• Nenhum resultado encontrado

FRANCISCO ADOLFO DE VARNHAGEN. Historiografia e nação no Brasil: 1838-1857

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "FRANCISCO ADOLFO DE VARNHAGEN. Historiografia e nação no Brasil: 1838-1857"

Copied!
64
0
0

Texto

(1)

Copyright © 201t,EdUERJ.

Todos os direitos desta edição reservados à Editora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, ou de parte do mesmo, sob quaisquer meios, sem autorização expressa da editora.

EdUERJ

Editora da UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Rua São Francisco Xavier, 524 - Maracanã

CEP 20550-013 - Rio de Janeiro - RJ

TelVFax.: (21) 2334-0720 / 2334-0721 / 2334-0782 / 2334-0783 www.edueij.ueij.br eduerj@ucrj.br Editor Executivo Coordenador de Publicações Coordenadora de Produção Coordenador de Revisão Revisão

Projeto, Capa e Diagramação Tradução das citações em francês

ítalo Moriconi Renato Casimira Rosania Rolins Fábio Flora Shirley Lima Heloisa Fortes Lúcia Maia ANPUH

Associação Nacional de História

Presidente Vice-Presidente

Durval Muniz de Albuquerque Júnior (UFRN) Raquel Glezer (USP)

CATALOGAÇÃO NA FONTE

________________ UERJ/REDE SIRIUS/NPROTBC__________________ G963 Guimarães, Manoel Luiz Salgado, 1952-2010.

Historiografia e nação no B rasil: 1838-1857 / Manoel Luiz Salgado Guimarães, tradução de Paulo Knauss e Ina dc Mendonça - Rio de Janeiro: EdUERJ, 2011. Edições Anpuh.

284 p.

Originalmente apresentada como tese de doutorado á Universität Berlin com o título Geschichtsschreibung und nation in Brasilien, 1838-1857.

Inclui bibliografia. ISBN 978-85-751U200-7

1. Brasil-H isto rio g rafia-1838-1857. 2. Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro - Historiografia. 3: Vamhagen, Francisco Adolfo de, 1816-1878. L Titulo.

(2)

4

FRANCISCO ADOLFO DF VARN HAGEN

A pesquisa sobre a obra de Varnhagen

No tratam ento da história do Insdtuto Histórico e Geográfico do Brasil, fundado em 1838, mesmo reconhecendo sua inquestioná­ vel relevância, constatamos as lacunas das pesquisas desenvolvidas na instituição.

No caso de Francisco Adolfo Varnhagen (1816-1878), encon­ tramo-nos diante de um fenôm eno análogo. Ninguém pode ocupar-se da história no Brasil ou trabalhar com ela e, ao mesmo tempo, ignorar Varnhagen como historiador. Sobre Varnhagen, ainda que inúmeros cientistas tenham manifestado seu ponto de vista, ora idealizando-o como o fundador da historiografia brasileira, ora cunhando-o como historiador reacionário e representante de um compreensão conser­ vadora da sociedade, tal como defendem os representantes de uma ciência crítica, não existe qualquer obra a respeito de Varnhagen que possa atender a exigências científicas.

Os estudos publicados sobre V arnhagen são prim ordialm en­ te de natureza biográfica, apresentando claram ente a tendência de salientar seu significado como figura-sím bolo da historiografia nacional. Os diversos autores interpretam a obra de Varnhagen a p a rtir de sua inclinação patriótica e nacional. A designação de Var­ nhagen como “pai da historiografia brasileira” e como aquele que concebeu “um m onum ento da historiografia brasileira” com parti­ lha estereótipos generalizados.

(3)

1 6 6 Historiografia e Nação no Brasil 1838-1857

O primeiro tratado biográfico a respeito de Vamhagen apare­ ceu em 1873, ainda no tempo em que estava vivo, na revista O Novo Mundo, publicada em Nova York.1 O autor, José Carlos Rodrigues (1844-1923), após concluir seus estudos de direito em São Paulo, em 1866, estabeleceu-se nos Estados Unidos, onde passou a editar, de 1870 a 1879, em língua portuguesa, a revista O Mundo Novo - contan­ do com Vamhagen entre seus autores. As informações necessárias ao esboço biográfico foram fornecidas pelo próprio Vamhagen, !que, em carta de 12 de maio de 1873 a José Carlos Rodrigues, expres­ sou sua satisfação com o artigo produzido,2 * elogiando, sobretudo, o acompanhamento da lista de suas obras.

Era costume dar destaque aos membros falecidos no ano res­ pectivo, no contexto das reuniões comemorativas anuais do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil. Assim, no ano da morte de Vamha­ gen, em 1878, o escritor Joaquim Manoel de Macedo (1820-1882) recebeu o encargo de fazer o discurso em sua memória, na qualidade de orador do instituto.5

Se lembrarmos que Vamhagen figurava entre os mais impor­ tantes colaboradores do Instituto, para cujos trabalhos sempre havia espaço à disposição na Revista do Instituto, constitui surpresa o fato de não ter sido o primeiro entre os falecidos citados na ocasião; de igual forma, surpreende o fato de Macedo ter formulado uma críti­ ca acerca do conceito de historiografia de Vamhagen: “Escrevendo sobre história, ele não procurava discutir nem averiguar mais: ditava sentenças; em stia consciência d e;mestre, que realmente era, julgava sem apelação: era Pitãgoras ‘magister dixit’”.4

1 RODRIGUES, José Honório. “Biografia de Francisco Adolfo Vam hagen”. Revis­

ta do Instituto Histórico e Geográfico de São Pavio. São Paulo, 13,1911, pp. 95-105

* Carta de Vamhagen a José Carlos Rodrigues de 12 de maio de 1873. In LESSA, Ciado Ribeiro de (org.). Francisco Adolfo Vamhagen; correspondência ativa. Rio de Janeiro, INL, 1961.

* Discurso de Joaquim Manoel de Macedo. Revista do IHGB. Rio de Janeiro, 41 out-dez/1878, pp. 471-506.

(4)

Francisco Adolfo de Vamhagen 1 6 7

Seguramente, a razão disso foram os posicionamentos assu­ midos por Vamhagen sobre os índios e seu significado para a na­ cionalidade brasileira, contestados por alguns escritores, dentre os quais Macedo. Deixando de lado essa crítica, o discurso de Macedo já anunciava certos conceitos que sempre tornariam a surgir em obras futuras sobre Vamhagen. De modo conclusivo, Macedo resumiu: “Vamhagen foi um homem-monumento”.5

No mesmo ano, o historiador Capistrano de Abreu (1853-1927) publicou, no Jornal do Comércio, um necrológio sobre Vamhagen, em que, ao lado de uma apresentação dos dádos biográficos, tentava de­ senvolver uma interpretação da obra de Vamhagen. Ele procurou fa­ zer uma espécie de balanço tanto das qualidades como das fragilida­ des do digno colega falecido. As primeiras palavras de Capistrano de Abreu — “a pátria está de luto pelo falecimento de seu historiador” - 6 sinalizavam a direção de sua argumentação: Vamhagen como histo­ riógrafo da nação, como representante de uma historiografia nacio­ nal. Assim, a pedra fundamental do monumento da ciência histórica fora lançada: "Vamhagen, o primeiro historiador brasileiro”.

Nesse artigo, pela primeira vez, Capistrano comparou Vamha­ gen aos bandeirantes do século XVII, uma metáfora corriqueira dali em diante. Bandeirantes foram os grupos de desbravadores que, par­ tindo de São í)aulo, terra natal de Vamhagen,, haviam adentrado o Brasil em busca das riquezas da terra para a Coroa portuguesa. E, tal como os bandeirantes do século XVII haviam aberto o caminho para a grande nação brasileira conforme a caracterização da historiografia de caráter nacional, Vamhagen abriu no século XIX o caminho para a historiografia brasileira nacional: “Vamhagen atende somente ao . Brasil, e, no correr de sua obra, procurou sempre e muitas vezes con­

seguiu colocar-se sob o verdadeiro ponto de vista nacional”.7 * Conforme nota 3, p. 489.

6 ABREU, Capistrano de. “N ecrológio d e Francisco Adolfo Vamhagen, Viscon­ de de Porto Seguro". In Ensaios e Estudos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975, pp. 81-91.

(5)

168 Historiografia e Nação n o Brasil 1838-1857

Capistrano de Abreu criticava, na obra de. Vamhagen, a au­ sência de sínteses. Como adepto da escola positivista, Capistrano considerava os fatos históricos uma consequência de leis básicas de fundamentos naturais, censurando Vamhagen pelo desconhecimen­ to dessas leis básicas e da sociologia empírica como nova disciplina científica. Apesar da crítica assinalada, Capistrano recomendava Var- nhagen e sua obra como objeto de “veneração”, um pathos, que cçmti- nuou a ser cuidadosamente preservado pela historiografia orientada pelo senüdo nacional.

