulo aumentado em mais de 7 vezes. Isto gera uma variação de δ de aproximadamente 90º (BAHIA, 1995).

Figura 2.7. Comportamento reológico típico de ligantes asfálticos: (a) curvas-mestre (freqüência) e (b) curvas isócronas (temperatura). [Adaptado de Bahia e Anderson (1995)]

(a)