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ed Rio de Janeiro: Laemmert, 1854-7 v 2, p XXVIII.

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ração dos Tamoios,U0 dedicada ao imperador, em que a colonização é apresentada como violência e conquista, interpretando-se a resis­ tência contra isso como luta justificada do que é americano e /o u brasileiro contra o que é português.

O imperador, a quem Magalhães fez uma apresentação pessoal na Corte, colocou-se a favor da epopeia: entre outras-coisas, median­ te apoio financeiro da publicação e envio de exemplares a intelectu­ ais, tais como Varnhagen e o português Alexandre Herculano, com a solicitação de se manifestarem a respeito da obra.

A publicação da obra de Magalhães deu lugar a uma polêmica radical na imprensa, em que se fizeram ouvir escritores como José de Alencar, Manoel de Araújo Porto Alegre e até o próprio imperador.

Enquanto José de Alencar, autor do romance histórico mais importante da literatura brasileira - O Guarani—, em que ilustrava o ideal da fusão pacífica entre os portugueses brancos e os índios, havia criticado de modo agudo a obra de Gonçalves de Magalhães, Manoel de Araújo Porto Alegre e o imperador assumiram posição favorável em relação à obra.110 111

Varnhagen não se deixou intimidar pelo engajamento impe­ rial em prol da obra de Magalhães, e, numa carta de 25 de setem­ bro de 1856 enviada ao imperador, agradeceu o envio do exemplar, negando a Magalhães qualquer qualificação literária e colocando-o enfaticamenté sob julgamento: “Infelizmente está o poema mui lon­ ge de poder, no mais mínimo, aspirar às honras da epopeia nacional do século de Pedro II. Nem o assunto de tal Confederação bestial é verdadeiramente épico...”.112

Quatro anos mais tarde, o alvo da crítica radical se defrontou na Revista do Instituto com as opiniões de Varnhagen acerca da ques-

110 MAGALHAES, Domingos José de. A Confederação dos Tamoios. Rio de Janeiro: Empresa Tipográfica 2 de dezembro, 1857, 324p. + 20p. Notas.

111 Para a reconstituição desse debate, veja-se: GASTELLO, José Aderaldo. “A polêmica sobre ‘A Confederação dos Tam oios’”. São Paulo: FFCL-USP, 1953,

139p.

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tão indígena, como expostas na História Geral do Brasil}11 O objetivo de seu artigo foi “a reabilitação do elemento indígena como parte que é da população do Brasil”.113 114

Por reabilitação, Gonçalves de Magalhães entendia provar ser falso designar os indígenas como bárbaros. Com a ajuda da análise de fontes históricas e, portanto, trabalhando do mesmo modo metológi- co adotado por Vamhagen, Magalhães provou que, na sociedade dos indígenas, existiam instituições que correspondiam às instituições da sociedade portuguesa. Como prova, ele mostrava que, entre outras coisas, a estrutura social dos indígenas funcionava igualmente basea­ da em certos princípios e que dispunha de uma espécie de conjunto de conceitos jurídicos. Desses fatos, ele concluía que, em toda parte, existiria um mesmo espírito humano. A existência de um sentimen­ to, como o da hospitalidade, por exemplo, a seu ver provava que os indígenas possuíam propriedades semelhantes às dos povos cristãos.

Em sua descrição, os indígenas eram apresentados como por­ tadores de uma racionalidade e de uma moral que, mesmo com base em atitudes peculiares, também se apresentavam com condições para ser considerados “civilizàdos”. Enquanto Vamhagen acreditava que a força era o meio apropriado para tratar os indígenas, Gonçalves de Magalhães se empenhava em “conclamar os indígenas à civilização e ao cristianismo”.115

A revisão almejada por Magalhães da imagem do indígena no plano ideal - nesse sentido, deve-se mencionar, sobretudo, o âmbito da literatura, em que a epopeia indígena frequentemente aparecia como a de heróis positivos - não era motivada, porém, exclusivamen­ te por considerações de ordem humana, mas perseguia também ob­ jetivos práticos:

Se eles nos não dessem logo braços à lavoura e à nossa Ma­ rinha, dariam seus filhos, já sujeitos às nossas leis e falando 113 Revista do IHGB, Rio de Janeiro, 23, 1860, pp. 3-66.

114 Idem, p. 6. m Idem, p. 66.

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a nossa língua; e nós cumpriríamos assim um dever que nos impõem a religião, a moral, a civilização e o Patriotismo.116 O sentido representado por Magalhães em matéria de polí* tica indígena surgia de um relacionamento alternativo entre uma descrição positiva dos indígenas na literatura e projetos para sua in­ tegração concreta à sociedade brasileira.