Quatro anos mais tarde, apareceu um artigo dejomal, igualmen­ te de autoria de Capistrano de Abreu, em que analisava a obra magna de Vamhagen, a História Geral do Brasil? Capistrano salientou, então, a importância desse livro, destacando-a como autêntica obra da historio­ grafia em comparação com os trabalhos anteriores dedicados ao mes­ mo tema, os quais ele distinguiu como crônicas.

Na opinião de Capistrano, uma vez que Vamhagen dera um tratamento integral à história do país, não havia necessidade, em tempo previsível, de uma nova exposição geral. Eis por que recomen­ dava aos historiadores brasileiros, preferencialmente, a pesquisa de aspectos particulares da história nacional. Segundo a compreensão de Capistrano, Vamhagen não havia logrado elaborar o que havia de específico nas épocas históricas singulares. O que separa e diferencia os períodos entre si não se evidencia claramente na História Geral do Brasil.

Traçando o balanço da historiografia brasileira, o mesmo au­ tor, contudo, confirmava que nenhum outro historiador se igualara em nível e importância a Vamhagen. Sua conclusão era, portanto, de que Vamhagen continuava como “mestre, líder e senhor”.8 9

Em 1911, a Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil de São Paulo publicou o discurso de ingresso de Manoel de Oliveira

8 ABREU, Capistrano de. “Sobre o Visconde de Porto Seguro”. In Ensaios e Estu­

dos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975, pp. 131-47

(6)

Francisco Adolfo de Varohagen 1 6 9

Lima (1865-1928)10 na Academia Brasileira de Letras. Ele escolhe­ ra Varnhagen como patrono de sua recém-criada cadeira, apresen­ tando em seu discurso uma interpretação da obra de Varnhagen, se­ guindo a mesma linha de Capistrano de Abreu. A partir da constata­ ção de que não era movido pela “crítica a um predecessor, mas pela canonização de um santo padroeiro”,11 Oliveira Lima frisou o papel de Varnhagen como criador da historiografia brasileira. Isso, aliás, apresentava de novo sua interpretação de Varnhagen como repre­ sentante de uma historiografia pragmática, que, além da descrição de fatos e acontecimentos, visava tecer comentários e reflexões poli­ ticamente úteis. Oliveira Lima, portanto, não via Varnhagen apenas como historiador, mas também como professor de costumes, capaz de extrair da história lições para os contemporâneos. Essa tarefa, Var­ nhagen teria cumprido exemplarmente através de sua obra e, por isso, “mereceu veneração pública”.12

Por ocasião do centenário de nascimento de Varnhagen, no ano de 1916, o Instituto Histórico e Geográfico do Brasil pôs-se a lembrar de seu sócio mais destacado, aquele que havia concretizado o projeto do Instituto de escrever uma história do Brasil. No discurso de Pedro Lessa (1859-1921), foram repetidos conceitos como o de “criador da historiografia brasileira”, “primeiro historiador do Bra­ sil”, reforçando a imagem de Varnhagen já esboçada.13 14 Pedro Lessa também criticòu a falta de uma generalização na obra de Varnhagen, o que, segundo sua perspectiva, deveria ter sido assumido e realiza­ do, com base em fatos históricos, pelo próprio historiador. A razão dessa lacuna, Pedro Lessa atribuía à orientação de Varnhagen pela ciência histórica francesa, que, segundo Pedro Lessa, prescrevia uma

10 LIMA, Manoel de Oliveira. “Francisco Adolfo Varnhagen, Visconde de Porto Seguro”. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. São Paulo, 13, 1911, pp. 61-91.

" Conforme nota 10, p. 65. 14 Conforme nota 10, p. 77.

(7)

170 Historiografia e Nação no Brasil 1838-1857

“caçada a documentos”.14 15 Essa lacuna, no entanto, na perspectiva de Lessa, perdia importância diante da dificuldade enorme de assumir a “tarefa de criador de nossa historiografia”.18

A época em que Lessa proferiu seu discurso era vivenciada como de mudança radical, tanto no plano internacional como no nacional. A guerra deflagrada na Europa teve também consequên­ cias sobre a economia brasileira, começando a romper a estrutura tradicional de uma sociedade agrária.

Na visão de Pedro Lessa, podiam ser extraídas lições da obra de Vamhagen para o presente: “Do que precisamos para vencer a presente crise (e ainda é o conhecimento da história, a comparação do presente com o passado, que no-lo revela), é de predicados que já tivemos e facilmente podemos readquirir”.16 Ou ainda: “Em períodos como este que ora atravessamos, mais claramente se patenteia a in­ contestável utilidade do conhecimento exato do passado”.17

Lessa também invocava Vamhagen como fonte contrária às teorias difundidas a respeito da desfavorável composição étnica do povo brasileiro e de um pessimismo daí derivado quanto ao futu­ ro do país: “Cumpre lê-la e meditá-la. Por ela ficamos sabendo que a nossa raça e' o nosso meio físico não são obstáculos às ações de maior perseverança, espírito de sequência, de demorada submissão a provações”.18

O' que se depreende da leitura da obra principal de Vamha­ gen, na opinião de Pedro Lessa, é que a nação surgida no decurso da história brasileira se tomou tão forte e vigorosa quanto as demais nações. Partindo de uma problemática de seus dias, Lessa abordava as ideias de Vamhagen com determinadas expectativas e exigências.

u Idem, p. 660. 15 Idem, p. 662. 18 Idem, p. 664. 17 Idem, p. 665. 18 Idem, p. 663.

(8)

Francisco Adolfo de Vamhagen 171

A obra de Vamhagen deveria transmitir lições para enfrentar o pre­ sente com otimismo em relação ao futuro do país.

Dentro de igual contexto, Armando Prado publicou na Revis­ ta do Brasil uma biografia de Vamhagen.19 20 O trabalho em si seguia os mesmos princípios já mencionados. Mais importante é notar que a publicação apareceu num a revista que explicitamente se definia como “centro de uma propaganda nacionalista".80 A partir da cons­ tatação de que a nação no Brasil ainda não se havia formado ple­ namente, os redatores da revista tinham a intenção de promover o fortalecimento da nação e, para isso, parecia-lhes necessário apoiar o conhecimento do passado como caminho. Com essa clara mensagem “nacionalista”, que, aliás, não deveria ser entendida como “anties- trangeira”, a revista lançou a biografia de Vamhagen logo em seu segundo número, o que também sinalizava o espírito segundo o qual o historiador era interpretado.

Em 1923, o jurista e escritor Celso Vieira (1878-1954) publi­ cou igualmente uma biografia de Vamhagen.21 Partindo do fato de o pai de Vamhagen haver dirigido, durante longos anos, uma das pri­ meiras fundiçãos do Brasil, o autor comparava o trabalho histórico de Vamhagen com a atividade de um ferreiro. A imagem metafórica de que, com Vamhagen, teve início a era do ferro no Brasil perpassa todo o livro: “j^legoricamente, a História Geral do Brasil é também um diadema de ferro, talhado para a vetusta majestade colonial de três séculos ungidos por Deus, aventurosos e batalhadores”.22

A interpretação de Vieira da obra de Vamhagen girava em tor­ no do modelo básico, aqui já esboçado e preconizado por outros autores: Vamhagen lhe parecia ser aquele que deu à história função educativa e pragmática. À diferença de Robert Southey, autor da pri­ 19 PRADO, Armando. “Francisco Adolfo Vam hagen”. Revista do B rasil São Paulo,

1 (2), fev/1916, p. 137-59.

20 Revista do B rasil São Paulo, 1 (1), ja n /1 9 1 6 , p. 2.

21 VIEIRA, Celso. Vamhagen (o homem e a obra). Rio de Janeiro: Álvaro Pinho Edi­ tor, 1 9 2 3 ,94p.

(9)

1 7 2 Historiografia e Nação no Brasil 1838-1857

meira história do Brasil, Vamhagen corporificava o surgimento da consciência nacional na historiografia. Com isso, ele teria conquis­ tado o primeiro lugar dentre os historiadores do Brasil, por haver transmitido à nação em construção um sentido e um significado a partir da história.

Tendo em vista a origem claramente não brasileira de Vamha­ gen, Celso Vieira se lançou à tentativa memorável de demonstrar.seu “abrasileiramento”. O quadro de Vamhagen traçado foi resunlido por Celso Vieira da seguinte forma: "... o tempo, que elevou o ho­ mem a super-homem, perpetuando-lhe a figura, entre os beneméri­ tos da pátria, na sua galeria escultural”.23

Por ocasião do cinquentenário da morte de Vamhagen, em 1928, o Instituto Histórico e Geográfico do Brasil realizou um evento em sua memória. O discurso ali pronunciado por Basílio de Maga­ lhães (1874-1957) foi posteriormente publicado na revista.24

Basílio de Magalhães, adepto do positivismo, jornalista e pro­ fessor de História do Colégio Pedro II, foi quem se encarregou da publicação da História da Independendo, obra de Vamhagen publica­ da pela primeira vez em 1917, muitos anos após o falecimento de seu autor. Em seu discurso, o orador enfocou os múltiplos círculos de ação de Vamhagen: como historiador, etnógrafo, diplomata, lite­ rato, político e economista. Foi ele quem cunhou Vamhagen com o predicado de “historiador pragmático” e interpretou sua obra como orientadora da nação rumo ao futuro. Além disso, recomendava Var- nhagen como monumento admirável a ser imitado: “Oxalá tivésse­ mos a dita de contar muitos homens como esse, não apenas para legar-nos admiráveis compêndios de história, mas para elaborar as nossas leis e empunhar o leme do nosso governo”.25

Igualmente motivado pelo cinquentenário de seu falecimento, Rodolfo Garcia (1873-1949) elaborou um ensaio que mais tarde foi ** Conforme nota 21, p. 82.

