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Fonte: BRASIL. Carta Corográphica do Império do Brazil, dedicada ao Instituto Geográphico e Histórico Brasileiro pelo Coronel Engenheiro & Socio effectivo, Conrado Jacob de Niermeyer ..., Lithographada no Estabelecimento de Heaton & Rensburg, Rio de Janeiro, 1846. In: BIBLIOTECA NACIONAL DIGITAL. Biblioteca digital luso brasileira. Disponível em: http://bdlb.bn.gov.br/acervo/handle/123456789/21183. Acesso em 10 de out. 2017.

A carta original é uma litografia que mede 1,50 m de altura por 1,50m de largura, numa escala de 1:3.000.000. Seu tamanho natural permite visualizar aspectos geográficos significativos. De acordo com Renato Amado Peixoto221, essa era uma das intenções que fizeram parte do projeto de impressão da carta, cuja finalidade era a de evidenciar detalhes “dignos de atenção”, dentre esses, aqueles relativos à hidrografia. Embora o curso dos principais rios estivesse determinado na Carta, a passagem navegável do rio Orinoco ao Negro ainda não era conhecida e o rio Madeira corria por terras ocupadas por nações de nativos agressivos, conforme estava registrado no mapa.222. Ainda que fosse possível desenvolver a navegação pelos afluentes do corredor fluvial principal, levaria muito tempo até que as rotas se tornassem apropriadas. Era preciso formar expedições de reconhecimento, lidar com os nativos e fundar lugares que pudessem ser portos de cabotagem.

Quando analisamos a Carta Corográfica de 1846, verificamos que o trecho entre os rios Orinoco e o Negro tem a indicação de alguns afluentes comuns aos dois rios, inclusive o canal Cassequire, mas haviam poucos marcos de lugares estabelecidos, como fortes e vilas, sugerindo que a região era pouco explorada. Vimos abaixo da linha limítrofe com a república Colombiana223, no lado brasileiro, o Forte de Marabitanas, e, acima, o curso do rio Orinoco. Um grande empecilho para cruzar do rio Orinoco ao rio Negro era o relevo, marcado na carta com tênues linhas onduladas e pelos fortes traços sombreados, que indicam a cadeia montanhosa. Mesmo que os cartógrafos tenham identificado cursos d’água naquela região, a carta indicava que se deveria supor a existência de cachoeiras ou corredeiras. Os afluentes foram grafados com uma linha mais fina, diferentemente dos rios que já eram navegados na região, como o Negro, o Amazonas, o Solimões, distinguíveis por sua extensão e espessura do traço. Essa nuance também pode indicar a grandiosidade dos rios conhecidos da região, já que

221 PEIXOTO, Renato Amado. A carta de Niemeyer de 1846 e as condições de leitura dos produtos cartográficos,

in: Anos 90: Revista do programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul,

v. 11, n. 19/20, Porto Alegre, jan-dez . 2004, p. 299-318. Disponível em: http://www.seer.ufrgs.br/index.php/anos90/article/view/6359/3810. Acesso em: 11 de out. 2017.

222 Especialmente os índios chamados de “purupurus”, registrados na margem esquerda do rio Madeira eram desconhecidos pelo governo do Rio de Janeiro, embora tivessem sido feitos contatos no período colonial e durante a Regência. No mapa que consultamos consta que, à margem direita do rio Amazonas, vivam várias tribos “em grande parte domesticadas Jummas, Maubis, Pammas, Parintintis, Muras, Andiras, Araras, Mundrucus e outras”. Cf. BIBLIOTECA DIGITAL LUSO BRASILEIRA. Carta Corográphica do Império do Brazil, dedicada ao Instituto Geográphico e Histórico Brasileiro pelo Coronel Engenheiro & Socio effectivo, Conrado Jacob de Niermeyer ..., Lithographada no Estabelecimento de Heaton & Rensburg, Rio de Janeiro, 1846. Disponível em: http://bdlb.bn.gov.br/acervo/handle/123456789/21183. Acesso em: 10 de out. 2017.

