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M. Jacotot apreciava o zelo do Conde. Mas, viu-se rapidamen- te obrigado a denunciar suadistração. Pois que se tratava, sem dúvi- da, de uma, e das mais estranhas, para quem aplaudia a idéia de eman- cipação, ir submetê-la à aprovação de uma Sociedade dos Métodos.

Lastevrie,Résumé de la métbode de Penseignemeet universe/ d'aprè3' Al Jacotot, Paris,

1829, p.XXVII-XXVIII.

O emancipador esuas imitações

Com efeito, o que é uma Sociedade dos Métodos? Um areópago de espíritos superiores que obram pela instrução das famílias e, para tan- to, buscam selecionar os melhores métodos. Isso supõe, evidentemen- te, que as familias são incapazes de selecioná-los por si próprias —já que, para tanto, seria forçoso que elasjá fossem instruídas. Nesse caso, elas não mais precisariam que alguém as instruísse. E, nesse caso, elas não mais teriam necessidade da Sociedade — o que é contraditório com a hipótese. "É um velho truque, o das sociedades eruditas, ao qual todos sempre foram e provavelmente sempre estarão cegos. Impede- se o povo de se dar ao trabalho de examinar. A Revista se encarrega de ver, a Sociedade se prontifica ajulgar; e, para dar-se o ar de importân- cia que impressiona aos preguiçosos, jamais se louva, jamais se repro- va, nem de mais, nem de menos. Pois, a admiração entusiástica sempre anuncia um pequeno espírito: louvando-se ou reprovando-se comedi- damente, além de se conquistar uma reputação de imparcialidade, con- quista-se, ademais, um posto acima daqueles que sãojulgados; vale-se mais do que eles e com sagacidade se distinguiu o bom do medíocre e do péssimo... O relatório é uma excelente explicação embrutecedora que não pode deixar de fazer sucesso. Aliás, nele se invocam pequenos axiomas com os quais se recheia o discurso: nada há de perfeito... É

preciso desconfiar dos exageros... O tempo é que deverá sancionar... [...] Um dos personagens toma a palavra e diz: — Meus caros, estabe-

lecemos entre nós que todos os bons métodos passariam por nosso crivo e que a Nação Francesa confiaria nos resultados que sairiam de nossas análises. As populações dos diferentes Departamentos de Fran- ça não podem ter sociedades como a nossa para dirigi-las em seus julgamentos. É bem verdade que há, aqui e ali, em certos centros, alguns pequenos crivos; mas o melhor crivo, o crivo por excelência, só em Paris pode ser encontrado. Todos os bons métodos disputam entre si a honra de serem depurados, verificados em vosso cadinho.

Somente um tem o direito de se revoltar; mas nós o dominamos e ele passará por aí, tanto quanto os outros. A inteligência dos membros é o vasto laboratório onde se analisam legitimamente todos os méto- dos. Em vão, o Universal se debate contra nossos regulamentos, que nos concedem o direito de julgá-lo, tal como faremos."'

CoieC,Ao"EDUCAGAO' Ea4fRÚNOAeSENiIDO"

Não se pense, no entanto, que a Sociedade dos métodos tenha julgado o método Jacotot com malevolência. Ela compartilhava as idéias progressistas de seu presidente e soube reconhecer tudo o que havia de bom nesse método. É bem verdade que algumas vozes sar- cásticas se ergueram no areópago de professores, para denunciar essa maravilhosa simplificação oferecida ao ofício de ensinar. E é bem ver- dade, também, que alguns espíritos permaneceram céticos diante dos "curiosos detalhes" que seu "incansável presidente" havia relatado de sua viagem. Fora da Sociedade, outras vozes ecoavam, denunciando a encenação do charlatão, as visitas cuidadosamente preparadas, as "im- provisações" aprendidas de cor, as composições "inéditas" , copiadas das obras do Mestre, os livros que se abriam sozinhos nos lugares certos. Ria-se, igualmente, do mestre ignorante de violão, cujo aluno havia tocado uma música completamente diferente daquela que tinha