24 MAGALHÃES, Basílio de. Reuista do IHGB. Rio de Janeiro, 104 (158), 1929, pp. 890-975.

(10)

Francisco Adolfo de Vamhagen 173

incorporado como anexo ao segundo volume da terceira edição da História Geral do Brasil?* O autor encarregado da publicação da nova edição apresentou um ligeiro esboço biográfico e, pela primeira vez, assumiu a tarefa de compor uma bibliografia completa de Varnhagen.

A obra mais abrangente que se debruçou sobre Vamhagen é a biografia de novecentas páginas elaborada por Ciado Ribeiro de Lessa (1906-1960).37 O biógrafo foi médico no Rio de Janeiro e se dedicou aos estudos históricos, qualificado como especialista em Var­ nhagen. Além da publicação da biografia detalhada, ele editou a tro­ ca de correspondência de Varnhagen, uma importante coletânea de fontes dispersas a respeito do historiador.26 27 28

À semelhança do discurso de Basílio de Magalhães, Ribeiro de Lessa descreveu os diversificados campos de atuação de Vamhagen. Na leitura da biografia, percebe-se claramente a tomada de partido do autor a favor de Vamhagen; quase seria possível falar de uma identidade com a personagem retratada. Assim é que todo o trabalho pode ser caracterizado como um elogio permanente de Vamhagen e como uma justificativa de seu conceito de história e de suas posições políticas. Como adversário do positivismo, cujos representantes em Portugal (como, por exemplo, Theóphilo Braga, 1843-1924) se ha­ viam confrontado enfaticamente com Vamhagen, Ribeiro de Lessa se encarregou de criticar essa orientação filosófica, que, no Brasil do fim do século XIX e no início do século XX, teve importância decisi­ va na vida cultural.

A tomada de posição de Ribeiro de Lessa a favor de Vamhagen, em suas próprias palavras, era definida como um posicionamento “contra a opinião das massas”,, nada cortejadas nem por Vamhagen, nem por seu biógrafo. Desse modo, o autor construía uma argumen­ 26 GARCIA, Rodolfo. “Ensaio bibliográfico sobre Francisco Adolfo Vamhagen, Visconde d e Porto Seguro”. In VARNHAGEN, Francisco Adolfo. História Geral

do Brasil 3*. ed. São Paulo, Melhoramentos, s.d., pp. 436-52,

27 LESSA, Ciado Ribeiro de Vida e obra d e Vamhagen. Revista do 1HGB. Rio de Janeiro, lv. 223, 1954, pp. 82-297; 2, v. 224, 1954, pp. 109-315; 3 e 4, v. 225,

1954, pp. 120-293; 5, v. 226,1955, pp. 3-168; 6 e 7, v. 227,1955, pp. 85-236. 28 Conforme nota 2.

(11)

174 Historiografia e Nação no Brasil 1838-1857

tação que o próprio Vamhagen usara em própria defesa contra os críticos.

Ribeiro de Lessa, contudo, não se limitou a apresentar ou ava­ liar os posicionamentos de Vamhagen, deixando, além disso, trans­ parecer as próprias posições a respeito dos problemas tratados. Assim é que o biógrafo não se restringia a defender Vamhagen - que, du­ rante toda a vida, sempre fora fortemente criticado por suas opiniões a respeito da questão indígena - , mas terminava se pronunciando a favor de procedimentos ainda mais radicais contra os grupos étnicos envolvidos.

Mirando a atuação diplomática de Vamhagen, Ribeiro de Lessa o caracterizava como “diplomata bandeirante”, criando um elo com esses desbravadores do interior brasileiro - uma metáfora, aliás, já por nós reconhecida em outros trabalhos. Com essa caracte­ rização, a partir da análise da obra de Vamhagen, Ribeiro de Lessa distingue três características: sentimentos monarquistas, patriotismo e a veneração da tradição - fato que, mesmo no caso de um conheci­ mento superficial do trabalho de Vamhagen, não surpreende. A pre­ sença dessas características bastou para que Ribeiro de Lessa desse à obra de Vamhagen o predicado de “autêntica”. A escolha dessas ca­ racterísticas, no entanto, nos insinua que o biógrafo, desde o início, visava exatamente a esse resultado com suas pesquisas. Na apreciação final de Vamhagen, Ribeiro de Lessa também formulou, de forma expressiva, o objetivo pretendido com seu trabalho: “Ninguém mais do que ele mereceu da pátria, em;nosso humilde parecer, abaixo de D. Pedro II. Que possa este livro cóntribuir a cimentar essa convicção no espírito dos leitores é o nosso mais ardente desejo”.29

. Em 1958, apareceu, ém língua alemã, o trabalho de Helmut Andrã (a respeito de Vamhagen),“ como parte integrante das festi­ vidades por ocasião do 80a aniversário de fundação da escola alemã 19

19 Conforme nota 27, parte 7, p. 226.

x ANDRÃ Helmut. Francisco Adolfo de Vamhagen; Visconde de Porto Seguro; Aus sei­ nem Leben und seinem Werk. São Paulo: Instituto Hans Staden. 1958. A6n.

(12)

Francisco Adolfo de Vamhagen 175

em São Paulo, o Colégio Porto Seguro, cujo nome se deve ao título de nobreza outorgado a Vamhagen.

A Andrã, coube salientar especialmente o caráter educaüvo da obra, designando Vamhagen como “formador no sentido mais amplo”.31 * Numa descrição fortemente simbolizada, o autor se em­ penhou em identificar, já na época da infância de Vamhagen, os germes que mais tarde revelaram sua intensa atividade intelectual.

A fundição dirigida pelo pai, em cujos arredores Vamhagen passara a infância, na opinião de Andrã era o lugar apropriado para incentivar certas características do menino: “A marca de quem trabalha, planeja e cria, interroga, dá forma e estrutura era o que cor­ respondia à personalidade de Vamhagen”.33

Na opinião do autor, grandes coisas podiam se esperar de Var- nhagen, uma vez que nascera no município paulista de Sorocaba, região ‘prenhe de significado’ marcada pela Fundição São João do Ipanema que se impunha como símbolo de um futuro de progresso. O destino reservado a Vamhagen seria o de

um grande fundidor, um pesquisador d e riquezas d e natureza m uito especial; ... mas suas tiiinas n ão deveriam p erm anecer n o seio da terra, mas antes situar-se nos arquivos n egligen cia­ dos, d esordenados, saqueados e apodrecidos e m todas as par- teè d o jo v em im pério brasileiro.33

Assim, a obra de Vamhagen era interpretada por um viés de destino a ser cumprido.

Coube a Helmut Andrã identificar a tradição espiritual n a qual Vamhagen se integrava. O áutor mencionava, especialmente, seu acesso à cultura alemã e sua familiaridade co,m os métodos da Monu­ mento. Germaniae Histórica, que não deixou de ter influência sobre seu

31 Conforme nota 30, p. 3. M Conforme nota 30, p. 9. 33 Idem.

(13)

176 Historiografia e Nação no Brasil iasa-1857

próprio tra b a lh o com fontes. Esse aspecto estranhamente quase não chegou a ser levado em conta por outros autores.

O ano de 1966, que marcou o sesquicentenário do nascimento de Vamhagen, deu ensejo para que, mais uma vez, os meios cien­ tíficos se ocupassem dele. Na revista americana The Hispanic-Ameri- can-Historical JReview, o brasilianista Stuart B. Schwatz, então ainda estudante universitário da Universidade de Colúmbia, publicou um artigo intitulado “Francisco Adolfo de Vamhagen: diplomat, patriot, historian”.34

Schwartz avaliou a obra-prima de Vamhagen como a história mais importante da era colonial do país e, conforme já dá a entender o título do artigo, prossegue na tradição que vê Vamhagen como um patriota muito especial. Seu procedimento científico se revela ao fazer observações sobre a origem teórica e metodológica de Vamha­ gen, aludindo a Ranke e ao criticismo francês.

