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2 O SISTEMA DE COTAS NO ENSINO SUPERIOR PÚBLICO BRASILEIRO:

5.2 Aproximação Etnográfica com os alunos ingressantes em 2015

5.2.2 Carla e o movimento negro

Em conversa com o professor, ele me falou que queria me apresentar a uma aluna que participava do movimento negro e acreditava que ela poderia me ajudar em minha pesquisa, e por coincidência essa aluna estava presente na área de

convivência. Fomos até a menina e o professor apresentou-me, bem como a pesquisa que eu estava elaborando. Muito me chamou a atenção a própria aparência dessa aluna, pois ela estava com um turbante e adereços característicos da cultura africana. Tais impressões me fizeram supor que a aluna sentia-se confortável e orgulhosa em mostrar que era pertencente à cultura negra.

A aluna se apresentou como Carla, 22 anos, aluna de graduação. Ao saber sobre minha pesquisa, Carla ficou empolgada em poder me auxiliar de alguma forma. Eu, Carla e o professor conversamos sobre um episódio recente ocorrido na UFC. Tal episódio consiste na denúncia de um aluno do curso de Engenharia de Pesca, sobre ter sofrido atos de racismo nas redes sociais. Tal fato coloca em xeque que, na UFC, não teria racismo e que os negros estariam integrados aos outros alunos. Ao saber desse fato, me questiono se o sistema de cotas realmente está integrando tais alunos ao corpo universitário. Acredito que só poderei responder isso com um maior contato com os alunos. O professor se retirou da conversa para atender outra pessoa, e eu e Carla continuamos a conversar sobre o sistema de cotas e a questão racial. Contei a ela sobre minha experiência em Brasília e de como era feita a seleção para as cotas, antes da lei de 2012. Expressei a ela sobre o meu estranhamento que tal seleção era baseada na avaliação das características fenotípicas das fotos dos candidatos às cotas, e Carla discordou de mim, afirmando que era importante ter a valorização dessas características. Mas lhe questionei sobre os demais indivíduos que se veem como negros, porém não têm tão acentuadas tais características; seriam eles considerados menos negros? Ela me relatou que não se tratava dessa questão, mas sim do fato de valorizar as características negras. Diante disso, pergunto para Carla se tais características não são reconhecidas, e ela afirma que não e, no caso do Ceará, isso é mais evidente pelo fato da crença da não existência de negros.

Carla argumenta que: “[...] a ideia de não existir racismo na UFC muito tem a ver com o fato de achar que no Ceará não existem negros.” Perguntei a Carla se ela achava que, para os alunos da UFC, a aceitação de cotas oriundas de classe social desfavorável era mais aceitável do que as cotas raciais. Ela afirmou que isso é notório, pois a maioria das pessoas que discordam do segmento das cotas raciais, uma parte sente empatia pelas cotas sociais e as demais são contra qualquer tipo de cotas.

A criação das ações afirmativas de inclusão tem como um dos seus objetivos promover a diversidade dentro das universidades, mas tal processo ainda encontra diversos obstáculos. Em minha experiência com os alunos do curso de Gestão em Políticas Públicas, estes demonstraram naturalidade com os alunos advindos do sistema de cotas. Acredito que tal fato se deve à criação recente do próprio curso, que coincidiu com a própria implementação das cotas. Diferentemente desse caso, em curso mais antigos, como Direito e Medicina, foi revelado que ainda existe grande separação entre alunos cotistas e os demais, já que esses cursos tinham um padrão de alunos e, com a adoção das cotas, esse quadro se modificou.

Em todos os relatos proporcionados pelos alunos entrevistados, sempre identifiquei a importância da alteridade, mesmo que esse termo nunca tivesse sido dito por eles. O conceito da existência de olhar o diferente respeitando e preservando suas particularidades é uma ferramenta de vital importância para se desenvolver a diversidade dentro da universidade. Podemos afirmar que o sistema de cotas vai muito além de uma política pública, talvez essa ação afirmativa seja o começo de um real desenvolvimento de uma “política da diferença”. Porém, um dos obstáculos para o desenvolvimento desse olhar de alteridade é o fato de que a própria universidade não identifica e legitima essa diferença, isso pode ser percebido no próprio diálogo de que na universidade não existe preconceito.

A experiência junto com os alunos no curso de Gestão em Políticas Públicas forneceu dados de grande importância para a pesquisa. A partir do contato com esses alunos, pude perceber que a implementação da política de cotas realmente possibilita a inclusão de alunos que historicamente são marginalizados pela sociedade e, além desse fato, tal ação afirmativa possibilita uma realidade nova para a UFC, pois ela fomenta a diversidade dentro do espaço universitário. Pelo fato de o curso de Gestão em Políticas Públicas ter surgido no mesmo período da política de cotas, possibilitou que fosse criada, quase de forma natural, uma cultura da diferença.

6 A TRAJETÓRIA DE ALGUNS ALUNOS COTISTAS

Ao longo da pesquisa, foram selecionados três alunos de cursos diferentes, com o objetivo de construir e analisar suas trajetórias desde sua infância até sua vivência na UFC. Através dos relatos coletados, podemos compreender como funciona o sistema de cotas e sua importância para a vida desses alunos. Foram escolhidos alunos dos cursos de Gestão em Políticas Públicas, por ser um curso novo e coincidir com a implementação do sistema de cotas, de Medicina e de Direito, por serem dois dos cursos mais antigos e mais concorridos. A partir dessas experiências, podemos compreender a própria trajetória do sistema de cotas.

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