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Capítulo 1- A caracterização visual como linguagem: o design de aparência de

1.2. Representação

À luz do conceito de representação, ainda em Peirce, a proposição feita anteriormente se confirma. Segundo o autor, representação significa:

“Estar em lugar de, isto é, estar numa tal relação com um outro que, para certos propósitos, é tratado por alguma mente como se fosse esse outro” (Peirce, 1977, p. 61). É certo que a semiótica de Peirce elabora “uma teoria da representação extensa, complexa e multifacetada que, além da representação, inclui a apresentação, a quase-representação, a presentificação...”, como explica Maria Lúcia Santaella (2005, p. 190) ao afirmar que, de acordo com o autor estudado, a noção de representação é apenas uma parte do conceito de mediação. Porém, neste trabalho não nos deteremos em desdobrar essa complexidade e tomaremos como referência o ponto em que a teoria pierceana estabelece a correlação de equivalência entre os conceitos de signo e de representação.

Tal relação pode ser percebida por meio da célebre declaração de Peirce de que “não podemos pensar sem signos”, o que nos induz a concluir que é por intermédio da função de substituição (representação) presente na conceituação de signo que conhecemos e apreendemos a realidade. Podemos dizer que é impossível que a atividade psíquica se refira a algo que não seja representado, pois “o pensamento é o principal, senão o único modo de representação” (Peirce, 1977, p. 64).

Entretanto, devemos observar que a representação como signo, é um duplo do objeto e, enquanto tal, pode ser entendida de duas formas distintas: como mimese ou como sombra do objeto e do mundo. Segundo Lucrécia D’ Alessio Ferrara, essas diferenças no entendimento do processo representacional têm marcado a cultura contemporânea e (2007, p. 12). Da mesma maneira, serão importantes para o desenvolvimento das conceituações que nos propomos a realizar nesta pesquisa.

A primeira das formas de compreensão do processo representacional supõe a representação como única e mimética. Nesse

caso, a representação substitui o objeto, busca tornar-se idêntica a ele de modo indistinto. Essa visão leva a entender “o objeto e, por extensão, o mundo como fixos, únicos e estáveis” (Ferrara, 2007, p. 12). De modo inverso, na segunda forma de compreensão dos processos representacionais, a representação é entendida como sombra do mundo e de seus objetos. Para Ferrara, de acordo com essa acepção, a representação “constituiria uma forma de conhecimento de segunda mão, mas a única que permitiria apreender o constante movimento e transformação do mundo” (2007, p. 12).

O conceito de representação possui grande abrangência e vem sendo trabalhado há séculos, desde a escolástica medieval (Santaella, 1999, p. 15) e, em nossos dias, as ciências cognitivas e a semiótica discutem e utilizam tal conceito de modos diversos. Diante dessa enorme amplitude, compete-nos delimitar a esfera do uso de tal conceituação neste trabalho, pois escapa ao nosso escopo uma investigação direta sobre o tema, apesar de a idéia de representação permear todos os demais conceitos que caracterizam e definem nosso objeto de estudo, constituindo, inclusive, a própria gênese deste. Uma vez que estamos tratando de formas artísticas, é notório que “um dos aspectos primordiais da arte sempre esteve e continua estando na exploração, pesquisa e criação geradoras de novas formas de representação visual” (Santaella, 2005, p. 208).

Portanto, esclarecemos que pretendemos refletir sobre o processo de complexidade pelo qual tem passado a linguagem que denominamos caracterização visual de atores para, enfim, expor os modos de organização que permitem ampliar seu campo conceitual e definir o que entendemos por design de aparência de atores, assim como propor uma melhor adequação de uso para o termo figurino, tendo em vista verificar como esses

dois modos diversos de conceber aparências de atores interferem na construção comunicativa de diferentes meios que veiculam espetáculos.

É importante ressaltar que os trabalhos de caracterização visual de atores têm um modo próprio de concretização para cada meio em que se inserem. As tecnologias específicas de cada meio fazem parte dos códigos trabalhados por essa linguagem para construir a aparência dos atores, assim como o modo particular de recepção de cada tipo de espetáculo determinará os processos construtivos dessa aparência. Por essas razões, devemos estudar a natureza de cada meio, para podermos compreender a lógica construtiva dos trabalhos de caracterização visual que deram origem às aparências dos atores presentes em suas realizações artísticas.

