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2 O SISTEMA DE COTAS NO ENSINO SUPERIOR PÚBLICO BRASILEIRO:

4.2 O Grupo de Políticas de Ações Afirmativas GTPAA

Após a realização do primeiro GT referente ao debate da implementação do sistema de cotas na UFC, realizado em 2005, foi nomeada uma comissão de docentes que teriam a finalidade de proporcionar ações e debates referentes à temática. Como isso, foi criado o Grupo de Políticas de Ações Afirmativas (GTPAA), que, no ano de 2006, proporcionou diversos debates e seminários, a fim de possibilitar uma maior discussão sobre a temática na universidade.

[...] realizar o I Ciclo de Debates sobre Políticas de Ações Afirmativas na UFC e, após reflexões e amplos debates, propor, juntamente com as Pró- Reitorias de Extensão e Graduação as ações que irão constituir, a juízo do CEPE um programa de Políticas de Ações Afirmativas para a UFC. (Relatório Final do GTPAA, 2006)

No decorrer do ano de 2006, foram realizadas diversas reuniões e seminários fechados e abertos ao público, nos quais se discutiam a importância e as possibilidades da implementação das cotas. Tais eventos contaram com a vinda de professores oriundos de outras universidades que já viviam a realidade das cotas, como a UERJ e a UnB, a fim de proporcionar ao debate a visão daqueles que já vivenciam essa política pública.

Os participantes do GTPAA se pautaram nos dados obtidos no vestibular de 2005, verificando a discrepância de acesso à universidade entre brancos e negros.

O fator de grande importância para esses eventos é a participação não do corpo docente, mas também do corpo discente.

Todas as discussões sobre essa ação afirmativa foram baseadas na recomendação feita em 2005 pelo Ministério Público Federal do Ceará, que explanava a necessidade e importância do sistema de cotas para o ensino superior. No site do Ministério Público, podemos encontrar esta resolução:

Ministério Público Federal do Ceará. Procuradoria da República no Estado do Ceará. RECOMENDAÇÃO 15, de 30 de março de 2005.

Resolve:

Recomendar ao Magnífico Reitor da Universidade Federal do Ceará que empreenda todos os procedimentos administrativos necessários, no âmbito da UFC, para o estabelecimento, no exercício de sua autonomia universitária, de um programa de ações afirmativas de inclusão social e, notadamente, que estabeleça sistema de cotas, com percentuais de vagas reservadas ou de pontuação diferenciada, para o ingresso de candidatos oriundos de instituições públicas, assim como para negros, pardos, deficientes, indígenas, dentre outros grupos étnicos minoritários desfavorecidos, tudo isto em seu próximo Concurso Vestibular e que, para os candidatos portadores de deficiências físicas, além do sistema especial de ingresso, fundado nas políticas afirmativas elaboradas, sejam adotadas metodologias apropriadas de seleção destes candidatos (inclusive nas provas), em conformidade com a deficiência apresentada; [...]

Em suas atividades, o GTPAA contou com o apoio e a participação de outras universidade. Uma grande colaboração foi o Laboratório de Políticas Públicas da Cor (LPPCor), órgão extensivo da UERJ. O LPPCor tinha como finalidade visitar universidades brasileiras, a fim de incentivá-las a adotarem o sistema de cotas. Na UFC, a parceria com o LPPCor proporcionou a criação de oficinas com a temática das ações afirmativas de inclusão racial, mas tais iniciativas só foram destinadas ao corpo docente.

Já em 2006, o GTPAA entregou seu relatório final a respeito da possível implementação do sistema de cotas na UFC. Tal documento defende a adoção de 50% das vagas para alunos oriundos de escolas públicas, e desse grupo 40% seria destinado para pardos e negros, e o restante para indígenas. Diante disso, afirmamos que seriam destinadas 20% das vagas para os negros. No decorrer de doze meses, o GTPAA afirmou em seu relatório ser favorável à implementação do sistema de cotas, com o argumento de que os beneficiados poderiam ter iguais oportunidades com os demais. No dia 09 de agosto de 2006, o relatório final foi analisado pelas Resoluções do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE),

cujos conselheiros foram contrários ao relatório e afirmaram ser contra a implementação dessa ação afirmativa.

A justificativa que o CEPE apresentou foi a de que não existiria garantia de que o Ministério da Educação (MEC) iria financiar tal ação afirmativa, tal fato tornaria insustentável a implementação das cotas na universidade, já que é de suma importância que os alunos cotistas tenham tal apoio financeiro para que possam prosseguir na vida acadêmica. Outra justificativa é a questão da tramitação do Projeto de Lei nº 3.627/2004, que estabeleceria a obrigatoriedade da adoção do sistema de cotas para todas as universidades federais. Com isso, o CEPE afirmou que seria mais propício esperar o trâmite da lei e, nesse tempo de espera, a UFC iria se estruturar melhor para a implementação do sistema de cotas.

Um ponto analisado pelo CEPE e debatido pelo GTPAA é o fato de que a Lei que tramitava especificava que o sistema de cotas teria que ser pautado na análise de cada universidade sobre o perfil da demanda de seus alunos. Com isso, o CEPE afirmou que a UFC não conhecia o real perfil de seus alunos.

