• Nenhum resultado encontrado

Carta de Vamhagen a José Maria Velho da Silva, de 23 de outubro de 1853, p 207.

96 Conforme nota 92, p. 213.

97 Carta de Vam hagen ao Imperador de 14 de ju lho de 1857. Arquivo do Museu Imperial, Petrópolis - Doc. 6234.

2 0 2 Historiografia e Nação no Brasil 1838-1857

não lhe pareciam à altura de seu serviço.98 E com toda a clareza, resu­ mia o sentido não apenas de sua obra histórica, mas do conjunto de sua atividade intelectual:

... era para ir assim enfeixando-as / a s p rovíncias/ todas e fa­ zend o bater os corações dos d e umas províncias em favor dos das outras, infiltrando a todos nobres sentim entos de. patrio­ tismo d e nação, ú n ico sentim ento que é capaz de dèsterrar o provincialism o excessivo, d o m esm o m od o que desterra o egoísm o, levando-nos a morrer pela pátria ou p elo soberano que personifica seus interesses, sua h onra e sua glória.

Em geral busquei inspirações d e patriotismo sem ser n o ódio a portugueses, ou à estrangeira Europa, q u e nos beneficia com ilustração; tratei de p ôr um dique a tanta declam ação e servilis­ m o à democracia; e procurei ir disciplinando produtivam ente certas ideias soltas d e nacionalidade..."

Desse modo, ele próprio colocava a medida de suas atividades historiográficas, enquadrando-as no contexto histórico. Sua intenção de promover a formação da nação brasileira também marcou, é cla­ ro, sua historiografia.

Os contornos da historiografia de Vamhagen foram nitida­ mente marcados, em igual medida, pela ligação do autor com o Es­ tado e seus representantes. Vamhagen finaliza uma carta a Pedro II: “Porém, Senhor, seja qual for o ^rdor do espírito para as lides e traba­ lhos mentais, o coração e o braço hão de ser de Vossa Majestade”.* 100 Sobre esses dois pontos, traremos maiores detalhes na parte final.

Vejamos agora os princípios metodológicos e o entendimento de história em que se fundamenta a obra.

88 Nessa carta, ele se queixava de que^seu nom e não havia sido incluído na lista dos dignitários do Império de dois anos antes. Na época, ele teria se calado, pois pretendia esperar o término de sua obra. Coriforme nota anterior. " Idem.

Francisco Adolfo de Vamhagen 203

O livro, dividido em dois volumes, abrangia todo o período que vai do Descobrimento do Brasil (1500) à Independência do país (1822), reivindicando realçar o “geral” na história.

Num momento em que o Estado monarquista havia logrado impor, no plano político, os princípios de um Estado nacional cen­ tralizado, parecia desejável uma descrição do passado que salientasse os aspectos comuns como base de uma identidade nacional: “Assim a integridade do Brasil já representada majestosamente no Estado e no Universo pela Monarquia, vai agora, bem que mui humildemen- te, ser representada entre as histórias por uma história nacional”.101

Numa anotação posterior do primeiro volume, Vamhagen des­ crevia seu procedimento metodológico, a fim de salientar o desejado. ... u m dos m aiores em p en h os q u e tivem os n este Ensaio (que tal lh e devem os p or en q u an to chamar) fo i o d e abarcar, por assim dizer, n o m en or volum e possível, os fatos capitais acon­ tecidos nas diferentes províncias: a fim d e q u e o desenvolvi­ m en to sucessivo d o todo se chegasse a apreciar m elh or, o que n ão se poderia conseguir, parándo de quando em quando de­ m asiado num p on to... e reduzindo a narração a um a enfiada d e pequenas narrações.1®

É parte do quadro histórico de Vamhagen^ igualmente, a exis­ tência das raízes de uma “brasilidade” já no século XVII, algo que, segundo sua opinião, apresentou-se na luta contra as tropas coloniais holandesas:

A verdadeira nacionalidade brasileira d e hoje nasceu antes da in d ep en d ên cia, já existia n o Arraial d e Bom Jesus em Pernam­ buco, em frente d o p od er dos h olandeses, e não era índia:

101VARNHAGEN, Francisco Adolfo. História Geral do BrasiL 1 ed., v. 2, p. VI. *® Idem, p. 478.

2 0 4 Historiografia e Nação no Brasil 1838-1857

era crioula e cristã, era, portanto, já há mais de dois séculos, brasileira.105

Por conseguinte, ele finalizou o primeiro volume da História Geral com a expulsão dos holandeses, evento em que o autor reco­ nhecia a foija do sentimento nacional brasileiro. A história era inter­ pretada por Varnhagen como a história da nação em desenvolvimen­ to e, para ele, a nação era idêntica ao império. O Segundo Impéoo surgia para ele como a coroação de uma história que decorre re­ tilínea, com o Estado monarquista, na pessoa do imperador, como suprema ratio.

E preciso lembrar aqui, mais uma vez, que Varnhagen se for­ mou na tradição do Iluminismo português, que se orientava forte­ mente pelo Estado e, em consonância com esse conceito, Pedro II se aproximava do protótipo do soberano ilustrado — embora também com certo atraso: o imperador que se valia do conhecimento para melhor governar.

