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Fonte: elaborado pela autora e confeccionado pela responsável técnica a partir dos dados da AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS (ANA). Plano estratégico de recursos hídricos dos afluentes da margem direita do rio Amazonas: resumo executivo. Brasília: ANA, 2012. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1oejTVGKHiO0cKZk66SrynE6DbVRfXL3N/view. Acesso em: 05 de mai. 2018.

Como podemos perceber pelo mapa, o curso dos rios Juruá e Purus correm em paralelo, atravessando justamente o território que não estava delimitado entre Brasil, Bolívia e Peru, situação ilustrada na Carta Corográfica de 1846 que mostramos algumas páginas acima. As nascentes desses rios e seus afluentes estavam no centro das disputas territoriais entre Colômbia, Peru, Equador e Bolívia. Os conflitos estavam ligados às guerras de independência e as sucessivas tentativas de unificar o antigo Vice-reino do Peru, empreendidas por Simon Bolívar. Além disso, Peru e Bolívia ensaiaram a formação de uma Confederação, entre 1836 e 1839, sob a liderança de Andrés de Santa Cruz, que desencadeou uma longa discussão sobre as fronteiras do Mato Grosso e iniciou uma campanha para que a navegação pelo Beni e o Madeira fosse considerada um direito natural da Bolívia.

Essa conjuntura tornou propícia as intenções dos negociantes norte-americanos e, especialmente, as teses do Tenente Maury, de adentrar na América do Sul pela Amazônia, na suposição de que, em defesa da prosperidade das nações andinas, o governo dos Estados Unidos pudesse representar o interesse dos negociantes norte-americanos junto ao conservadorismo brasileiro228. A inexistência de uma política de fronteiras por parte do Império do Brasil sugeria que as negociações pudessem contemplar a livre navegação do rio Amazonas, abrindo a rota para a América do Sul. Algumas repúblicas hispânicas, como o Peru (1826) e Nova Granada (1827), já manifestavam interesse em negociar as fronteiras, tendo enviado ao Rio de Janeiro missões para este fim.229 Mas depois da tentativa frustrada de negociar a fronteira com o Paraguai, em 1824, e a indefinição do estado das fronteiras meridionais que se seguiu à Guerra Cisplatina, somados a instabilidade interna do período regencial, a questão das fronteiras permaneceu em aberto até o início do Segundo Reinado, conforme tratamos na seção 2.

No próximo tópico, vamos avaliar mais precisamente os interesses que motivaram Bolívia e Peru a insistirem pela abertura do rio Amazonas à livre navegação.

228 A publicação que reúne as teses do Tenente Maury inicia-se com a seguinte frase: “The ‘policy of commerce,’ and not ‘policy of conquest,’ is the policy of the United States.” Cf. MAURY, op. cit., p. 5.

229 SANTOS, Luís C. V. Duarte da Ponte Ribeiro: redefinindo o território da monarquia. In: PIMENTEL, José Vicente de Sá (Org.) Pensamento diplomático brasileiro: formuladores e agentes da política externa (1750- 1950). Brasília: FUNAG, 2013.

3.2 DUARTE DA PONTE RIBEIRO: OBSERVAÇÕES ACERCA DOS MOVIMENTOS POLÍTICOS NA FRONTEIRA OESTE DA AMAZÔNIA

João Duarte da Ponte Ribeiro foi o primeiro representante brasileiro enviado para o Peru, em 1829. Recebeu instruções para postergar a discussão sobre as fronteiras com aquele país, sob a alegação de que o Brasil ainda não dispunha de informações suficientes sobre a região.230 Àquela altura, o problema das fronteiras das antigas colônias girava em torno da aceitação dos marcos estabelecidos pelas antigas Metrópoles, consagrados no Tratado de Santo Ildefonso (1777). Mas o debate se encaminhou para que a delimitação tomasse como marco temporal o ano da independência de cada país e que fosse adotado o princípio “uti possidetis”, pelo qual as fronteiras seriam demarcadas conforme a prova de ocupação do território231.

