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2.3. Além da Marcha

2.3.1. Carla Pereira “Braids”

Uma amiga me passou o contato de uma negra chamada Carla Pereira, dizendo que ela também se encontrava em transição e trabalhava com entrelaçamentos.

Entrei em contato com Carla pela internet, especificamente pela rede social facebook, explicando porque eu estava querendo conversar e visitá-la. Para a minha alegria, a primeira mensagem que me enviou foi bem animada e receptiva em participar da pesquisa. Endereço mandado, telefones trocados e hora marcada para segunda feira, dia 24 de abril de 2017, a partir das 9 horas. Carla tinha cliente marcada para as 10 horas, pedi permissão para chegar antes para conversar um pouco com ela, mas graças aos transportes públicos (porque me foi necessário 2 ônibus), cheguei 9 horas e 48 minutos em seu edifício. Ao abrir a porta do edifício sou recepcionada por uma jovem, negra, aparentando ter no máximo 25 anos, com tranças vermelhas em formato de coque em sua cabeça e uma simpatia que automaticamente me fez sorrir e sentir que não éramos pessoas estranhas uma para a outra.

Ao entrar em seu apartamento, fui direcionada para uma pequena peça após a sala, vejo um espelho, parede amarela, cadeira preta de salão de beleza, duas prateleiras na parede amarela, a prateleira da esquerda estava com alguns cremes, pentes e escovas, todas muito bem organizadas e limpas. À direita, onde havia a segunda prateleira, estava um notebook tocando louvores cristãos evangélicos (reconheço facilmente por ser da mesma linha religiosa que sigo) e encontro um desenho em lápis em um papel branco posicionado em pé, como se estivesse exposto. Logo percebi que era o tipo de desenho feito por tatuadores, e logo acima dessa prateleira havia outra, mas um pouco menor, com mais itens próprios de tatuadores.

Sentei-me no sofá que estava ao lado da porta, que fica de frente à parede amarela, enquanto a Carla sentava na cadeira que estava à direita da sala e onde havia os itens para tatuagens. Ao lado do sofá que sentei havia uma maca de massagem aberta com as extremidades para baixo, deixando

apenas a parte central elevada e servindo como uma segunda mesa. Ali estava uma bíblia aberta e um quadro de formandos em Educação Física pela Universidade Anhanguera, onde a fotografia de Carla estava integrada.

Expliquei o porquê e como entrei em contato com ela, o que eu estava pesquisando, o que eu estaria fazendo enquanto conversávamos e o que eu iria fazer depois com minhas anotações e a gravação. Ela, muito simpática, consentiu assim que contei que fui informada que ela se encontrava em transição, ao mesmo tempo o tom de minha voz era um pedido para ela me confirmar a informação. Logo foi contando que o motivo da sua transição foi a gravidez da filha que estava com 3 anos.

Carla tinha 24 anos e trabalhava com braids12, morava com o marido e a

filha em um apartamento no bairro Areal, começou a fazer as tranças aos 13 anos, sozinha, nela mesma, após ver o que poderia fazer, começou a trançar também as amigas.

Relembrando as sensações que sentia enquanto conversava com Carla, algo que me incomodou bastante no momento foi a forma como eu falava com ela. Minha fala era muito pausada, porque eu escolhia demais as palavras por pensar demais se o que eu estava falando fazia sentido, porém, é uma maneira de falar que adquiri por causa das minhas relações dentro da Universidade e que eu não queria ter naquele momento. Por mais que eu cuidasse a forma como eu dizia e o que eu dizia – até porque, eu não queria que fosse uma entrevista formal, mas sim mais como uma conversa entre amigas – mais eu demorava para dizer minhas palavras, e nesse momento eu percebi explicitamente o quanto o campo acadêmico me condicionou a ter outros comportamentos para ser “aceita”. Em contraposição, Carla falava com nenhuma palavra trancada, contando sobre a sua vida, rindo, fazendo algumas caretas, mas sempre muito espontânea, sem se preocupar muito com o que estava me dizendo.

Nossa conversa em poucos minutos teve a presença de uma terceira pessoa, sua cliente, que foi integrada à situação etnográfica, que transcorreu durante as 4 horas em que realizou o entrelaçamento.

12 O termo em inglês significa “tranças”. No facebook o segundo nome de apresentação da Carla está como “Carla Braids”.

Carla é de Pelotas, morou a maior parte de sua vida no bairro Simões Lopes, mas havia se mudado para o Areal junto com sua família. Em meio às nossas conversas, lembrou-se de muitas cenas que havia passado com o cabelo e concluiu que estava em sua terceira transição capilar, passando por químicos como henê, e progressivas.

2.3.2. “Cliente”

A Cliente chegou no salão cumprimentando a todos, ao me ver sentada disse: “oi, tudo bem?” e logo voltou sua atenção para a trancista, mostrando os vários sacos de cabelos sintéticos que trouxe e questionando se eram suficientes, os cabelos eram da cor preta com ondulações e um certo brilho que não se obtém nos cabelos naturais tão facilmente. Carla confirma que a quantidade é suficiente e pede para a cliente sentar na cadeira que estava à frente do espelho, do lado esquerdo da sala.

A Cliente mostra um black power desgrenhado puxando com as mãos, o cabelo estava em um tamanho médio (não use como parâmetro o comprimento de um cabelo liso para entender o “tamanho médio” para um cabelo crespo, nem mesmo eu sei explicar de forma que pessoas não negras visualizem isso, apenas tenham em mente que é um black power ).

Vou mantê-la sob opseudônimo de “Cliente” durante minha narrativa etnográfica, pois não pedi permissão formalmente para usar o seu nome, apesar de estar registrado no gravador o quanto ela ficou feliz em saber o que estava ocorrendo ali.

A Cliente é moradora do bairro Santa Terezinha e trabalhava no supermercado Maxxi13, mas naquele período estava de férias.

Ela tinha a pele bem escura, um tom de pele para o qual raramente se encontra produtos de maquiagem. Diferente de Carla, ela só foi usar química em seus cabelos no segundo ano do ensino médio, aplicando permanente sobre os cabelos. Há uns 4 anos que não faz mais a aplicação e usa o entrelaçamento para ajudar a sair o produto dos fios, pois ajuda no crescimento

dos cabelos e acredita que no momento do pentear os cabelos naturais, a parte com química acabava saindo.