223 A linha demarcava a pretensão de limites com a República da Venezuela. Aparentemente, o organizador da Carta, Conrado Jacob Niemeyer, ainda se orientava pela unidade territorial e política promovida por Simon Bolívar para formar a Gran-Colômbia, apesar de já estar dissolvida desde a década de 1830.

o mapa foi confeccionado sob o espírito do enaltecimento da nação.224

A carta também representa os limites da Província do Mato Grosso com a Província do Grão Pará, demarcada pelo curso do rio Madeira. Note-se que não foram grafados os limites entre o Grão-Pará, a Bolívia e o Peru225. A cartografia da América do Sul ainda dependia da realização de expedições para que fosse aperfeiçoada. Em geral, as informações sobre a navegabilidade dos rios e sua extensão, bem como os acidentes geográficos de seus percursos careciam de detalhamento. Sobre a região amazônica, sabia-se de sua exuberância natural e da grandiosidade de seus principais rios, explorados no período colonial. A imprecisão das cartas existentes e a especulação a partir de observações realizadas por viajantes estrangeiros, conduziam à elaboração de teses sobre a utilização dos rios para estabelecer rotas comerciais promissoras na América do Sul, mas todas elas passavam pelo território brasileiro.

Qualquer que fosse o caminho pretendido pelos Estados Unidos da América para chegar aos portos do Pacífico e ao interior das republicas sul americanas, havia de se negociar com o Império do Brasil, que dominava a maior parte da costa Atlântica da América do Sul, as nascentes do Prata, o curso e a foz do Amazonas. Além disso, o Brasil perdera a Província Cisplatina, mas apoiou a formação de uma república independente, na qual tinha atuantes seus próprios negociantes, o que assegurava ao Brasil sua posição ao sul. Atrelado ao reconhecimento da independência do Brasil, os Estados Unidos reconheciam a soberania brasileira sobre o território herdado de Portugal e, em 1828, os interesses de manter relações comerciais e diplomáticas com o Brasil fizeram com que fosse assinado um tratado de comércio e navegação. Já nos anos finais do exercício de José Silvestre Rebello, havia se tornado evidente que manter um diplomata junto ao Império era importante para garantir a comunicação com os países do Prata e apoiar as embarcações que trafegavam ao largo da costa em direção ao Pacífico.

Oficialmente, o governo de Washington não fez ou indicou qualquer movimento

224 Nossa interpretação do traçado do mapa se apoiou nos estudos de Renato Amado Peixoto sobre a cartografia de Conrado Jacob Niemeyer, que organizou a elaboração da Carta Corográfica do Império do Brasil de 1846. A carta resultou da confluência de várias cartas existentes, de origem europeia, adicionada das informações que chegavam das viagens e reconhecimentos feitos por funcionários do Império. Nesse sentido, interpretamos que o mapa não apenas indicava o conhecimento cartográfico que o Império tinha de sua hidrografia, mas o conjunto de informações geográficas que circulava à época entre as nações que tinham a tradição de comercializar no mercado Atlântico: Inglaterra, França e os pioneiros países ibéricos. Cf. PEIXOTO, op. cit.

225 É importante notar que o Pará fazia fronteira com a Bolívia. Em geral, os problemas de fronteira com a Bolívia e o Império são referenciados nos conflitos que envolviam a Província do Mato Grosso e a navegação da Cisplatina. Entretanto, as divergências entre Brasil e Bolívia se estabeleceram na região noroeste do Mato Grosso e no território que atualmente corresponde ao estado de Rondônia. As questões de navegação envolveram o rio Madeira, como alternativa para tirar a Bolívia da situação de isolamento comercial, já que ficou sem saída para o mar depois que foram deflagradas as disputas territoriais na América do Sul.

diplomático que demandasse a abertura do Amazonas. Os projetos de navegar o rio Amazonas eram de autoria de particulares, os quais faziam circular nos jornais dos Estados Unidos suas ideias e a indignação a respeito da interdição de navegação do rio Amazonas por parte do Império do Brasil. Fernando Sabóia de Medeiros226 informou, em seus estudos, que o assunto circulava nas conversas informais entre os diplomatas norte-americanos e brasileiros, embora não tenha sido oficializado. Entretanto, se não haviam negociações com o Brasil, os interesses comerciais cresciam por parte dos países vizinhos, Peru e Bolívia, que eram instigados a pleitear a navegação do rio Amazonas ao Brasil, acentuadamente nas décadas de 1840 e 1850.