Desviando-se da insistência do governo do Peru pela demarcação das fronteiras, Duarte da Ponte Ribeiro foi instigado pelo Visconde de Aracati, então Ministro dos Negócios Estrangeiros, a firmar um tratado de comércio. Entretanto, informava ao ministro que não haveria vantagens em tal tratado, visto que a nova República não dispunha de produtos para exportação que interessassem ao Império e que ali se cultivavam os mesmos que no Brasil, e, portanto, não haveria mercado para os produtos brasileiros. A conclusão de Duarte da Ponte Ribeiro refletia o pensamento agrário que dominava o cenário econômico do Império, ligado à exportação de açúcar e café, bem como importador de produtos europeus. Essa forma de avaliar os mercados caminhava na contramão das novas tendências capitalistas, já direcionadas para a produção manufatureira, industrial e com vistas ao incremento da circulação da mercadoria, como fazia os Estados Unidos. Outrossim, o diplomata, bem como o Império, não cogitava as atividades comerciais que eram desenvolvidas no Pará e que atraía a cobiça de alguns negociantes de produtos exóticos.

Por meio de sua correspondência, sabemos que os Estados Unidos haviam se tornado fornecedor de mercadorias para o Peru, uma vez que a queda do sistema colonial tinha posto em ruína a sua produção agrícola e a incipiente indústria de tecidos. Mas a Inglaterra pressionava o governo peruano para substituir a Espanha no negócio da prata e tomava o

230 JANKE, Leandro Macedo. Duarte da Ponte Ribeiro. Território e territorialidade no Império do Brasil. 2014. Tese (Doutorado em Geografia Humana) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015, p. 51. doi:10.11606/T.8.2015.tde-11062015-140713. Acesso em: 17 de set. 2017. 231 SANTOS, L. op. cit., 2013.

comércio têxtil, levando à bancarrota os estabelecimentos fabris locais232. Embora não houvesse o que pudesse interessar ao governo estabelecido no Rio de Janeiro naquela República, concluía sobre a necessidade de manter boas relações, já que havia o interesse por parte do Peru de escoar suas mercadorias pelo rio Amazonas.233

Note-se que a observação de Ponte Ribeiro sucede às de Silvestre Rebello, que encerrou sua estadia diplomática nos Estados Unidos em 1829, mesmo ano em que Duarte da Ponte Ribeiro assumiu seu posto no Peru e três anos após o incidente diplomático que envolveu o navio da empresa do sr. Bayard, na foz do Amazonas. Para o estudo que realizamos aqui, as observações de Duarte da Ponte Ribeiro confirmam os apontamentos de Silvestre Rebello sobre a posição política duvidosa dos Estados Unidos em relação à América do Sul: mantinha a posição de neutralidade a respeito das disputas entre as nações, mas atuava em favor dos interesses de seus negociantes, cidadãos e, por conseguinte, soberanos (conforme as palavras do sr. Henrique Clay). Cabe então especular sobre que interesses atraíram cidadãos norte- americanos para o Peru e de que forma isso implicou no quadro de pressão estrangeira em favor da abertura do rio Amazonas à livre navegação, fato que levou o Império à decisão de ocupar e controlar a circulação de homens e mercadorias na Amazônia Ocidental.

As informações contidas nas memórias de Duarte da Ponte Ribeiro234 coincidem com a análise feita por Fernando Sabóia de Medeiros, quando sugeriu que o interesse pela navegação do rio Amazonas atendia os negociantes do sul e meio oeste americano. Esses realizavam comércio regular com o Peru, na suposição de que os Estados Unidos tinham a preferência do governo peruano. Mas a instabilidade política da região, marcada pelos conflitos deflagrados por Simon Bolívar, criaram dificuldades para o tráfego das mercadorias e incerteza sobre o futuro das relações entre os dois países, principalmente porque o Peru cedia às pressões da Inglaterra, que tomava o mercado de Lima. Segundo Duarte da Ponte Ribeiro, esses fatores apressaram a negociação de um tratado de comércio entre o Peru e os Estados Unidos e aguçou os interesses de França:

232 BONILLA, op. cit., p. 544. 233 JANKE, op. cit.

234 A memória da estadia de Duarte da Ponte Ribeiro no Peru foi publicada pelo Centro de História e Documentação Diplomática, com introdução de Luís Carlos de Villafañe. Seu relato apresentava um conjunto de informações sobre o estado econômico, político e os aspectos culturais do Peru, da Bolívia, Equador e Chile. Cf. PONTE RIBEIRO, João Duarte da. Um olhar brasileiro sobre as Repúblicas do Pacífico. AHI-parte III (34) – Arquivos particulares - Fundo Duarte da Ponte Ribeiro. Lata 269, maço 3, pasta 1. In: Cadernos do CHDD, ano I, n. 1, 2º semestre de 2002. Brasília: Centro de História e documentação Diplomática, p. 140-158. Disponível em: http://funag.gov.br/loja/download/171-Cadernos_do_CHDD_N_01.pdf. Acesso em: 25 de ago. 2017.

