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Caracterização visual de atores como imagem

Capítulo 1- A caracterização visual como linguagem: o design de aparência de

1.5. Caracterização visual de atores como imagem

Sempre que utilizamos as nossas capacidades para comunicar, estamos criando signos. Mas, qual a natureza dos signos que a caracterização visual da aparência de um ator gera?

Independentemente da natureza do meio e do suporte tecnológico que apresentar um ator, devemos entender que caracterizá-lo visualmente significa trabalhar signos que construam uma determinada aparência idealizada sobre a figura do ator como pessoa. Trabalha-se para criar uma aparência que exprime qualidades. As qualidades representadas são signos dos traços singularizantes de um ser ficcional e podemos dizer que a representação realizada pela caracterização visual de atores apresenta uma similaridade com seu objeto.

Essa afirmação aproxima-nos da definição de imagem elaborada por Peirce. Segundo o autor, as imagens pertencem a uma das espécies de signos icônicos, também denominados por ele de hipoícones. Em meio a diferentes conceituações de ícone, algumas divergentes entre si, Peirce distinguiu as noções de ícone puro e de signo icônico. Segundo o autor, o ícone puro não representa nada, apenas aparece como simples qualidade na sua relação com seu objeto, porque qualidades não representam e sim apresentam algo (Santaella, 1998, p. 63). No que tange aos signos icônicos,

estes são signos, pois representam seus objetos por semelhança (Santaella, 1998, p. 65). Peirce também os dividiu em três subníveis: imagem; diagrama e metáfora, tendo em vista que a imagem desenvolve com o objeto uma relação de similaridade de qualidade.

Desse modo, pensando a construção da aparência de um ator como uma imagem, devemos levar em conta o fato de que, para um grande número de teóricos, uma imagem é uma superfície plana, que pretende representar algo. Vilém Flusser conclui: “As imagens são, portanto, resultado do esforço de se abstrair duas das quatro dimensões de espaço-tempo, para que se conservem apenas as dimensões do plano” (2002, p. 7). Se voltarmos nossa percepção para atores que figuram na televisão, em fotografias, em filmes de cinema ou de vídeo, ou, ainda, em uma tela de um computador ou de um celular, é fácil compreender que os trabalhos de caracterização visual desses atores fazem parte da imagem transmitida por tais meios. Dito de outra forma, o ator caracterizado, visto por meio de cada uma das espécies de telas mencionadas, é uma imagem e não há dúvida quanto ao caráter bidimensional desta.

Mas o que pensar quando estamos diante de uma representação artística em que o ator se apresenta diretamente diante do público, sem a mediação de uma máquina, como nos casos citados?

Nas situações em que o ator representa em um palco fechado, a visão frontal que os receptores têm do espaço de representação é recortada pela boca de cena. Esta pode ser equiparada a uma moldura de um quadro, pois destaca a imagem cênica da realidade e evidencia o caráter representacional dessa imagem que, por efeito óptico, se torna quase bidimensional (fig.16). Quando a representação coloca o ator em meio aos receptores, como nas performances ou nos espetáculos populares feitos

em espaços públicos, como arenas circulares e semicirculares, a visualidade de sua aparência acontece de modo direto, geral e circular, enquanto a tridimensionalidade de sua silhueta se

evidencia (fig.17). Também nessas

situações cênicas, podemos dizer que a figura do ator caracterizado é uma imagem, apesar de sua tridimensionalidade, pois o caráter de composição representacional que o

distingue do cotidiano está presente na superfície e nos contornos de sua aparência, que funcionarão como uma moldura de uma visão que dialoga com o espaço em torno, como esclarece Santaella a respeito das representações visuais:

Representações visuais se localizam em superfícies definidas, papel, tela, película etc. Essa superfície é sempre recortada, emoldurada, quer dizer, tem margens

Fig.16: Ring Cycle. Dirigido por Otto Schenk, New York, 1990.

Fig.17: Performance de Yves Klein, Paris, 1960.

que a separam do restante das coisas. Mesmo quando se trata de representações sólidas, tridimensionais, como é o caso das esculturas, que não estão em uma superfície, mas são uma superfície, seus contornos, sua protuberância, na ocupação do espaço, são nitidamente demarcados. Tudo isso dá à representação um caráter de singularidade, unicidade, que a define como um objeto que bate à porta do sentido da visão, que insiste em se mostrar presente (2005, p.197).

Ao lado dos conceitos peirceanos apresentados trabalharemos, neste estudo, com a noção de imagem desenvolvida por Gilles Deleuze e Bergson. De acordo com esses pensadores, a imagem é “o conjunto daquilo que aparece” (Deleuze, 1983, p. 78). Tal conceituação complementa e amplia

a noção de espetáculo que utilizamos. Se, conforme mencionamos

anteriormente, espetáculo é tudo aquilo que se oferece ao olhar, todo espetáculo é uma imagem. Dessa forma, entendemos que o produto dos trabalhos de caracterização visual gera sempre uma imagem formada por uma somatória de índices, cujo conjunto resulta na aparência do ator, que pede para ser vista e, ao figurar em uma manifestação artística, passa a dialogar com os demais componentes da imagem cênica como um todo.

É importante esclarecer que a imagem gerada pela aparência do ator em uma determinada forma artística, apesar de ser entendida como um signo icônico, pode apresentar características que a aproximem mais de um índice ou, por outras vezes, a aproximem mais de um símbolo, porque as distinções classificatórias dos tipos de signos feitas por Peirce não são absolutas, são operações lógicas para efeito de análise (Santaella, 2005, p. 193).

Sempre tomada em relação ao contexto cênico em que se apresenta, a imagem gerada pela aparência de um ator pode assemelhar-se, mais ou menos, ao seu objeto (mimese ou sombra), em outras palavras, os trabalhos

de caracterização visual podem ser feitos na intenção de buscar uma referência em um existente ou podem não buscar espelhar nada, a não ser meras qualidades. No primeiro caso, uma maior referencialidade na aparência do ator pode aproximar a imagem gerada do índice, enquanto nos casos em que a aparência do

ator busca exprimir apenas qualidades, podemos dizer que se trata de uma imagem com grande iconicidade. Há situações também em que a imagem da aparência do ator pode ser bastante simbólica, “com relação a uma escala convencional de valores” (Peirce, 1977, p. 71), como, por exemplo, nos personagens do teatro tradicional japonês Kabuki (fig.18) que, por meio da aparência, são identificados, há séculos, pelo público.