No mesmo ano de 1966 e com a mesma motivação, o Institu­ to Histórico e Geográfico do Brasil organizou uma série de eventos. Os autores das contribuições que foram publicadas no ano seguinte visavam abarcar globalmente o espectro do historiador Vamhagen. Américo Jacobina Lacombe, em seu trabalho,35 examinou as ideias políticas de Vamhagen e, ainda que sem muita precisão, afirmou que a discussão de Vamhagen da história havia tocado questões fulcrais de seu tempo. Segundo sua opinião, Vamhagen atribuía à história uma função que: “... procurou fazer dela/H istória/um a arma para, explicando o passado, armar a nação para a conquista do futuro”.36 Um artigo centrado na atuação literária de Vamhagen37 salientou a relevância da temática acera do Brasil nesse campo de sua criação.

M SCHWARZ, Stuart B. “Francisco Adolfo de Vamhagen: diplomat, patriot, his­ torian”. The Hispanic American Historical Revim . Durham, 47 (2), m ai/1967, p. 185-202.

55 LACOMBE, Américo Jacobina. “As ideiás políticas de V am hagen”. Revista do

IHGB. Rio de Janeiro, 275, abrJun/1967, pp. 135-54.

54 Conforme nota 35, p. 154.

(14)

Francisco Adolfo de Vamhagen 1 7 7

Outro artigo foi de autoria de José Honório Rodrigues, um his­ toriador que tinha a questão da historiografia brasileira como ponto- chave de suas pesquisas.38 Sua opinião era de que Vamhagen merecia o título de “mestre”, na medida em que sua obra marcou o surgimen­ to do sentimento nacional na historiografia brasileira.

José Honório alinhava Vamhagen na tradição intelectual do Iluminismo português, ressaltando, sobretudo, a absolutização da ra­ zão de Estado promovida por Vamhagen.

O livro de Nilo Odália, publicado em 1979, com trechos das obras de Vamhagen, deu um novo tom às pesquisas acerca de Var- nhagen.39 Logo na introdução, fica evidente que o autor, professor da Universidade de São Paulo, acercava-se da obra de Vamhagen re­ correndo a critérios científicos, algo que também norteou a seleção dos textos.

Ao definir “Nação", “Estado” e “Papel dos Brancos no Brasil" como temas fundamentais de Vamhagen, Nilo Odália levantou a per­ gunta a respeito do sentido de uma leitura renovada desse estudioso. A introdução de Odália desperta diversos interesses para a análise da obra de Vamhagen, como, por exemplo, a apreciação de sua obra em conexão com as questões políticas da época, bem como os impor­ tantes aspectos ideológicos de suas obras históricas, sem que se possa perceber, contudo, uma avaliação aprofundada de Vamhagen.

Em face dòs trabalhos elaborados em tomo do legado de Var- nhagen, fica evidente que todas têm em comum a percepção desse estudioso como grande brasileiro e patriota. Ao longo da leitura, vai- se concretizando a importância de Vamhagen como pai, pioneiro e inaugurador da historiografia brasileira.

Salvo algumas poucas exceções, os autores, ao longo de suas análises, preferiram identificar-se com a obra de Vamhagen, contri­ buindo, dessa forma, para a consolidação de um mito, em vez de

e brasileira". Revista do IfíGB. Rio de Janeiro, 275, abrJun/1967, pp. 155-69. M RODRIGUES, José H onório. “Vamhagen, mestre da história geral do Brasil”.

Revista do IHGB. Rio de Janeiro, 275, abrJun/1967, pp. 170-96.

(15)

178 Historiografia e Nação no Brasi! 1858-1857

chegar a novos conhecimentos a respeito do tema por eles tratado. O senddo da importância de Vamhagen na historiografia brasileira já fora indicado por Capistrano de Abreu, no século XIX. Desde en­

tão, essa percepção marca os conceitos, as avaliações e a dedicação em torno de Varnhagen como tema de estudo, deixando-o em uma redoma sagrada.

Francisco Adolfo de Varnhagen: servidor público e historiador Não é intenção, no presente capítulo, descrever exaustivamen­ te a biografia de Vamhagen. O que pretendo, aqui, é esboçar certa imagem do historiador, salientando aspectos relevantes de súa vida que permitam elucidar uma melhor avaliação de sua construção his- toriográfica. Acho que a obra de Varnhagen é mais difícil de ser en­ tendida sem o conhecimento de certos elementos biográficos e do entorno histórico.

A exposição do presente capítulo se sustenta em biografias já referidas e no espólio de Vamhagen que consta dos arquivos do ex- Ministério das Relações Exteriores no Rio de Janeiro.

T om o a liberdade d e com unicar a Vossa E xcelência que, no dia 17 d o mês, aportou ao m u n do nesta fábrica, após um a via­ gem bastante feliz, um p eq u e n o fundidor".40 Com essas pala­ vras, Friedrich Ludwig W ilhelm V am h agen (1782-1842), em carta d e 20 d e fevereiro d e 1816, com unicava ao governador da Província d e São Paulo, C onde d e Palma (1779-1843), o nascim ento d e seu sétim o filho, pedindo-lhe, ao m esm o tem ­ po, que aceitasse ser o padrinho d o recém -nascido. O trato com as p osições mais elevadas n o serviço p úb lico não era estra­ n h o à fam ília V am hagen. A inda em Portugal, o pai, Friedrich Ludwig, tivera contato com José B onifácio d e Andrada e Silva (1763-1838), líder político d ó m ovim ento da In d ep en d ên cia e

(16)

Francisco Adolfo de Vamhagen 1 7 9

d o Prim eiro R einado (1822-1831), q ue, além disso, veio a ser o tutor d e P edro II.

Após concluir sua formação no Instituto de Ensino da Minera­ ção, em Kassel, Friedrich Ludwig Vamhagen entrou para os serviços da Coroa portuguesa e, em 1806, casou-se com a portuguesa Maria flãvia de Sá Magalhães. No ano seguinte, participou da luta contra as tropas francesas que invadiram Portugal. Após a ocupação do país pelos soldados de Junot, em 1809, seguiu para o Brasil, onde estavam a família real e o governo português.

Já que naquele momento, devido às jazidas de ouro em fase de exaustão, a economia exportadora do Brasil se encontrava em crise, o governo planejava desenvolver novos ramos de produção. Foi por essa razão que técnicos suecos foram chamados ao país, a fim de tom ar realidade o projeto de uma fundição na Província de São Paulo.

Friedrich Ludwig Vamhagen, inicialmente, foi contratado como observador da empresa, até que, em 1814, assumiu a direção da usina. A família Vamhagen morava no lugar da fundição, em Soroca­ ba, um ponto de encruzilhada dos transportes e centro do comércio interno brasileiro. Vamhagen, que, graças à sua função, tinha acesso a pessoas importantes no serviço público, frequentemente recebia cientistas e viajantes estrangeiros, aos quais Sorocaba e a fundição São João do Ipanema eram apresentados como exemplo das forças adormecidas do país.

Em 1821, a família se mudou para o Rio de Janeiro, onde o menino Francisco Adolfo teve suas primeiras aulas nas matérias elementares e no idioma francês, até que, em 1823, acompanhou o pai para Portugal, onde o mesmo fora contemplado com o cargo de administrador das matas portuguesas. '

As primeiras letras, as primeiras vivências intelectuais e ativida­ des profissionais de Francisco Adolfo Vamhagen, foram em Portugal, onde o Iluminismo de Pombal deixara fortes marcas e o Romantismo estava.prestes a florescer.

Em 1825, Francisco Adolfo Vamhagen iniciou sua formação escolar no Real Colégio da Luz' destinado especificamente a filhos

(17)

1 8 0 Historiografia e Nação no Brasil 1838-1857

de militares. A p ó s concluir com êxito os seis anos de estudos nessa instituição, em 1832 ele se matriculou, para um ano de estudos de matemática, na Real Academia da Marinha, fundada no final do sé­ culo XVII com o objetivo iluminista de “disseminação da luz”.

Na década de 1830, Portugal assistiu a disputas acirradas em tomo da política interna e da dinastia. O primeiro imperador bra­ sileiro, D. Pedro I, que, em 1831, abdicara da função a favor de seu filho, já havia, em 1826, abdicado da Coroa portuguesa, benefician­ do sua filha Maria da Glória (1819-1853) - cujo marido, D. Miguel

(1802-1866), era, ao mesmo tempo, irmão de D. Pedro e não pre­ tendia satisfazer-se somente com a Regência, manifestando sua pre­ tensão pessoal à Coroa.

Os adversários representavam, cada qual, diferentes conceitos estatais: D. Pedro, D. Maria da Glória e as forças sociais que os apoia­ vam queriam uma monarquia constitucional, ao passo que D. Miguel e seus adeptos perseguiam o ideal de uma monarquia absolutista. No ano de 1833, as disputas militares visavam chegar a uma decisão.