Tanto Magalhães como Vamhagen não tinham dúvidas de que a concretização de um projeto nacional não seria possível sem a in­ tegração da parcela indígena da população, como já dito. Ambos, no entanto, divergiam fortemente quanto ao modo e à forma de incluí- los e como os indígenas deveriam ser descritos no plano literário.

Num texto inicialmente concebido como introdução â Histó­ ria Geral do Brasil, Vamhagen apresentou suas ideias a respeito da nacionalidade brasileira. Ele deu a esse texto o título programático de “Como se deve entender a nacionalidade na história do Brasil".11’

O objetivo de Vamhagen e de todos que se engajavam em prol da formação de uma nação brasileira era, como na Europa, “... por meios lentos, cautelosos e políticos, fazer que, em séculos futuros, da­ qui a duas ou três gerações, não haja um só servo, nem bugres bravos, e todos venham na Pátria a ser cidadãos”.118

A nação, no futuro, poderia certamente ser uma comunidade de cidadãos, mas só se os responsáveis por essa nação fossem brancos, já que, só sob a sua liderança, a nação poderia surgir;

E desgraçadamente quanto mais remontamos ao primitivo Es­ tado dos nossos Tupinambás, mais tropeços encontramos para reabilitar ante a civilização, à qual nunca teriam chegado sem os esforços quase excepcionais, de abnegação, dos primeiros jesuítas...

1,6 Idem.

117 Conforme nota 103. 118 Idem, p. 232.

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N ão, a nacionalidade brasileira atual e futura, n ão é neta da antropofagia que a raça tupi havia trazido à nossa terra.”” 9 Mesmo antes de Vamhagen chegar a examinar os indígenas em sua História Geral do Brasil, chegou a pronunciar opiniões que iriam cunhar seus estudos.

Nos selvagens não existe o sublim e desvelo que cham am ps pa­ triotismo, que não é tanto o ap ego a um p ed aço d e terra, ou bairrismo (que n em sequer eles com o nôm ades tinham bairro se u ), com o um sen tim ento elevado que nos im p ele a sacrificar o bem-estar e até a existência p elos com patriotas, ou p éla gló­ ria da pátria, com a só ideia d e q u e a posteridade será grata...1“ Uma vez que somente os portugueses possuíam o sentimento de patriotismo tão valorizado por Vamhagen, e apenas eles estavam em condições de transmiti-lo, Vamhagen terminava por articular com isso uma nova comprovação quanto à necessidade de fazer deri­ var a nacionalidade brasileira dos colonizadores brancos.

O tratamento da temática indígena para Vamhagen servia tão- somente para a comprovação de que eles viviam em condições de barbárie e de atraso. Todos os aspectos dessa sociedade “selvagem”, de acordo com as palavras de Vamhagen, eram descritos em deta­ lhes, sempre invocando a sociedade branca para fins comparativos. Assim ele julgaVa a sociedade indígena: “os laços de família, primeiro elemento de nosa organização social, eram mui frouxos”.119 120 121

Algumas páginas adiante, ele caracterizava os indíge­ nas como “falsos e infiéis; inconstantes e ingratos, e bastante desconfiados".122

119 Conforme nota 103, p. 232v.

120 VARNHAGEN, Francisco Adolfo. História Geral do-BrasiL 1 ed., v. 1, p. 98. 121 Idem, p. 46.

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O quadro dos indígenas que se nos afigura com base em sua descrição detalhada era considerado pelo próprio Varnhagen pou­ co prazeroso e um a crítica aguda em relação à apresentação do indígena como le bon sauvage: “A vista do esboço que traçamos, sem nada carregar as cores, não sabemos como haja ainda poetas, e até filósofos, que vejam no estado selvagem a maior felicidade do homem...”123

Vamhagen chegou a ponto de classificar contatos sexuais en­ tre mulheres indígenas e homens brancos como contribuição das mulheres indígenas ao processo civilizador e à libertação do jugo de seus homens.124

A imagem dos indígenas traçada por Vamhagen justificava a colonização como empreendimento civilizador e luta contra a bar­ bárie, em vez de criticá-la como empreendimento de conquista, tal como opinava parte da literatura contemporânea.

Como já mencionado, Vamhagen, após a publicação de sua obra, sofreu violentas críticas pelas opiniões vertidas acerca dos indí­ genas. Na segunda edição da História Geral, ele tratou dos indígenas no segundo capítulo, ainda antes do descobrimento do país pelos portugueses. Ele esperava, com isso, reduzir a censura de que sua história brasileira teria sido escrita sob prisma português, crítica que, entre outras cojsas, lhe era feita sob a alegação de que os indígenas apareciam, na primeira edição, apenas no oit?tvó capítulo.125 Essa re­ formulação, porém, não era expressão de uma mudança de base em sua avaliação da problemática indígena.

