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Caracterizações e Definições

Capítulo 1 – Interpretações teóricas sobre a evolução do Terciário

1.2 Conceituação: caracterização, definições e classificações

1.2.1 Caracterizações e Definições

No que diz respeito à conceituação dos serviços já há praticamente um consenso entre os estudiosos do setor de que conceituar a atividade Terciária não atende mais aos princípios básicos teóricos que pré-condicionavam de forma genérica os diversos tipos de serviços. As quatro mais usuais pré-condições que tradicionalmente foram rigorosamente utilizadas para caracterizar e definir os serviços (simultaneidade, intangibilidade, não estocabilidade, pessoalidade) muitas vezes não são observadas nas atividades terciárias que assumiram novas características.

A possibilidade de armazenar serviços para o consumo posterior derrubou a pré-condição da simultaneidade, que estipulava a coincidência no tempo e no espaço da produção e do consumo como característica típica dos serviços. De forma que já podemos observar casos onde essa pré-condição não pode ser observada como, por exemplo, os dvd’s de vídeo locadora como alternativa ao cinema; os cursos gravados; serviços de consultoria ou assistência técnica gravados para consulta posterior, em softwares e outros.

Os exemplos acima também derrubam a pré-condição da intangibilidade, uma vez que as transformações tecnológicas das últimas décadas permitiram armazenar e acumular serviços em bens, fitas magnéticas, videotapes, disquetes, filmes cinematográficos, etc.; tornando-os, portanto, tangíveis.

Uma vez tangíveis tais serviços também podem ser estocados, o que por sua vez derruba a pré-condição da não estocabilidade, permitindo nesses casos o armazenamento desses serviços para consumo posterior. Assim, quando não se observa mais a condição básica desse preceito, uma vez prestado o serviço ele é guardado para consumo posterior, não havendo mais necessariamente a coincidência temporal do fornecimento do serviço e seu consumo. Isso exclui do consumidor a simultaneidade entre consumidor e fornecedor: a podendo assim dispensar, por exemplo, o consultor ou instrutor.

A possibilidade de estocar um serviço em um bem material (tangível), além de derrubar a pré-condição da simultaneidade também derruba o da pessoalidade (que condiciona a realização dos serviços à interatividade pessoal), como nos casos dos serviços prestados por máquinas de auto-serviços. Nesses casos o serviço além de estocado não depende de pessoas para ser prestado. A pré-condição da

pessoalidade também não é observada nos serviços obtidos via internet e até

mesmo por telefone, já que não ocorre uma interação pessoal completa. Os prestadores que atendem através de call center, por exemplo, não podem ser recontatados, visto que a cada vez que procuramos por esse tipo de serviço seremos atendidos pelo funcionário que estiver disponível; não sendo possível solicitar o atendimento do último funcionário que nos atendeu; tratando-se assim de um serviço basicamente impessoal.

No Quadro 1, a seguir, podemos visualizar em conjunto as fragilidades das quatro precondições tomadas como princípios básicos que tradicionalmente definiam um serviço.

Quadro 1 – Princípios tradicionais definidores dos serviços

Precondições Questionamentos Exemplos

intangibilidade

possibilidade de armazenar e acumular serviços em

bens materiais

bens, fitas magnéticas, videotapes, disquetes, filmes

cinematográficos, etc, pessoalidade

(condiciona a realização dos serviços à interatividade

pessoal)

possibilidade de prestar serviços através de máquinas de auto-serviços ou via internet e até mesmo

por telefone

internet, caixa eletrônico, máquinas de alimentos, call

center, etc. simultaneidade (coincidência no tempo e no espaço da produção e do consumo) possibilidade de consultas e usos posteriores

livros, fitas de vídeo; cursos, serviços de consultoria ou assistência técnica gravados

em softwares, disquetes, fitas magnéticas, etc. não estocabilidade armazenamento desses

serviços para consumo posterior

vários exemplos acima citados

Fonte: elaboração própria

O quadro acima facilita visualizar que os quatro tradicionais preceitos básicos muitas vezes não são observados em serviços que assumiram novas características. No centro dos questionamentos desses preceitos está a possibilidade de estocagem e consumo posterior, que direta ou indiretamente, acaba por derrubar a todos.