O Governo dos Estados Unidos se havia contentado com uma intimação de que se julgaria sempre com direito às prerrogativas que gozar a Nação mais favorecida; porém agora cuidavam de fazer um tratado de comércio. Para o mesmo fim acaba o Governo francês de pedir informações ao seu Encarregado de Negócios.235

O Peru não havia estabelecido nenhum tratado de comércio desde a independência. Embora o vínculo colonial com a Espanha tenha sido rompido em 28 de julho de 1821, permaneceu em luta até 1824, quando a campanha militar de Simon Bolívar derrotou o exército espanhol. Entre 1824 e 1828, esteve atado à Gran-Colômbia, mas as divergências políticas acerca da hegemonia do poder nas mãos de Simon Bolívar e a autonomia das repúblicas (Peru e Bolívia) conduziram à guerra, entre os anos de 1828 e 1829. O Peru havia estabelecido comércio com o Chile, com a Colômbia, com Havana e mantinha uma convenção com a Bolívia, país que ajudara a libertar do poder Bolivariano. Ponte Ribeiro informava que a Inglaterra resistia ao reconhecimento da independência do Peru e ainda não tinha firmado relações diplomáticas. A fonte que utilizamos não informa o comércio com a Inglaterra, citado nos registros bibliográficos. A análise de Heraclio Bonilla236 apresentou um progressivo aumento do comércio entre Inglaterra e Peru, entre os anos de 1821 e 1830 e apontou que os Estados Unidos eram, nesse mesmo período, o segundo maior parceiro comercial do Peru.

Ponte Ribeiro chegou ao Peru no ano em que esse país passava por uma grande crise resultante dos conflitos de independência e da guerra contra a Gran-Colombia. A economia interna tinha se voltado para a produção familiar, o que afetou as importações. Por outro lado, Ponte Ribeiro descreveu a presença da Inglaterra em toda a costa do Pacífico, demonstrando que ela fazia suas mercadorias circularem por todas as repúblicas sul-americanas, as quais contraíam vultuosos empréstimos, sob pagamento de altos juros.

O interesse dos negociantes dos Estados Unidos pelo Peru estava diretamente associado à sua expansão para o Caribe e à disputa entre Inglaterra e França pelo mercado do continente latino-americano, depois que Espanha entrara em decadência. A investida teria se iniciado justo nas décadas de 1820 e 1830, quando, em Washington, surgiu uma teoria de que Cuba deveria ser integrada ao território dos Estados Unidos. De acordo com Thomas A. Bayley, depois da compra da Louisiana, paulatinamente Cuba passou a ser entendida como um lugar estratégico e como um prolongamento do território norte-americano. Thomas Jefferson temia que a ilha fosse tomada por Inglaterra ou França e que essas potências europeias representassem um

235 Ibidem, p. 144.

perigo às portas dos Estados Unidos. Para esse autor, a questão de Cuba esteve diretamente ligada à formulação da Doutrina Monroe, em 1823, cuja força motriz foi a presença dos navios ingleses nas águas do Caribe. Nesse mesmo ano, James Monroe enviou uma legação à Madri, incumbida de informar à Coroa espanhola que a ilha era imprescindível para a manutenção da unidade dos Estados Unidos e, embora não fizesse a ameaça de tomá-la, o aviso implicava que se iniciava uma política de patrulhamento da região. Iniciava-se uma luta pelos espólios dos domínios espanhóis237.