Não era apenas por parte da literatura que as opiniões de Varnhagen a respeito dos indígenas eram criticadas. Varnhagen também teve um a polêmica com um historiador contemporâneo, * 129

,ís Idem, p. 13S. '« Id em , p. 172.

129 Essa crítica foi formulada por D ’Avczac, em análise da obra de Vamhagen publicada n o Bulletin de L a Société dç Geographie. Desse fato, desenvolveu-se um debate entre os dóis membros da Société de Geographie.

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João Francisco Lisboa (1812-1863),126 cujos pontos centrais não di­ vergiam de sua controvérsia com Domingos José Gonçalves de Ma­ galhães.127

O historiador Lisboa, que inicíalmente costumava qualificar-se como aluno de Vamhagen, criticava em seu texto os comentários des­ te a respeito da colonização como luta justificada contra a barbárie, e os métodos que Varnhagen defendia para “integrar” os indígenas.

Tratando-se de uma polêmica entre historiadores, ambas as partes procuravam apoiar seus argumentos em fontes. Um debate de estudiosos, cuja dimensão política contemporânea, contudo, era muito clara, ou seja, como resolver a questão indígena.

Coerente com seu conceito de história, o historiador Vamha­ gen buscava encontrar na história também respostas para os desafios do cotidiano político. Quanto à integração à nação brasileira da par­ cela populacional indígena, ele preconizava como modelo a atuação dos bandeirantes do século XVII, que haviam organizado empreen­ dimentos para capturar indígenas e empregá-los como mão de obra na lavoura.

I

Vamhagen propunha que o Estado deveria apoiar iniciativas privadas dessa espécie. Aos que realizassem tais caçadas humanas, dar-se-ia, como recompensa pela “ação de civilizar” os indígenas, um período limitado para disporem dessa força de trabalho. Esse mode­ lo traria também uma solução para o problema da escravidão negra, pois, em vez de buscar mão de obra noutro continente, tal “ação de civilizar” de indígenas brasileiros engendraria: "... um aumento de braços menos perigosos que bs dos negros, porque, daqui a pou­ co, estariam misturados conosco em cor e em tudo, e então tería-

126 Sobre o historiador João Fran risco JJsboa, veja-se: JANOTTI, Maria de Lour­ des M. João Francisco Lisboa: jornalista e historiador. São Paulo, Ática, 1977, p. 253. m Sobre esse debate, veja-se: LISBOA, João Francisco. “Sobre a escravidão e a

História Geral do Brasil pelo sr. Vam hagen”. In Apontamentos para a História do

Maranhão. Petrópolis, Vozes, 1976, p: 577-605; VARNHAGEN, Francisco Adol­

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mos em todas as províncias - povo - classe social que algumas não possuem”.128

Com isso, Varnhagen tocava o problema básico de um país em que uma terça parte da população era composta de escravos e um número desconhecido de pessoas vivia fora de determ inado “contrato social".129 A m inoria tinha plena consciência da profunda brecha entre essa m inoria ciosa de pensamentos nacionais e um a vasta massa quase intocada por essas ideias, e dos riscos daí resul­ tantes para a consolidação do Estado nacional.

A constatação de Vamhagen de que o “povo” não existia em todas as províncias tocava nessa problemática. A força lhe parecia um recurso apropriado no trato com os indígenas: “A experiência de cada dia nos está provando que sem o emprego da força não é possível repelir a agressão dos mais ferozes, reprimir suas correrias; e mesmo evitar as represálias a que elas dão lugar”.130

Pelo seu posicionamento em relação aos indígenas, Vamha­ gen, de certo modo, distanciava-se daqueles que achavam que a cris­ tianização era o meio apropriado para a solução da problemática in­ dígena.131 Vamhagen julgava a catequese, demasiadamente lenta para se chegar ao objetivo almejado: “civilizar” os índios, a fim de tom ar o Brasil independente dos escravos negros. A escravidão, na visão de Vamhagen, era, o maior mal, embora não tanto em razão de escrú­ pulos morais, rnas devido a seus efeitos, entre outras coisas, sobre a cultura da emergente nação brasileira:

Sem identidade d e língua, d e usos e d e religião entre si, só a cor e o infortúnio vinha a unir estes infelizes, com unicando-se na língu a d o colon o, estrangeira a todos, e p or isso sem pre por eles cada vez mais estropiada, em detrim ento até da educação * 150 151 m Conforme nota 63, p. 32.