Assim, algumas das características básicas que condicionavam a classificação de determinada atividade como típica dos serviços e, portanto, pertencente ao setor Terciário já não são mais observadas.

As mudanças pelas quais passaram as atividades de serviço trouxeram novas caracterizações ao setor que tornaram inválidas quase todas as definições teóricas da atividade econômica terciária. Especialmente a forma mais usual de conceituação dos serviços que toma como referência os atributos anteriormente encontrados no setor, ou seja, o caráter intangível, não estocável, a simultaneidade e a interatividade pessoal.

Em definições mais aceitas já são encontrados os termos geralmente,

freqüentemente, principalmente, etc., precedendo os tradicionais atributos do setor,

quando esses são mencionados. KON (1999: 73) cita resumidamente, entre outras, uma definição, considerada por ela incompleta, encontrada na literatura econômica,

em que podemos ver isso: “Serviços são bens de consumo ou intermediários que

são principalmente intangíveis e são freqüentemente consumidos ao mesmo tempo que são produzidos. São usualmente intensivos em trabalho”.

Algumas das novas definições nem mesmo utilizam os termos intangibilidade,

inestocabilidade, simultaneidade e a interatividade pessoal. Já na década de 1970,

Peter Hill propôs uma definição da atividade terciária que não fazia referência às tradicionais características atribuídas aos serviços pela maioria dos economistas.

Para Hill, os serviços podem ser definidos como uma mudança na condição

de uma pessoa ou mercadoria, desejada ou solicitada por um agente econômico consumidor, cliente ou usuário detentor da realidade a transformar que recorre para tal a outro agente econômico (produtor ou prestador de serviços). Segundo Kon

(2004), a definição de Hill, desde então, tem sido amplamente retomada na literatura internacional. Provavelmente por se desviar dos atributos tradicionais não mais observados de forma generalizada nas atividades do Terciário. Gadrey (1999) ressalta que a definição de Hill descreve uma situação social dos serviços (uma relação social em torno de uma operação de ‘mudança de condição’), ao contrário das definições clássicas que focavam a natureza técnica do produto ou resultado, ou seja, sua relação com a materialidade.

Como registra Kon (2004), Dorothy Riddle também apontou problemas nas definições existentes baseadas nos atributos dos serviços. Por um lado, porque algumas características atribuídas aos serviços também podem ser encontradas em outras atividades econômicas, como intensidade em trabalho, simultaneidade entre produção e consumo, e, perecibilidade. Por outro lado, porque alguns serviços podem ser semiduráveis ou até mesmo duráveis e não perecíveis. Riddle (1986) cita os serviços profissionais e manutenção como exemplo de semiduráveis e pesquisa,

educação e governo como duráveis. Ela define os serviços como “atividades econômicas que proporcionam tempo, lugar e forma de utilidade que acarretam uma mudança no recipiente. Os serviços são produzidos por: a) produtor agindo para o recipiente; b) recipiente fornecendo parte do trabalho; e/ou c) recipiente e produtor criando o serviço em interação”. Ou seja, atividades que proporcionam utilidades de

tempo, lugar e forma, ao causarem uma mudança no usuário ou para o usuário do serviço.

Mas todas essas definições trazem traços nítidos da conceituação dos serviços já encontradas nos tratados teóricos clássicos, notadamente de J. S. Mill e Walras.

Da mesma forma que a conceituação dos Serviços vem evoluindo e sofrendo alterações frente às transformações do setor, evoluíram também suas classificações setoriais. Dado que as classificações do Terciário não contemplam de forma suficiente a diversidade de suas atividades.