1.3 Espetáculo

Teóricos do teatro contemporâneo como Hans-Thies Lehman (2007), por exemplo, discordam de classificar como espetáculo determinadas apresentações teatrais da atualidade, pois entendem que o “teatro de espetáculo” (2007, p. 176) refere-se mais adequadamente ao panorama teatral do século XIX, na Europa, época em que as pesquisas cênicas eram voltadas para desenvolver técnicas de efeitos de ilusão. Nesse tipo de teatro ilusionista, buscava-se um arrebatamento do receptor diante da espetacularidade da cena assistida, situação completamente diversa dos dias de hoje, em que as apresentações teatrais exigem a participação ativa do público que, muitas vezes, encontra-se imerso numa situação ou num acontecimento.

Lehman entende espetáculo como algo a ser assistido passivamente e procura criar outras expressões para designar uma apresentação teatral

dos dias de hoje. Assim, o autor aponta que: “Ao exercer seu caráter real de acontecimento em relação ao público, o teatro descobre sua possibilidade de ser não apenas um acontecimento de exceção, mas uma situação provocadora para todos os envolvidos” (2007, pp. 171-172).

Por outro lado, entendemos que, mesmo perante a situação cultural dos dias de hoje, em que se observa a proliferação de imagens geradas por diversos meios, o que acarreta numa hipertrofia do sentido da visão, contexto que, segundo alguns pensadores, se torna propício à alienação e ao consumismo irracional 2, afirmar a passividade do receptor é algo bastante

discutível. Isso ocorre porque o complexo ambiente informacional que os modernos meios de comunicação nos proporcionam torna impossível programar a recepção de qualquer obra. Assim, compreendemos que a visualidade funciona como um portal que se abre para um número desconhecido de caminhos a serem percorridos pelo receptor, como coloca Novaes: “o olhar consiste, pois, mais na faculdade de estabelecer relações do que na de recolher imagens” (2003, p. 14). Essa é uma idéia que perpassará todo este trabalho, como buscaremos demonstrar.

De modo abrangente, compreendemos espetáculo como tudo aquilo que se oferece ao olhar. Segundo Roland Barthes, “o espetáculo é a categoria universal sob as espécies pela qual o mundo é visto” (1977, p. 179). De acordo com Patrice Pavis esse termo é aplicado à parte visível de uma peça de teatro, como também a todas as demais formas de

representação, como a dança, a ópera, o cinema, a mímica, o circo, etc., sendo também utilizado para designar outras atividades que impliquem a participação de espectadores, tais como esportes, ritos, cultos e interações sociais (2001, p. 141).

2 Embora distante

do interesse desta pesquisa, cabe aqui uma menção ao pensamento de Guy Debord, expresso em seu livro A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2002.

A definição de Pavis interessa-nos, particularmente, pois leva em consideração diferentes formas artísticas que implicam diferentes modos de recepção, não necessariamente passivas. O autor cita as formas representacionais que, como o teatro, ocorrem diretamente diante de um público, outras que são dadas a conhecer por meio de uma transmissão técnica, como o cinema, por exemplo, e também aquelas que envolvem a participação do público, tais como as mencionadas interações sociais. O alcance de tal conceituação permite que possamos entender como espetáculo não apenas obras artísticas fechadas, que calculem os efeitos produzidos no receptor, como também aquelas abertas, que se completam apenas com a participação ativa deste.

Importa o fato de ambas as definições apresentadas, tanto a de Barthes, como a de Pavis, mencionarem a visualidade de uma cena como traço característico de um espetáculo. Essas são as razões pelas quais passaremos a utilizar o termo espetáculo para fazer referência a toda cena- evento-acontecimento-situação, de qualquer modalidade artística, que apresente atores em suas realizações e que tenha sido criada intencionalmente para ser vista e apreciada, de forma mais ou menos passiva, por, pelo menos, um receptor.