O porto de Havana era importante porque sua posição estratégica abria a rota do Caribe, já conhecida por meio do tráfico de escravos. Esse não cessaria, mesmo após a campanha de Thomas Jefferson em favor da proibição do tráfico de negros. Contava com negociantes tanto do sul quanto do norte dos Estados Unidos, especialmente os produtores de rum de Rhode Island. Negociantes norte-americanos tiveram significativa participação no tráfico de escravos, ao lado de Espanha, estabelecendo-se em Cuba, de onde forneciam escravos para as plantations do sul dos Estados Unidos desde o século XVIII238. Em tempo, ingressaram no comércio do tabaco, café e de cana.

A ilha seria mantida como um porto seguro para a manutenção dos plantéis dos estados do sul dos Estados Unidos. O tenente Maury, na década de 1840, suporia que a Amazônia pudesse funcionar do mesmo modo que Cuba. Para Nícia Vilela Luz, a intenção dos proprietários do sul dos Estados Unidos era a de, em caso da abolição, transferir negros livres para a Amazônia e dar marcha à colonização do território, sob o controle do setor agrário do sul dos Estados Unidos, como forma de manter os negócios e evitar que uma população negra livre permanecesse no país239.

O porto em Havana era entreposto para as demais colônias espanholas, cobiçado por França e Inglaterra, mas Cuba era mantida sob forte controle da administração colonial espanhola. Avançar sobre a ilha poderia significar um conflito com França, Inglaterra e

237 BAYLEY, op. cit., p. 286.

238 MARQUES, Leonardo. The United States and the transatlantic slave trade to the Americas, 1776-1867. New Haven: London: Yale University Press, 2016. Arquivo Kindle. O autor demonstrou, por meio de larga documentação, a participação dos Estados Unidos da América no comércio de escravos, dividido em seis fases. Nos interessamos pelo que considerou as fases três e quatro: “Three – Transititons, 1808-1820” e “Four -The consolidation of the contraband slave trade (1820-1850)”. Depois do impedimento de importação de escravos, em 1808, nos Estados Unidos, qualquer envolvimento de cidadãos norte-americanos com a prática deveria ser punida e em 1819, o tráfico passou a ser considerado pirataria. Mas isso não impediu a continuidade do negócio e Cuba era o entreposto mais importante para esse comércio. De lá, seguiam escravos para as plantations do sul dos Estados Unidos, para a América Espanhola e para o Brasil.

239 LUZ, Nícia Vilela. A Amazônia para os negros americanos: as origens de uma controvérsia internacional. Rio de Janeiro: Editora Saga, 1968.

Espanha. Os Estados Unidos, então, adotaram uma política de proteção da ilha, apoiando a administração espanhola, que concedeu que comerciantes norte-americanos sediassem seus negócios em Havana240. Esse fato abriu as portas da América Latina para os Estados Unidos, deu acesso à fruição de navios norte-americanos por toda a costa caribenha e alimentou as pretensões de desfrutar os litorais ribeirinhos da América do Sul.

Cuba era o maior fornecedor de tabaco para o Peru, que recebia de Havana cerca de seis mil quintais do produto anualmente241. O comércio do tabaco era marginal em relação ao açúcar, mas tinha grande circularidade na Europa e nas possessões espanholas, francesas e inglesas, o que fazia desse produto uma porta de entrada para a América do Sul. No século XVII, a Inglaterra iniciou o cultivo do tabaco na Virgínia, e no século XVIII, como resultado das sucessivas proibições do cultivo de tabaco pelo governo espanhol, Cuba importava o tabaco da Virgínia e de São Domingos. 242.

A produção cubana foi revitalizada no início do século XIX, quando o cigarro passou a incorporar os hábitos modernos. Nesse período, Maryland, Kentucky e Virgínia já estavam inseridos no cultivo e comércio de tabaco e cigarro, interessados na qualidade do produto fabricado em Havana, por ser o mais caro243. Esses fatores podem corroborar para a compreensão dos interesses dos comerciantes do sul dos Estados Unidos pelo Peru. Os norte- americanos tinham dificuldades de ampliar seus negócios na região, uma vez o governo peruano tinha desenvolvido uma forte política protecionista no período posterior à separação da Gran- Colômbia. Os negociantes estrangeiros tinham que pagar altas taxas e estar disponíveis para pegar em armas em caso de defesa do país244. A maior riqueza do Peru continuava sendo a prata, cuja extração e transporte estava sob o domínio inglês, que introduziram o emprego de máquinas a vapor para acelerar a produção.