sob seus olhos9Mas os membros da Sociedade dos métodos não eram

homens de acreditar apenas em palavras. M. Froussard, cético, foi verificar o relato de M. Lasteyrie e voltou convencido. M. Boutmy verificou o entusiasmo de M. Froussard e, em seguida, M. Baudoin o de M. Boutmy. Todos voltaram convencidos. Mais precisamente, eles voltaram todos convencidos do progresso eminente que representa- va esse novo método de ensino. Mas eles não se preocuparam nem um pouco em anunciá-Io aos pobres, em por meio dele instruir os próprios filhos, nem em empregá-lo para ensinar o que ignoravam. Eles reivindicaram sua adoção pela Sociedade, na escolaortomática que essa organizava a fim de demonstrar concretamente a excelência dos novos métodos. A maioria da Sociedade, tanto quanto M. Las- teyrie, se opuseram a isso: a Sociedade não podia adotar um método, "excluindo todos os outros métodosjá propostos ou a serem propos- tos ainda". Se o fizesse, ela estaria "prescrevendo limites para a per- fectibilidade" e destruindo aquilo que se constituía em sua fé filosó- fica e razão de ser prática: o aperfeiçoamento progressivo de todos os bons métodos passados, presentes e futuros.1' Assim, ela rejeitou

esse exagero, mas, imperturbavelmente serena e objetiva, concedeu ao ensino do método Jacotot uma sala da escola ortomática.

"CERemarques sur la méthode dr d1. Jarotol, Bruxelas, 1827 e L'Uuirersnéprotegée Jar

Pr/ minedes disdplrs de Joseph Jacotol, Paris e Londres, 1830.

"'Journald'éducation el d'instruction, I Ve année, p. 81-83 e 264-266.

O emancipador e suns imitações

Nisso consistia toda a inconseqüência de M. de Lasteyrie: no passado, não lhe havia ocorrido convocar uma comissão para apreciar o valor dos carneiros merino ou da litografia, ou ainda estabelecer um relatório sobre a necessidade de importar uns e outros. Ele havia to- mado a iniciativa de importá-los, testando-os em seu próprio benefí- cio. Mas, para a importação da emancipação, ele havia procedido de maneira bem diferente: tratava-se, segundo ele, de uma questão públi- ca, a ser considerada em sociedade. Essa infeliz distinção repousava em uma não menos infeliz identificação: ele havia confundido o povo a instruir com um rebanho de carneiros. Os rebanhos de carneiros não se conduzem por si sós, ele pensara que o mesmo se passava com os homens: é claro que era preciso emancipá-los, mas cabia aos espíritos esclarecidos fazê-lo e, para tanto, eles deveriam compartilhar suas lu- zes, de modo a encontrar os melhores métodos, os melhores instru- mentos de emancipação. Para ele, emancipar queria dizer substituir as trevas pela luz; ele havia pensado que o método Jacotot era um méto- do de instrução como todos os outros, um sistema de iluminação dos espíritos, a ser comparado aos outros; uma invenção sem dúvida exce- lente, mas de mesma natureza que todas as que propunham, semana após semana, um novo aperfeiçoamento para a instrução do povo: o panlexígrafo de Bricaille, o citolégio de Dupont, a estequiotécnica de Montémont, a estereometria de Ottin, a tipografia de Painparé e Lupin, a taquigrafia de Coulon-Thévenot, a estenografia de Fayet, a caligrafia de Carsteairs, o método polonês de Jazwinski , o método galiano, o método Lévi, os métodos de Sénocq, Coupe, Lacombe, Mesnager, Schlott, Alexis de Noailles e cem outros, cujas obras e memórias atluíam para os escritórios da Sociedade. A partir daí, tudo estava dito: Sociedade, comissão, exame, relatório, Revista, há pontos positi-

vos e negativos, o tempo é que deverá sancionar, nec probatis nec improbatis e, assim, até a consumação dos tempos.

No caso de melhorias agrícolas e industriais, M. de Lasteyrie agira à maneira do Ensino Universal: ele havia observado, comparado, refle-

tido, imitado, testado, corrigido por si próprio. Mas, quando se tratou

de anunciar a emancipação intelectual aos pais de família pobres e ig- norantes, ele sedistraira, esquecera-se de tudo. Ele traduzira igualdade por PROGRESSO e emancipação dos pais de famílias pobres por INS- TRUÇÃO DO POVO. Para se ocupar desses seres de razão, dessas

COLECAO"EDUCACAO: EXPERIENCIA E SENTIDO"

ontologias, era preciso a intervenção de outros seres de razão, de cor-

porações. Um homem pode conduzir um rebanho de carneiros. Mas, no caso do rebanho POVO, era preciso um rebanho chamado SOCIE- DADE ERUDITA, UNIVERSIDADE, COMISSÃO, REVISTA etc., em resumo: embrutecimento, a velha regra da ficção social. A emanci- pação intelectual pretendera deixá-la para trás; no entanto, ei-la que ressurge em seu caminho, erigida em tribunal encarregado de triar, em seus princípios e exercícios, aquilo que convinha ou não às famílias, julgando em nome do progresso, ou, mesmo, da emancipação do povo.