Após a conclusão bem-sucedida de seus estudos, em vez de desfrutar de férias, o jovem Francisco Adolfo Vamhagen, voluntaria­ mente, tomou parte dos combates como tenente de artilharia ao lado das forças de D. Pedro. Nessa decisão, que, de igual forma, atingia a maior parcela dos intelectuais portugueses aliados ao Romantismo, já se registrava o posicionamento político que também acompanha­ ria Vamhagen mais tarde: a defesa incondicional de uma monarquia subordinada à Constituição.

Após o fim dos combates, com a vitória de D. Pedro e Maria da Glória, Vamhagen continuou sua formação com estudos de quatro anos na Academia Real dé Fortificação, a futura Escola do Exército. Em complementação, frequentou ainda aulas de alemão no Colégio dos Nobres e cursos de ciências naturais, bem como um curso de paleogra­ fia, diplomacia e ciências políticas na Escola Politécnica d e Portugal.

Em 1837, nomeado capitão-tenente do Exército português e ajudante do Visconde de Sá da Bandeira [Bernardo de Sá Nogueira de Figueiredo (1795-1876)], Francisco Adolfo Vamhagen concluiu sua formação como engenheiro militar.

(18)

Francisco Adolfo de Vamhagen 181

Como se vê, o ponto forte de seus estudos se situou no campo (jas c iê n c ia s naturais, matérias que representavam o entendimento da importância da ciência para a mudança e o bem-estar da socieda­ de, colocando-se, pois, na tradição do Iluminismo.

Mas Vamhagen também se dedicou a estudos das ciências hu­ manas, sobretudo no âmbito da história, para o que certamente rece­ bia impulsos graças a seu contato intenso com os círculos românticos de Lisboa. Assim é que ele se tom ou amigo pessoal de Alexandre Herculano (1810-1877), uma das mais importantes revelações da li­ teratura portuguesa, cujo interesse pela história resultou em sua His­ tória de Portugal, de quatro volumes.41

Ao grupo dos românticos portugueses, pertenciam igualmente o poeta Antonio Feliciano de Castilho (1800-1875), o escritor, dra­ maturgo e servidor público Almeida Garret (1799-1854) e o diretor da renomada Biblioteca de Évora, Joaquim Heliodoro da Cunha Ri- vara (1809-1879), com quem Vamhagen mantinha volumosa corres­ pondência e com o qual colaborou no contexto de suas atividades na revista O Panorama.

A Sociedade Propagadora de Conhecimentos Úteis, que se fi­ liava aos românticos, desde 1837 editava, sob a proteção da Rainha D. Maria II (antes Maria da Glória), a revista O Panorama, cujo am­ plo espectro temático pretendia alcançar todas as “classes de cida­ dãos”, chegando, no prim eiro ano, a ter uma edição de cinco mil exemplares.42

41 Carta de Vamhagen a Joaquim H eliodoro da Cunha Rivera, de 3 de julho de 1839, p. 21; HERCULANO, Alexandre. História de Portugal Lisboa: Bertrand, 1846-53, 4v, v. 1, p. 518; v. 2, 455p.; v. 3; 514p.; v. 4, 488p.

42 O artigo 47 dos estatutos da Sociedade Propagadora de Conhecimentos Úteis definiu o objetivo de seu jornal da seguinte forma: “O jornal se ocupará de considerações sobre a história nacional e estrangeira; notícias de antiguida­ des e monumentos; estatística e geografia do país; biografia de nossos varões ilustres, em armas e letras; literatura propriamente dita, com preendendo os elem entos da teoria do discurso, e a sua aplicação à língua portuguesa. A ju­ risprudência, a econom ia política, o direito administrativo, a indústria, o co­ mércio e as belas artes servirão também de assunto a alguns artigos, pobres de aparato tecnológico, mas ricos de noções simples e úteis.” In RIBEIRO, José

(19)

182 Historiografia e Nação no Brasil 1830-1857

Alexandre Herculano assumiu a função de editor dessa que foi a mais importante plataforma dos românticos, em que Vamhagen também atuou como redator. A meta dessa publicação era o agior ncmento de Portugal, a fim de permitir ao país uma integração mais rápida aos países adiantados da Europa Ocidental.

Assim a Sociedade Propagadora dos C onhecim entos Úteis ju lg o u dever seguir o exem p lo dos países mais ilustihdos, fa­ zend o publicar um jorn al q ue derramasse um a instrução va­ riada, e que pudesse aproveitar a todas as classes d e cidadãos... Trabalhemos p or nos instruir e m elhorar nossos costumes, au­ m entando a civilização nacional.43

Para alcançar a m eta autoestabelecida, a revista abriu suas páginas a uma ampla palheta de temas, que iam desde as ciên­ cias naturais e as invenções técnicas, passando pela história, até as questões de arqueologia. A clara inclinação para o campo da história e, nisso, especialmente, da Idade Média portuguesa, coadunava-se com a pesquisa das raízes nacionais e a descrição do glorioso passado de Portugal. O redator V am hagen se dedica­ va, sobretudo, à pesquisa e à publicação das criações literárias da Idade Média.

Desde o início, a revista publicava artigos a respeito de temas relacionados com o Brasil. Afirmação determinante, em artigos ca­ racterizados pvelo tom de simpatia, eram a ênfase na herança cultural comum e a justificativa da separação de ambos os países pela me­ táfora do filho adulto que deixa a casa materna.44 Essa separação, contudo, na perspectiva da revista, não deveria constituir óbice para estreitos contatos entre os países.

Silvestre. História dos estabelecimentos científicos. Lisboa: Tipografia da Academia Real das Ciências, 1976, v. 8, p. 406.

45 O Panorama, Lisboa, 1, mai-dez/1837, p. 2. 44 O Panorama, Lisboa, dez/1837, p. 279.

(20)

Francisco Adolfo de Vamhagen 1 8 3

A abordagem positiva do Brasil na esfera pública portuguesa seguia certos modelos decisivamente importantes para a autocom- preensão e a autoavaliação da nação brasileira, tanto para dentro como para fora: o Brasil como país civilizado do Novo Mundo, como país do futuro, que traz em si as sementes do progresso, como jovem país de esperança e força em oposição aos países da velha Europa.

Afiguram muitas pessoas o Brasil c o m o u m país aind a inculto e bárbaro: creem q u e a civilização, as artes e os côm od os da vida são apanágio só dos europeus. Erro m iserável é este, que cum pre derrubar p elo pé.

Verdade é que ainda h oje está em m uitas coisas atrasado; mas as fon tes de sua prosperidade tem-nas em si m esm o, e só pre­ cisa ser adm inistrado com ju íz o para aum entar sua grandeza, ao passo q u e as velh as n a çõ es d a E uropa, sob recarregad as em gra n d e p arte d e p op u la çã o , con tid as em lim ites estrei­ tos, precisam d e m il cálcu lo s e co m b in a çõ es ec o n ô m ic a s e p o líticas para prosp erarem , e talvez m uitas d ela s para n ão d ecaírem .45

Nos numerosos artigos a respeito dos aspectos físicos, estru­ tura demográfica, caráter nacional, o teor das reportagens não era outro: “TalVez não fosse arrojada opinião o compará-lo aos franceses / o povo brasileiro/ ou antes cham ar aos brasileiros os franceses da América”.46 Em 1840, Varnhagen, após ausência de 17 anos, empreendeu sua prim eira viagem p a ra o Brasil, tendo, então, constatado com desaprovação a forte europeização da capital do Rio de Janeiro.47

45 Idem.

40 O Panorama, Lisboa 2 (46), 17 de março de 1838, p. 83.

47 Carta de Vamhagen a Joaquim H eliodoro da Cunha Rivara, d e 2 de agosto de 1840, p. 51: “A cidade em si é puramente europeia; e até o é demais, pois quanto a mim devia ser m enos servil a arquitetura das casas e mais acomodada ao clima e às riquíssimas madeiras da América.”

(21)

18 4 Historiografia e Nação no Brasil 1838-1857

Como já dito, um dos motivos para sua inclinação pela história e para a empresa intelectual, como a edição da revista O Panorama, era a vontade de resgatar as origens de Portugal, de sua civilização e cultura.

Essa motivação influenciou igualmente o modo e a forma de tratar o Brasil como posto avançado da cultura portuguesa no Novo Mundo. A forma da argumentação e do pensamento pode ser exem­ plificada exemplarmente num artigo sobre a literatura brasileira pu­ blicado em 1841. O autor recomendava aos escritores brasileiros usar moldes europeus que apenas teriam de receber o colorido local. No lugar de mitologias gregas e romanas, seria possível, então, recorrer às fábulas dos índios e à descrição de suas misteriosas circunstâncias de vida. E o papel dos cavalheiros da Idade Média europeia pode­ ria, então, caber aos bandeirantes brasileiros do século XVTI. A lei­ tura das obras dos autores do Romantismo brasileiro mostra que sua atuação literária possuía bases similares.