Em cada instituição de educação superior, as vagas de que trata o art. 1º serão preenchidas por uma proporção mínima de autodeclarados negros e indígenas igual à proporção de pretos, pardos e indígenas na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. (Artigo 2º, Lei nº 3.627/2004)

Diante desse fato, um dos personagens mais importantes no debate sobre o sistema de cotas, então Pró-Reitora de Graduação, a Professora Ana Iório destacou a importância da adoção do sistema de cotas e afirmou que, para que essa ação social seja implementada com sucesso, é de fundamental importância que exista um mapeamento da realidade social de cada universidade.

A Conselheira Ana Iório Dias, Pró-Reitora de Graduação, fez um longo pronunciamento dando o seguinte destaque: que as ações afirmativas deverão sempre existir, daí a relevância da discussão; [...] defendeu a· necessidade de a UFC se mobilizar para ações afirmativas internas, que dizem respeito também as garantias de condições de permanência dos alunos, como a infra-estrutura física (adaptações nos prédios escolares, acesso as bibliotecas, bibliotecas em braile), ressaltando a necessidade de os currículos, terem, nessa perspectiva da formação da cidadania, um trabalho de políticas afirmativas; [...] (Ata da 11ª Sessão Extraordinária do CEPE, 2005, anexo 3)

Tendo como base as palavras da então presidente do GTPAA, Célia Gurgel do Amaral, foi afirmado que a UFC se mostrava muito aberta para as cotas

destinadas aos deficientes e aos indígenas, porém, quando o assunto era a garantia de direitos para os negros, encontramos diversas barreiras por parte dos gestores da universidade. Para a presidente, foi incompreensiva a negativa dos conselheiros do CEPE perante a adoção do sistema de cotas.

[...] em seu longo pronunciamento, lembrou que a temática desta reunião era a política de ações afirmativas, mas que, no entanto, a discussão colocara a questão das cotas, sempre pensada para afrodescendentes, isto é, se seria permitido ou não a entrada de negros na Universidade; declarou não se sentir bem, em ver que em pleno século XXI, este Colegiado precisava tomar uma decisão, se esses cidadãos deviam ou não entrar na Universidade; [...] confessou que se sentia nesta reunião, como se a abolição da escravatura estivesse sendo discutida, com as devidas proporções, como se houvesse uma negação à participação, à entrada do negro na Universidade. (Ata da 11ª Sessão Extraordinária do CEPE, 2005, anexo 3)

Em suma, sobre esse período, anterior à implementação das cotas, mesmo que não tenham obtido sucesso em concretizar a implementação do sistema, a criação do GT e do GTPAA foi de imensa importância, pois a partir deles foram introduzidos debates relacionados à questão racial e à diversidade dentro do espaço acadêmico. Percebi que, antes da existência desses grupos de trabalho, tais assuntos referentes às ações sociais na UFC eram pouco abordados, muito pelo fato de que muitos acreditarem que tais ações não se faziam necessárias.

Com base no contato que obtive com os debates que antecederam a implementação das cotas na UFC, percebi que tal temática é apenas um ponto da complexidade das ações afirmativas que já haviam e foram implementadas na universidade. O debate de contas está inserido dentro da temática de inclusão na universidade. Diversas atuações merecem destaque no desenvolvimento das ações de inclusão, como a criação de cursos pré-vestibulares para alunos socialmente desfavorecidos, a expansão da universidade para regiões do interior do Ceará, a criação da Unilab, bem como o desenvolvimento de ações de inclusão para os deficientes. Esta última se tornou um dos marcos das ações de inclusão, tendo proporcionado a criação do curso de graduação de Letras em Libras.

A partir dos debates realizados tanto no GT de 2005 como no GTPAA de 2005/2006, questões como a classificação racial e a própria diferença entre cotas raciais e cotas sociais foram temas abordados. Apesar de o CEPE ter recusado o pedido de implementação das cotas em 2006, esses debates proporcionaram maiores informações sobre a importância e justificativa da adoção dessa ação

afirmativa. Antes da criação desses grupos de trabalho, temas relacionados à questão racial, à diferença de preconceito de raça e de origem e à própria necessidade de ações afirmativas de inclusão não eram debatidos dentro do espaço universitário. Um dos principais legados desses grupos de trabalho foi o pioneirismo e a popularização da discussão desses temas.

5 A EXPERIÊNCIA COM OS ALUNOS COTISTAS E SUAS TRAJETÓRIAS

Este item aborda o contato com o campo de estudo com alguns professores e a participação nas aulas da disciplina de Antropologia e Políticas Públicas. A experiência com os professores possibilitou um dos primeiros contatos com a questão das cotas na atualidade. Através desse contato, foi possível obter dados referentes ao começo da implementação das cotas na UFC e como elas funcionam, bem como a visão do corpo docente perante essa nova realidade.

Inicialmente, optei por estudar os alunos dessa disciplina, pois estes fazem parte de um curso surgido quase que simultaneamente com a implementação do sistema de cotas na UFC e por esses alunos se caracterizarem como alguns dos primeiros alunos cotistas da UFC desde a adoção da Lei de Cotas.

A experiência junto a esses alunos possibilitou a coleta de dados de suma importância para o entendimento sobre a política de cotas e seu impacto perante os alunos e a universidade. A fim de identificar o perfil dos alunos cotistas dessa disciplina, foi utilizada a realização de questionários para identificar características específicas de cada aluno e semelhanças entre eles.

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