Duarte da Ponte Ribeiro discorreu sobre esse período como um momento de extrema dificuldade para a economia do Peru. O país, dividido pela grande cordilheira, tinha sua capital

240 Thomas A. Bayley sustentou que a disputa entre França, Inglaterra e Estados Unidos por Cuba impediu que qualquer um dos três ocupasse a ilha, uma vez que, quando um dos três lançava uma estratégia para tal fim, os outros dois se colocavam em posição de defender o domínio espanhol. Em 1840, o governo dos Estados Unidos assegurou a Madri que protegeria Cuba de quaisquer ameaças e manteve essa política até meados de 1850. Depois que a Espanha recusou uma oferta de compra da ilha, iniciou-se uma política para insuflar movimentos de independência, na expectativa de que, uma vez liberta do jugo espanhol, os cubanos aceitassem a anexação aos Estados Unidos como forma de se verem livres da influência europeia. Cf. BAYLEY, op. cit., p. 292-294. 241 PONTE RIBEIRO, op. cit., 2002, p. 144.

242 ORTIZ, Fernando. Contrapunteo cubano del tabaco Y el Azucar. Caracas- Venezuela: Fundação Biblioteca

Ayacucho, 1978. Disponível em:

https://books.google.com.br/books?id=cfFyshOsPXcC&printsec=frontcover&hl=pt-BR#v=onepage&q&f=false. Acesso em: 28 de out. 2018.

243 ORTIZ, op. cit., p. 415. 244 BONILLA, op. cit., p. 547-549.

voltada para o Pacífico e metade de sua população estava na região amazônica. Sua divisão administrativa tinha sete Departamentos, três estavam compreendidos entre os Andes e o Pacífico e os quatro restantes entre os Andes e a planície Amazônica. Sua população era de um milhão e quatrocentos mil habitantes, dos quais cerca de seiscentos mil habitavam as terras amazônicas. Lima enfrentava dificuldades para estabelecer controle sobre as regiões que ficavam do outro lado das montanhas:

A natureza, a linguagem, e os costumes, parecem dividir o Peru em duas Nações distintas e sempre rivais; uma que ocupa a costa, outra que habita além dos Andes; a primeira despreza a segunda, esta odeia aquela: ali se fala castelhano melhor que em parte nenhuma da América; há bastante civilização, demasiado luxo, e extremados vícios; só nas capitais do interior se usa aquele idioma. Os indígenas não sabem mais do que o quéchua, são menos civilizados, pouco viciosos e não gastam luxo.245

A condição geográfica do Peru impunha a necessidade de estabelecer a comunicação entre os dois lados da Cordilheira. A integração do país só seria conduzida depois que os conflitos do processo de independência estivessem encaminhados, o que ocorreu nos anos de 1840. A rota comercial da Bacia Amazônica era uma resposta viável para o problema peruano no pós-independência. Em consideração ao pensamento político, que, à época, se estruturava a partir de argumentos geográficos, as fontes que consultamos indicaram que os Estados Unidos tiveram importante papel na construção dessa hipótese, uma vez que a condição política e geográfica do Peru o colocava na esteira da política estrangeira que era desenvolvida pela nação norte-americana: afastar as nações europeias do continente americano e abrir novas fronteiras de negócios para seus cidadãos.

Além disso, era situado junto à Bolívia, que carecia de portos para comércio e era considerada um rico território. De acordo com Duarte da Ponte Ribeiro, tudo que chegava à Bolívia seguia sob as ancas de mulas, percorrendo uma longa distância que a ligava à República do Chile e à Cisplatina. De tudo isso, concluía o Encarregado o seguinte: “Em Bolívia, como no Peru, desejam que se navegue o Amazonas: além das comunicações que este lhe oferece pelo Ucayali, contam também com as do Madeira.”246 A observação de Ponte Ribeiro acrescentava mais um itinerário possível ao interior das Américas: o rio Ucayali, conforme o mapa que apresentamos a seguir:

245 PONTE RIBEIRO, op. cit., 2002, p. 141. 246 PONTE RIBEIRO, op. cit., 2002, p. 153.

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