Essa mistura do familiar e do exótico convinha ao gosto dos círculos literários europeus, o que permitiu à literatura nacional brasileira encontrar W a boa acolhida por parte dos grupos do Ro- • mantismo europeu, fonte que não pode ser subestimada para a auto­ confiança dos escritores brasileiros. O estreito relacionamento com a Europa se revela nas propostas pragmáticas do artigo citado:

Os am ericanos devem buscar na história, nas cenas das regiões que habitam , os sím iles, as im agens para com por ou adornar os seus escritos, assim com o os talentos europeus nos­ sos contem porâneos vão buscar aos fatos, às tradições da Idade M édia a origem e progresso sucessivo das respectivas nações m odernas, os fundam entos de suas com posições. A literatura d o N ovo M undo deve apresentar pen sam en tos novos com o ele, singulares com o a natureza que tem p aten te aos olhos.48

48 O artigo publicado na revista portuguesa intitulava-se: “Das naturais tendên­ cias da futura literatura Brasiliense", O Panorama, Lisboa, 5 (214), 5 de junho de 1841, p. 183.

(22)

Francisco Adolfo dc Vamhagen 1 8 5

Em 1857, Vamhagen publicou, em O Panorama, um artigo a respeito do papel dos índios na nacionalidade brasileira, o que pro­ vocou significativo debate no Brasil. Noutra parte, voltaremos a nos ocupar desse artigo de forma mais detalhada.49

Vamhagen e alguns expoentes do movimento romântico inte­ graram a redação de outra revista, editada pela primeira ve2 em 1841. O objetivo da Revista Universal Lisbonense era a modificação da socie­ dade em bases evolucionistas: "... um jornal que só ensina e aconse­ lha... que tem por dogma que só pela transformação progressiva de todas as moléculas sociais, e não pelas revoluções, se aperfeiçoam e felicitam os povos...”.50

O patrocínio da revista se devia a uma sociedade de letrados que, além da Revista Universal Lisbonense, mantinha um gabinete de leitura com publicações estrangeiras e um salão de exibição prepon­ derantemente de inovações técnicas.

Além disso, Vamhagen e os líderes do movimento romântico em Portugal eram também membros de outro empreendimento cul­ tural, a saber, o Conservatório Geral da Arte Dramática (Conservató­ rio Real a partir de 1840). Essa iniciativa cultural, fundada em 1836, com apoio estatal, era dirigida por Almeida Garret e visava à forma­ ção de atores nacionais. Além disso, o Conservatório ainda promovia, por meio de competições e prêmios, a produção de peças teatrais.

Foi nesse ambiente marcado por dois,princípios básicos - a crença na aperfeiçoamento do ser humano com a ajuda de conheci­ mentos científicos e a inclinação para a história como caminho para solidificar a identidade nacional - que o engenheiro militar Francis­ co Adolfo Vamhagen publicou, aos 23 anos, em 1839, seu primeiro trabalho histórico.51 Ele se ocupou de um dos primeiros trabalhos, escrito ainda no século XVII, a respeito do Brasil.

49 VARNHAGEN, Francisco Adolfo. “Os índios perante a nacionalidade brasilei­ ra”. O Panorama, Lisboa, 14 (34), 1857, p. 265-8; 14 (35), 1857, pp. 276-9.

50 Revista Universal Lisbonense. Lisboa, 1841, p. 2.

51 VARNHAGEN, Francisco Adolfo. “Reflexões críticas sobre o escrito do século XVI, impresso com o título de ‘Notícias do Brasil’”. In Academia Real das

(23)

Ciên-186 Historiografia e Nação no Brasil 1838-1857

Esse trabalho, que teve recepção positiva, abriu-lhe as portas da Academia Real de Ciências de Lisboa, na qual foi admitido como membro naquele mesmo ano, por recomendação de D. Francisco de São Luís (1766-1845).

O trabalho bem-sucedido foi enviado por Vamhagen também ao Rio de Janeiro, ao Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, que o recebeu como membro em 1840.52 A recomendação que para isso se fazia necessária foi-lhe dada por um homem que ele conhecia de Lis­ boa, Antonio de Menezes Vasconcelos de Drummond (1794-1865), que, de 1837 a 1853, foi representante do Brasil em Portugal.53 Foi ele também quem recomendou o ingresso de Varnhagen no serviço público brasileiro, a fim de lhe assegurar um cargo seguro, servindo- lhe de base material para a concretização de seus planos intelectuais.

Em 14 de dezembro de 1839, Vasconcelos de Drummond es­ creveu ao ministro de Assuntos Estrangeiros do Brasil, Caetano Maria Lopes da Gama (1795-1862):

Recusa também qualquer em prego português, procura o Bra­ sil, sua pátria de nascim ento, por am or e porque prom ete en­ grandecim ento e elevação. É por isso que em prega seu talento em coisas d e interesse do Império. E n in gu ém m elhor d o que ele está em circunstância de prestar im portantes serviços neste gên ero histórico e geográfico, não só pelas relações íntimas q ue tem com os em pregados dos arquivos e bibliotecas deste R em o e da A cadem ia Real das Ciências, d e que é m em bro, mas tam bém porque co n h ece praticam ente tudo quanto exis­ te acerca d o Brasil, d e que faz seu particular estudo em qual- * 51

cias de Lisboa (org.). Lisboa, Tipografia da Academia, 1839, v. 3 , 120p. Coleção

de Notícias para a História e Geografia das Nações Ultramarinas que vivem nos domínios portugueses ou lhes são vizinhas.

51 Carta de Vamhagen a Januário da Cunha Barbosa, de 5 de outubro de 1839.

Arquivo do IHGB, Rio de Janeiro. Lata 140, Doc. 44.

** Carta de Antonio de Menezes Vasconcellos de Drummond a Januário da Cunha Barbosa, de 10 de novembro de 1839. Revista do IHGB. Rio de Janeiro, 2, jan-mar/1840, pp. 138-40.

(24)

Francisco Adolfo de Vamhagen 1 8 7

quer parte deste R eino... P retende ser em pregad o no serviço d o Brasil, sua pátria d e nascim ento; e n ós ganharíam os com isso, su pon h o eu, m orm en te se ele fosse em pregado com o título d e adido a esta L egação, com en cargo especial de coligir d ocu m en tos e diplom as para a História d o Brasil e diplom á­ tica, coordená-los e analisá-los d e m o d o q u e verifique datas e acon tecim en tos e apure a verdade d o fabuloso que abunda nas relações daquele tem p o d e p rop en são maravilhosa.54 Com sua nomeação como adido da delegação brasileira em Lisboa, Vamhagen inicia sua carreira no serviço público. Como já mencionado, isso o colocava em sintonia com a maioria dos intelec­ tuais brasileiros de sua época. Podemos partir da premissa de qúe Vamhagen, para garantir o sustento de sua vida, dependia de uma atividade que lhe rendesse algo, uma vez que, por exemplo, o testa­ mento que lavrou no Rio de Janeiro, em 1861, não inclui dados sobre valores patrimoniais significativos.53

Porém, quando Vamhagen ainda pertencia ao exército portu­ guês como engenheiro militar, e, portanto, antes da possibilidade de assumir seu cargo no serviço público brasileiro, tornou-se imperioso esclarecer a questão de sua nacionalidade. O ingresso no serviço pú­ blico brasileiro era permitido exclusivamente a cidadãos brasileiros e, no artigo 7 dá Constituição do Império do Brasil, declarava-se que perderia seus direitos como cidadão do Brasil quem “sem permis­ são do Imperador aceitasse serviço, aposentadoria ou distinção de

54 Carta de Antonio de Menezes Vasconcellos de Drummond a Caetano Maria Lopes da Gama, de 14 de dezembro de 1839. Arquivo do IHGB, Rio de Janei­ ro. Lata 62, Doc. 5.

95 Arquivo privado de Francisco Adolfo Vam hagen. Ministério das Relações Ex­ teriores, Rio de Janeiro. L. 351, p. V. N o decorrer de sua correspondência, encontram-se, com frequência, reclamações em relação aos'gastos excessivos que ele se via obrigado a despender devido às obrigações de sua fim ção de diplomata. Veja-se, por exemplo, a carta ao imperador, d e 10 de setembro de 1874. Arquivo do Museu Imperial, Petrópolis. 7735. Veja-se também nota 2, pp. 479-96.

(25)

188 Historiografia e Nação no Brasil 1838-1857

qualquer governo estrangeiro".56 Por essa razão, Vamhagen viajou em 1840 para o Brasil, abrindo mão de um cargo de preceptor dos filhos do casal real, o que lhe teria possibilitado uma estada para fins de estudos na Alemanha. Desde a sua mudança com a família para Portugal, em 1823, esse foi o primeiro contato de Vamhagen com o país em que nascera.