Civilização, um dos conceitos centrais do discurso do Ilummis- rao, também desempenhou papel significativo na historiografia de Varnhagen. Isso porque ele tratou de apresentar o quão importan­

te a colonização branca do Brasil pelos portugueses era responsável pelo patrimônio da civilização:

Insistimos, porém , mais d o q u e n en h u m dos q u e nos p reced e­ ram em trabalhos idêntiços, na verdadeira apreciação com pa­ rativa do grau de civilização dos colonizadores, d o d e barbárie dos colon os escravos trazidos im piam ente da África e d o d e selvageriã dos povos, últim os invasores n ôm ad es que ocupa­ ram em geral o território que hoje cham am os Brasil.* 104

105 VARNHAGEN, Francisco Adolfo. Como se deve entender a nacionalidade na histó­

ria do BrasiL Anuário do Museu Imperial. Petrópolis, 9, 1948, pp. 229-36.

Francisco Adolfo de Vamhagen 205

Interessante notar quais conceitos são atribuídos a que parce­ la da população: civilização aos colonizadores portugueses, barbárie aos escravos negros e selvageria aos indígenas. Uma vez sendo a in­ tenção declarada de Vamhagen escrever “uma história geral cons­ cienciosa da civilização de nosso país*,105 ele agia de modo coerente ao acentuar com uma tônica especial o papel dos brancos.

Em consonância com esse conceito, o historiador iniciou seu trabalho com o Descobrimento do Brasil por Pedro Alvares Cabral, no ano de 1500. Algumas expedições de brancos também foram mencionadas, mas é com Cabral que “se inicia verdadeiramente a história de nossa colonização e civilização”.106

A população indígena natural da terra aparece pela primeira vez no oitavo capítulo (de um total de 31) do primeiro volume.

Isso nos aproxima do cem e da polêmica que se seguiu à publi­ cação da História Geral. Os que criticavam Vamhagen assinalavam es­ pecialmente dois pontos: a descrição da colonização e, com ela rela­ cionada, portanto, a avaliação dos indígenas e de sua contribuição à nacionalidade brasileira. Os adversários da rejeição do “indianismo” e do “caboclismo” de Vamhagen eram, em sua maioria, os poetas e escritores românticos, que viam no indígena o verdadeiro responsá­ vel por uma nacionalidade brasileira.

Sua posição fundamental em torno da questão indígena já fora formulada pelo próprio Vamhagen, numa reação à descrição posi­ tiva dos indígenas, publicada por Gonçalves Dias (1823-1864) - um dos mais conhecidos poetas do Romantismo brasileiro.

Em 18 de julho de 1852, ele enviou ao imperador seu texto concebido como resposta: "... de não deixar para mais tarde a solu­ ção de uma questão importante acerca da qual convém muito ao país

105 Conforme nota 101, p. VI.

106 Carta de Vam hagen a Manuel de Araújo Porto Alegre, I o. Secretário do IHGB, de 20 de novembro de 1857. Arquivo Histórico do Museu Imperial, Petrópolis - Doc. 6234.

2 0 6 Historiografia e Nação no Brasil 1838-1857

e ao Trono que a opinião não se extravie, com ideias que acabam por ser subversivas”.107

Vamhagen também expôs suas ideias em 1857, na Academia de História em Madri, sendo que, no mesmo ano, ele próprio as fez publicar no jornal O Panorama,108 tendo ainda aproveitado o texto como introdução do segundo volume da História Geral 4o Brasil.

Invocando Joseph de Maistre (1753-1821), Vamhagen salien­ tava que a história brasileira estava intimamente ligada aos elementos europeus da colonização, e que só isso já bastava para se considerar a história do Brasil como uma história da civilização.

Mas mesmo Vamhagen tinha de reconhecer que os indígenas, excluídos da história nacional, haviam deixado suas marcas na cultu­ ra, como, por exemplo, na língua.

Considerando que a ideia de Vamhagen era a de que os indí­ genas não habitavam o solo brasileiro, mas dele apenas dispunham (ao menos enquanto não estivessem ocupados em se eliminarem uns aos outros, como ele polemizava), ele combatia energicamen­ te a interpretação da çolonização a p artir da exploração dos ín­ dios. A colonização, a seu ver, foi o primeiro passo rumo à civiliza­ ção, e aos indígenas jamais coube qualquer direito ao país:

... os índ ios não eram d on os d o Brasil, n em lh es é aplicável co m o selvagens o n om e de brasileiros: n ão podiam civilizar-se sem a presença da força, da qual não se abusou tanto com o se assoalha; e finalm ente cje m od o algum p o d em eles ser tom a­ dos para nossos guias n ó presente e n o passado em sentim en­ tos d e patriotismo ou em representação d e nacionalidade.109 Em 1856, Domingos José Gonçalves de Magalhães (1811-1882) publicou, no Rio de Janeiro, a epopeia nacional brasileira A Confede- 107 Carta de Vamhagen ao Imperador de 18 de julho de 1852, p. 187v.

108 Conforme nota 49.

109 Idem, p. 279. Veja-se também: VARNHAGEN, Francisco Adolfo. História Geral do