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Capítulo 2- O design de aparência de atores e o teatro: a construção de um

2.1. O paradigma do teatro

Ainda que de modo indireto, a principal questão que norteia este capítulo está enunciada nessas palavras de Hans-Ties Lehmann. “De fato, até o surgimento do cinema, nenhuma outra prática artística podia monopolizar de modo tão plausível quanto o teatro esta dimensão: a imitação mimética (representada por atores reais) de ações humanas” (2007, p. 56). No primeiro capítulo desta pesquisa foi levantada a hipótese de que os trabalhos para construção da aparência de atores têm, em sua gênese, o paradigma do modus operandi do teatro e de todas as modalidades espetaculares que ocorrem diante do público. Todas as evoluções, tanto técnicas quanto estéticas, surgidas no âmbito de influência desse paradigma, foram incorporadas pelo cinema, pelo vídeo e pelos demais meios eletrônicos. Operacionalmente, em tais meios, há a opção de utilizarem-se, em parte ou por completo, os modos manuais de caracterização visual ou mesmo prescindir deles e trabalhar apenas com a tecnologia própria de cada meio para construir a aparência de atores em seus espetáculos.

Durante séculos, a aparência de um ator/ personagem, no teatro culto europeu, não mereceu uma reflexão particularizada. Era comum, até meados do século XVIII, “os atores se vestirem da maneira mais suntuosa possível, herdando vestimentas de corte de seu protetor, exibindo seus adornos como sinal exterior de riqueza, sem preocupação com a personagem que iriam representar” (Pavis, 2001, p. 168).

Os diferentes movimentos artísticos que se sucederam na Europa imprimiram fortes mudanças no teatro, sobretudo nas concepções cenográficas, porém a caracterização visual dos atores foi, por muito tempo, apenas um subproduto da cenografia que se praticava a cada época. Longe de uma preocupação dedicada à significação da aparência de um ator em cena, os criadores teatrais da Europa concentraram seus esforços artísticos na experimentação de diferentes formas de ocupação do palco a partir dos cenários que, por sucessivas décadas, tiveram a incumbência de causar, no espetáculo, ilusão de realidade e, para tanto, deveriam tentar, mesmo em vão, esconder os mecanismos cênicos. Mas, apenas no final do século XIX e início do século XX, as concepções artísticas que tinham o mimetismo como escopo para suas realizações alcançaram o ápice até então almejado, com o realismo e o naturalismo.

A busca quase obsessiva de ser fiel à vida real, de trazer uma fatia da realidade ao palco, fez com que os criadores do realismo e do naturalismo recorressem a especialistas, como arqueólogos e historiadores, por exemplo, para embasar suas criações cênicas. A historiadora de teatro Margot Berthold menciona que, nas montagens do encenador inglês, da segunda metade do século XIX, Charles Kean, o “palco dava lições de história” (2003, p. 442). Segundo essa pesquisadora, algumas décadas mais tarde, Émile Zola entendia que “o método do dramaturgo naturalista correspondia aos procedimentos da pesquisa científica, que o século empregava com zelo febril” (2003, p. 452).

Graças a esses movimentos artísticos que buscavam um espelhamento na realidade para a realização de suas obras, começou a esboçar-se, no teatro europeu, a preocupação de conceber uma imagem cênica, na qual a aparência dos atores era considerada elemento de

significação. O princípio de veracidade histórica que regia as montagens realistas e naturalistas não permitia mais que um ator se apresentasse em cena com suas próprias roupas. Sua aparência deveria estar em sintonia com a realidade retratada no espetáculo e, assim, começaram a surgir profissionais voltados para a pesquisa nessa área. Consta que o grande teatrólogo russo, Stanislávski, inaugurou, no final do século XIX, o Teatro de Arte de Moscou com sua montagem para o drama histórico Czar Fiodor Ivanovitch de Alexei Konstantinovitch Tolstói (Berthold, 2003, p. 462). Berthold relata que:

Durante os meses que antecederam a estréia, Stanisláviski, sua mulher Lilina e o cenógrafo Victor Simov haviam visitado locais históricos. Procuravam vestimentas oriundas dos monastérios e igrejas na área entre os rios Volga e Oka, esquadrinharam lojas de antigüidades e mercados de trastes a fim de reunir material para uma produção de poder emocional e ambiente “genuínos” (2003, p. 462).

Podemos dizer que a intenção de mimetizar o real propiciou a prática artística que, ao longo do tempo, veio a constituir a linguagem caracterização visual para a construção da aparência de atores em espetáculos. Entretanto, os códigos dessa linguagem não são utilizados apenas para perseguir o mimetismo e, nesse ponto, como já vimos, encontra-se a principal distinção entre os modos figurino e design de aparência de atores.

De um lado, o teatro culto, de elite, que na maioria das vezes era apresentado em espaços cênicos fechados, caracterizava-se pelo desejo de alcançar a precisão mimética. Nesse contexto, a visualidade de um ator em cena era constituída por meio de signos referenciais, conjuntura que assinalamos como gênese do modo figurino de organizar a linguagem caracterização visual de atores. Por outro lado, as manifestações populares,

cujas criações se distanciavam da imitação mimética, sempre tiveram como espaço cênico os espaços públicos diversificados, circulares, múltiplos ou abertos, como praças e arenas. Entre essas espécies de manifestações artísticas podemos citar, por exemplo, o circo, o carnaval, os Milagres e Moralidades da Idade Média e determinadas formas teatrais do Oriente, assim como também os experimentos da vanguarda teatral do início do século XX , que entendemos formarem a base do modo design de aparência de caracterizar atores.