A ambição de Vamhagen pela nacionalidade brasileira foi dada por futuros intérpretes de sua obra como a expressão de sua proifunda comunhão com o país de seu nascimento. Nilo Odália57 complementa esse fato dizendo que essa decisão deveria ser vista em conjunto com os ideais dos românticos. Pode-se, com segurança, partir do fato de que o ambiente dos círculos literários de Lisboa contribuiu para que Vamhagen percebesse esse caminho como uma chance de concreti­ zar seus planos e a oportunidade para um sacrifício heroico em prol de sua pátria. Talvez outra característica de seu caráter, a ambição, tenha contribuído para que ele procurasse encontrar a sorte no novo grande Império. A leitura de suas cartas deixa perceber claramente a medida de sua ambição e o entendimento de seu trabalho como algo muito importante.

Após receber a nacionalidade brasileira em fevereiro de 1842, em maio desse mesmo ano seguiram-se a nomeação de adido no ser­ viço diplomático e a promoção a tenente do Corpo de Engenharia Imperial, ao qual pertenceu até 1851. No contexto do serviço diplo­ mático, durante sua carreira alcançou o grau mais alto.

Em Vamhagen, sempre estiveram intimamente relacionados a prestação das funções públicas; a identificação com o Estado brasi­ leiro e os trabalhos historiográficos. Entre suas funções como adido em Lisboa, figurava a aquisição de fontes importantes para o Impé­ rio, sobretudo no tocante às fronteiras territoriais. Os interesses do jovem Estado marcaram, então, diretamente as atividades científicas

de Vamhagen.

56 Constituição do Império do Brasil. In TORRES. João Caetano de Oliveira. A

democracia coroada. Petrópolis: Vozes, 1964, p. 47

(26)

Francisco Adolfo de Vamhagen 189

Durante sua estada no Brasil, de julho de 1840 a março de 1841, Vamhagen aproveitou para viajar à sua província natal, São Paulo, a fim de trabalhar nos arquivos e tomar parte nas reuniões do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil.

Como membro de uma delegação do Instituto, conheceu o Imperador Pedro II p o r ocasião de sua proclamação antecipada. Em carta a seu amigo Cunha Rivara, ele descreveu essa viagem: “Aqui tenho visto a natureza, conversado os livros e frequentado as socie­ dades e bailes”.58

A carreira diplomática levou Vamhagen a Lisboa (de 1842 até 1847), Madri (de 1847 até 1858), Assunção (1859), Caracas (de 1861 até 1863, com competência para a Colômbia e o Equador) e Viena (de 1868 até 1878). Até Viena, todos os postos ocupados pelo diplo­ mata Vamhagen estiveram determinados pela questão das fronteiras.

Na Espanha, ele recebeu a incumbência de compilar docu­ mentos pertinentes à época colonial, e, por sua vez, os países latino- americanos em que serviu, com exceção do Chile, tinham fronteira comum com o Brasil. Essa experiência o levou, em 1851, a ser convo­ cado pelo Ministério dos Assuntos Estrangeiros para ficar vários me­ ses no Rio de Janeiro, a fim de elaborar um parecer sobre a questão da delimitação das fronteiras.59

O então ^ministro de Assuntos Estrangeiros, Paulino José So­ ares de Souza (1807-1866), quatro anos mais tarde voltou a se valer dos conhecimentos de Vamhagen por ocasião das deliberações acer­ ca da fronteira com a Guiana Francesa.

Em aditamento à sua atuação como perito, durante sua esta­ da rio Brasil de maio até dezembro de 1851, Vamhagen assumiu a função de primeiro secretário do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil. E provável que date dessa época seu contato pessoal com o Im perador Pedro II, que costumava comparecer às reuniões do

58 Conforme nota 47, p. 52.

sq VARNHAGEN, Francisco Adolfo. “Memória sobre os trabalhos que se podem

consultar nas negociações de limites do Império, com algumas lembranças para a demarcação destes”, Arquivo do IHGB, Rio de Janeiro. Lata 340, Pasta 6.

(27)

190 Historiografia e Nação no Brasil 1838-1857

Instituto Histórico e Geográfico do Brasil. Foi o que aconteceu, por exemplo, quando, na reunião de 6 de junho de 1851 Vamhagen leu para os membros do instituto um manuscrito de sua obra.

Já dois anos antes, Varnhagen havia redigido, exclusivamente para o ministro da Guerra, um memorando a respeito de importan­ tes medidas de reestruturação do exército imperial.60 61Além de pro­ postas de natureza técnica, para as quais sua formação lhe garantia qualificação, o documento de Vamhagen apresentava ideias pjara a defesa das fronteiras nacionais, sobretudo em relação à Região do Prata. Nesse memorando, já se faz sentir a posição básica de Var­ nhagen de que a nação brasileira deveria delimitar-se em relação às repúblicas vizinhas.

T o d o h om em de Estado q u e se possuir b em da posição em q u e física e m oralm ente se acha a sua nação para com as ou­ tras - lim ítrofes p rincipalm ente - con h ecerá co m o por instin­ to qual será aquela contra a qual pelas armas mais se deve estar d e sobreaviso... Esse m esm o instinto dirá a todo brasileiro que a nossa fronteira m eridional, q u e há século e m eio tantas vezes tem servido d e teatro d e guerras, é a m ais exposta d o Império, e que nas m argens do Prata existe o m ais tenaz, m ais turbulen­ to e mais terrível inim igo, contra q uem n os devem os a tem po precaver.51

Para melhor compreensão dos trabalhos apresentados por Varnhagen, é preciso levar em conta as condições gerais políticas que envolvem o ambiente de sua elaboração.

A política exterior do Império visava fortalecer a fronteira su­ lina e estabilizar a constelação de poder na área do Rio Prata. Desde que assumiu a pasta de Assuntos Exteriores (1849), Paulinojosé Soa­

60 VARNHAGEN, Francisco Adolfo. “Memorial .sobre algumas inovações úteis ao Exército Imperial em Campanha”. Arquivo Histórico do Museu Imperial, PetrÓpolis. Maço 112, Doc. 5526.

(28)

Francisco Adolfo de Vamhagen 191

res de Souza se empenhou em rejeitar as reivindicações da Argentina em relação aos territórios do Uruguai e do Paraguai, cuja concretiza­ ção teria significado uma melhoria da posição estratégica do Estado republicano face ao Brasil, Vamhagen, pois, em relação a suas opi­ niões quanto ao “mais terrível inimigo” do Brasil, estava em sintonia com os responsáveis políticos de sua época.62

E dessa mesma época outra obra importante e de caráter pro­ gramático, a qual tinha um efeito político. Durante sua temporada em Madri, Vamhagen escreveu, de 1849 a 1850, um Memorial orgâni­ co, apresentando-o ao parlamento brasileiro.63 Logo no início, ele lis­ tava os seis problemas que, a seu ver, eram os mais urgentes do país:

- Fortalecimento das fronteiras - Inadequação da capital do Império

- Necessidade de abrir o interior do país mediante um amplo sistema de comunicações

- Disparidade das províncias, favorecida por dimensões terri­ toriais desequilibradas

- Falta de um plano de defesa e de uma política de ocupação segundo pontos de vista estratégicos

- Estrutura populacional étnica, qué se opõe a uma consolida­ ção da nação.

Na introdução, Vamhagen levanta a tese de que o Brasil, mesmo 25 anos após a Independência, ainda não era uma “ríação firme”,64 mas a reunião de múltiplas colônias que viviam em total dependência do comércio exterior. Uma situação ameaçadora que, em sua opinião, punha em jogo a existência do Brasil como nação independente.

** Conforme nota 60, p. 1.

68 VÂRNHAGEN, Francisco Adolfo. Memorial orgânico. 1849/50. Biblioteca do IHGB, Rio d e Janeiro, 4 4 ,2 , 27.

(29)

1 9 2 Historiografia e Nação no Brasil 1838-1857

Segundo Vamhagen, ao imperador cabia a tarefa de iniciar a organização básica do Império, encerrando a introdução às suas observações com as seguintes palavras: “Ou se adotem os meios que propomos ou se adotem outros, o essencial é tratarem-se radicalmen­ te os males apontados".65 Na segunda parte de seu escrito, Vamha­ gen assinalava que os seis itens citados diziam respeito a problemas fundamentais do Império e, na terceira parte, reivindicava assinalar as correspondentes soluções. O projeto detalhado e cuidadosafmente elaborado no fundo tinha como objetivo a adoção de certo modelo nacional.

Vamhagen, porém, não se restringiu à publicação de textos de natureza político-programática, mas igualmente se dedicou à li­ teratura. Em 1854, ele editou ura volume com textos épicos sobre o Brasil66 e, em 1850, uma coletânea de poetas brasileiros.67 A moti­ vação para essas iniciativas literárias de Vamhagen certamente deve ser buscada na ideia dos românticos de se voltarem para a herança literária da nação.

O critério que .presidiu a inclusão na coletânea de poetas bra­ sileiros foi p lugar de nascimento do respectivo autor, pois uma di­ ferenciação entre escritores brasileiros e portugueses por critérios estéticos e temáticos não teria sido possível.