A geografia brasileira inspirava projetos de exploração da América do Sul. Enquanto a Bacia do Prata era amplamente conhecida e disputada, a Bacia Amazônica permanecia incógnita. A correspondência diplomática227 que consultamos indicou que os emissários do Império observavam os movimentos políticos das nações e traçavam hipóteses de atuação do governo imperial para garantir a posição do Brasil no cenário que se formava. Silvestre Rebello percebeu muito cedo o modo como os Estados Unidos da América se preocupava com a posição do Brasil na América do Sul e os interesses que tinham seus negociantes nas duas bacias hidrográficas. Para Sabóia de Medeiros, a estratégia norte-americana era cooptar os países banhados pelos rios amazônicos, de modo que fosse de seu interesse forçar a negociação da navegação do rio Amazonas com o Brasil. O governo de Washington mandava especular sobre viabilidade dos negócios de seus cidadãos com o mercado amazônico, sem que isso implicasse em entrar em divergências diretas com o Brasil. O modelo monárquico brasileiro era considerado um grande empecilho para a abertura do mercado sul-americano, mas as relações entre os dois países eram importantes para manter a navegação pela costa Atlântica.

A posição geográfica do Brasil em relação às duas bacias hidrográficas punha o Império em exigências de acordos de navegação fluvial com as repúblicas vizinhas, no início dos anos de 1840 e havia de ser decidida uma doutrina política que os norteasse. Por um lado, detinha as nascentes dos rios que engordavam a rota do Prata; de outro, o Amazonas que corre integralmente em seu território, mas tem suas nascente e grandes afluentes nas repúblicas Andinas: o grande Solimões, que nasce no Peru, onde é chamado de Marañon; o rio Madeira, que nasce na Bolívia, onde é chamado de Beni; o rio Purus e o rio Juruá, ambos com nascente no Peru e que cortam o atual estado brasileiro do Acre. Estes dois últimos rios correm em

226 MEDEIROS, op. cit., 1938.

227 A afirmação resultou do cruzamento das informações coletadas na correspondência de Jose silvestre Rebello com aquela produzida por Duarte da Ponte Ribeiro, Encarregado dos Negócios Estrangeiros no Peru e na Bolívia, no período de 1829 a 1831 e 1836 a 1839.

paralelo ao rio Madeira e fora importante área de extrativismo para as Missões religiosas espanholas.

A discussão sobre as fronteiras da Amazônia Ocidental envolveu as disputas entre as repúblicas hispânicas pelo acesso a portos marítimos, o que era condição para manter relações comerciais com as nações europeias. Peru e Bolívia foram os países que se tornaram o centro dessa contenda. Eram dependentes da Bacia do Prata para ter acesso ao Atlântico e seus portos no Pacífico não prosperavam.

A antiga Província do Grão-Pará se estendia na direção oeste, onde os rios Purus e Juruá desciam por terras não delimitadas entre Brasil, Peru e Bolívia. Eram lugar das Missões Jesuíticas do Padre Fritz, encarregado pela Coroa espanhola para a catequização dos índios e seus litorais ficaram abandonados depois da cisão entre as Metrópoles Ibéricas e a Ordem católica. Foi esse estado de abandono que deu origem à discussão sobre as fronteiras, a definição de limites e os direitos de navegação da bacia amazônica, no processo de formação das repúblicas latino-americanas. As negociações entre Brasil e Peru foram objetos de estudos sobre o controle do território amazônico, principalmente para os autores ligados à história da diplomacia brasileira; enquanto que os conflitos entre Brasil e Bolívia foram tratados partir das contendas estabelecidas nas fronteiras da Província do Mato Grosso, no contexto das disputas do Prata. Mas nesse trabalho, propomos a discussão sobre os litígios entre a Bolívia e o Brasil sob o enfoque das fronteiras a oeste do Grão-Pará, cujo território foi desmembrado e transformado na Província do Amazonas.

Os afluentes da margem direita do corredor principal da Bacia Amazônica passaram a ser cogitados como possibilidades de resolução dos problemas enfrentados pelos países andinos acerca da saída para o oceano. A região era extensa e seus rios desconhecidos pelos governos centrais, à exceção do rio Madeira que era de difícil navegação. O rio Juruá liga o interior do Peru ao rio Solimões, o que viabilizaria a saída pelo porto de Belém. O rio Purus foi cogitado como um trajeto alternativo às dificuldades de regular a navegação pelo rio Madeira, onde as cachoeiras impediam a navegação. Ambos os cursos fluviais se tornariam importantes para a integração política e comercial entre Brasil, Bolívia e Peru e, ao fim do século, lugar de extração da borracha.

Na página seguinte, apresentamos o mapa dos afluentes da margem direita do rio Amazonas que cruzam as fronteiras com os dois países andinos, destacando o curso dos rios Juruá e Purus, situados na região de conflitos de fronteira

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