No ensaio introdutório da coletânea, Vamhagen desenvolvia o paradigma de sua conceituação de fenômenos culturais brasileiros. Ser “americano”, argumentava Vamhagen, não significava a aboli­ ção de princípios e cânones clássicos, mas os temas do Novo Mundo deveriam ser apresentados segundo esses princípios e modelos. No primeiro plano, o que se colocava para Vamhagen era sublinhar a herança civilízatória dos europeus contraposta à existência da barbá­ rie dos indígenas.

66 Conforme nota 53, p. 2v.

66 VARNHAGEN, Francisco Adolfo. Memorial orgânico. 1849/50. Biblioteca do IHGB, Rio de Janeiro, 44, 2, 27.

(30)

Francisco Adolfo de Vamhagen 19 3

No ensaio introdutório, Vamhagen já tratava do domínio ho­ landês sobre o nordeste do Brasil durante o século XVII, que, para sua abordagem da nacionalidade brasileira e o projeto de escrever uma história da civilização brasileira, veio a se tom ar de extrema re­ levância. A seu ver, foi com a expulsão dos holandeses da Bahia e de Pernambuco que começou a literatura brasileira. Ele interpretava a luta contra os holandeses como resultado de um sentimento nacio­ nal que abria, ao mesmo tempo, a possibilidade de definir o Brasil como algo particular.

T oda a guerra d e alguns anos, q uan d o b em dirigida, convém d e tem pos a tem p os às nações, para as despertar d e seu torpor. O sangue é fecu nd o, quando b em derram ado, e a conquista d e glórias é tão necessária a um povo co m o o au m en to d e suas rendas.68 69

A luta contra os holandeses adquiriu significado simbólico para a historiografia nacional em constituição, e o tema foi abordado por Vamhagen num livro publicado em Viena, em 1871.'“A permanência de Vamhagen em situação funcional, na Europa, sofreu interrupção em 1858, quando de sua convocação para chefe da representação brasileira no Paraguai.

Sua carreira, no todo, pode ser chamada de bem-sucedida: 16 anos após o ingresso no serviço diplomático, ele estava na cúpula da representação do Brasil num país vizinho de importância na época.70

68 Conforme nota 67, p. 17.

69 VARNHAGEN, Francisco Adolfo. “História das lutas com os holandeses no Brasil desde 1624 a 1654”. Viena: Carlos Finsterbeck, 1871, 365p.

70 A Lei n. 614, de 2 de agosto de 1851, regulamentou o serviço diplomático bra­ sileiro. Segundo os princípios da burocracia, que estabeleceu as regras tanto do ingresso, quanto da carreira no serviço diplomático, a lei previa três classes de funcionários no serviço diplomático: “Enviados Extraordinários e Ministros Plenipotenciários”; “Ministros Residentes”; e “Encarregados de Negócios”. O decreto n. 941, de 20 de março de 1852, estabeleceu o núm ero e os níveis das representações diplomáticas brasileiras no exterior. Segundo o mesmo

(31)

194 Historiografia c Nação no Brasil 1838-1857

Sua fama de “o historiador” do Império se havia consolidado, sobre­ tudo a partir do segundo volume da História do Brasil, publicado em 1857. Vamhagen teve pleno reconhecimento, tanto de seus serviços para com o Estado quanto pelo seu desempenho intelectual.

Desde 1852, costumava corresponder*se regularmente com Pe­ dro II, uma troca de missivas que se estendeu por 25 anos e que, para ele, foi de grande importância: “ (Eu) aprecio a honra de escrever a V.M.I. como o maior dom de quantos me pudera em seu vasto domí­ nio outorgar o punho imperial...”71

Nessa troca epistolar que abordava múltiplos temas, Vamhagen dava ao imperador conselhos políticos, apresentava propostas, sem dei­ xar de colocar os próprios serviços no foco certo, sempre se queixando de ter sido preterido profissionalmente. Como expressão desse contato pessoal, o imperador tomou-se padrinho da filha do historiador.

A partir de 1859, Vamhagen serviu como representante do Império em diversas repúblicas sul-americanas, em sua maior parte limítrofes do Brasil. Devido às questões fronteiriças e a seu estado liti­ gioso, justamente nessa época as relações diplomáticas eram expostas a fortes pressões. Não era uma tarefa fácil para um homem como Var- nhagen, que, como ele mesmo expressou numa carta ao imperador de 25 de outubro de 1867, via a forma de governo monárquica como salvação de toda a América.72

A eclosão da Guerra do Paraguai (1865-1870) encontrou Var- nhagen no Pçru e resultou no rompimento das relações diplomáticas entre os dois países. Em 1868, ele pediu ao imperador sua transfe­ rência para um país europeu, uma convocação que ele não pretendia que fosse vista como premiação pessoal, mas como vantagem para a nação. Nisso, ele vislumbrava “mais tranquilidade de espírito do que

decreto, ao Paraguai correspondia um “Ministro n o Serviço Exterior”. Fonte: Relatório da Repartição dos Negócios Estrangeiros Apresentado à Assembleia Geral Legislativa na Quarta Sessão da 8 \ Legislatura pelo respectivo ministro e secretário de Estado P aulinojosé Soares deSouza. Rio de Janeiro: Tipografia Universal Laemmert, 1852, 29p. + Anexos.

71 Carta de Vamhagen ao Imperador; de Io. de fevereiro de 1852, p. 170. n Carta de Vamhagen ao Imperador, dé 20 de julho de 1863, p. 292.

(32)

Francisco Adolfo de Vamhagen 195

a que oferecem as Repúblicas, para entregar-me a trabalhos intelectu­ ais, começando pelo da redação e publicação da minha 2a edição".78 Uma carta enviada a Pedro n , de 9 de março de 1870, de Vie- ;na, é prova de quão profundamente se haviam arraigado as experiên­

cias colhidas na Repúblicas, reforçando sua rejeição dessa forma de governo e mostrando quão forte era sua ambição:

C on clu o suplicando a V.M.I. que não m e m ande para n en h u ­ m a república, n em m e m an d e a outra parte sem m elhorar-me d e categoria, pois qualquer das coisas equivaleria para mim a u m a verdadeira facada, q u e n ão creio ter m erecid o d e nin­ gu ém e m uito m enos d e V.M.I.74

O decreto imperial de 22 de fevereiro de 1868 transferiu Var- nhagen para Viena, para a corte de Francisco José I, a quem apre­ sentou suas credenciais em 4 de julho de 1868. Por ocasião de sua transferência para Viena, Varnhagen solicitou uma promoção que, no entanto, apenas lhe foi concedida em 1871, no contexto de uma viagem de Pedro II à Europa e que marcou o ponto alto de sua car­ reira a serviço do país. Coroando seus leais serviços à pátria, em 1872 lhe foi outorgado o título nobiliárquico de “barão” e, dois anos mais tarde, a promoção a “visconde".

Da temporada em Viena, data a obra de.Vamhagen, publicada em 1871, a respeito dos holandeses no Brasil,75 e, como continua­ ção da “História Geral do Brasil”, a “História da Independência do Brasil”,76 que o Instituto Histórico e Geográfico do Brasil só publi­ cou em 1916. Essa obra deixa claro, escrevia ele em 16 de junho de 1875 a Pedro II,77 que seu pai, Pedro I, fora o verdadeiro herói da 74 Carta de Varnhagen ao Imperador, de 26 de outubro de 1867, p. 313.

74 Carta de Vam hagen ao Imperador, de 9 de março de 1870, p. 340. 75 Conforme nota 69.

76 VARNHAGEN, Francisco Adolfo. “História da Independência d o Brasil”. Revis­

ta do IHGB. Rio de Janeiro, 79,1916, pp. 21-598.

Referências

Documentos relacionados

Equipamentos de emergência imediatamente acessíveis, com instruções de utilização. Assegurar-se que os lava- olhos e os chuveiros de segurança estejam próximos ao local de

Com o objetivo de compreender como se efetivou a participação das educadoras - Maria Zuíla e Silva Moraes; Minerva Diaz de Sá Barreto - na criação dos diversos

17 CORTE IDH. Caso Castañeda Gutman vs.. restrição ao lançamento de uma candidatura a cargo político pode demandar o enfrentamento de temas de ordem histórica, social e política

O enfermeiro, como integrante da equipe multidisciplinar em saúde, possui respaldo ético legal e técnico cientifico para atuar junto ao paciente portador de feridas, da avaliação

Ocorre que, passados quase sete anos da publicação da Lei n o  12.651/2012 e pacificadas as discussões sobre a sua aplicação, emendas a uma medida provisória em tramitação

The provisional measure addresses the necessary extension of the deadline for entry into the Environmental Regularization Program (PRA), but also contains amendments that aim

Mas existe grande incerteza sobre quem detém esses direitos em certas áreas do Brasil rural.. Esta é a posição do Brasil em relação à segurança de direitos de propriedade de

This infographic is part of a project that analyzes property rights in rural areas of Brazil and maps out public policy pathways in order to guarantee them for the benefit of