1W Idem, p. 33.

150 Conforme nota 120, p. 178.

151 Sobre isso, veja-se neste trabalho descrição do tratamento deste tema do ponto de vista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.,

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da m ocidade, que, havendo com eçad o p or aprender com eles a falar erradam ente, tinha depois m ais trabalho para se desa- vezar d e muitas locu ções viciosas.132

No Memorial orgânico,133 anteriorm ente referido, Varnhagen sustentava a necessidade de uma solução política para a questão da escravidão, aludindo à terrível imagem de uma rebelião dos negros:

É urgentíssim o impedir-se q ue entrem mais; e antes pedirm os todos am anhã esm olas e andarmos descalços q u e ver o belo e risonho Brasil - a nossa pátria - convertida num a cadnguenta G uiné. E cuidado que eles n ão dorm em tanto com o se pensa! Já têm feito seus ensaios em vários anos, n o Dia d e Reis, em que se juntam por tod o o Brasil, e só é para tem er que um a vez se com binem a um tem po.

É necessário tratar de equilibrar as raças, proteger por todos os m odos, o seu cruzam ento, para assim term os daqui a um ou dois séculos um a população h om ogên ea, con d ição essencial para evitar n o futuro contínuas guerras civis.154

O Memorial orgânico, redigido em 1849, foi a contribuição a um intenso debate de política interna acerca da problemática do co­ mércio de escravos. Sua opinião era de que aqueles que apoiavam o comércio de escravos apenas preparavam “um vulcão sombrio e terrí­ vel para o Brasil".135 Varnhagen'considerava o transporte de escravos negros para o Brasil desde o início da colonização a causa de todos

132 Conforme nota 120, p. 180. 138 Conforme nota 63.

134 Idem, p. 8. 133 Idem, p. 30.

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os maus costumes: "... por seus hábitos menos decorosos, seu pouco pudor, e sua tenaz audácia”.136

Ao nos referirmos, na primeira seção desta parte do trabalho, aos escritos de Vamhagen, pudemos constatar que sua atuação mui­ tas vezes era marcada pelo predicado de “pragmática”. O mais impor­ tante paradigma da historiografia brasileira situada na tradição do Iluminismo daquela época era a ideia de que, da história, era possível extrair lições para o presente.137

As interpretações de Varnhagen acerca da história do Brasil eram fortemente impregnadas por questões políticas da época, para cuja solução a história, como cadinho de experiências passadas, ti­ nha uma contribuição a dar. Nesse sentido, sua observação do passa­ do era pragmática.

Um bom exemplo disso é a História das Lutas contra os Holan­ deses no Brasil, publicado em 1871, em Viena.138 A obra foi iniciada em 1867, por ocasião de uma estada no Brasil com o propósito de estimular os que duvidavam da vitória do Brasil na Guerra do Para­ guai (1865-70).139 Segundo a perspectiva de Vamhagen, os brasileiros poderiam encontrar coragem para o presente a partir da luta de seus antepassados, que durou 24 anos e foi coroada de êxito, contra um dos maiores poderes da Europa na época.

Por sua vez, na História Geral do Brasil, Varnhagen havia rela­ tado, em detalhes, a invasão dos holandeses no Nordeste do Brasil durante o século XVII. As lutas que daí surgiram, segundo a visão de Varnhagen, foram úteis para o Brasil por dois motivos. Em pri­ meiro lugar, porque a nação brasileira se formou quase no sangue do combate:

Cremos, sim, que um a guerra de tem pos a tem pos p od e erguer um país d e seu torpor; crem os... poderia estabelecer, com o 196 Conforme nota 120, p. 185.

137 Sobre o conceito d e história do IHGB, veja-se o Capítulo 3 deste livro. 138 Conforme nota 69.

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estabeleceu, mais u nião e fraternidade, em toda a família já brasileira; crem os q ue se estreitam m uito nas mesmas fileiras os laços d e que resultam glórias com uns, e q ue não há víncu­ los mais firmes que os sancionados pelos sofrimentos; e tanto que ao estrangeiro q ue peleja ao nosso lado e que derrama o seu sangue pela nossa causa, lhe conferim os p elo batismo do sangue a mais valiosa carta de naturalização...140

Com isso, Vamhagen, de forma muito elegante, também resol­ veu o problema dos estrangeiros que participaram da luta contra os holandeses. Já que a guerra fez deles todos brasileiros, o princípio da nacionalidade, tão importante no século XIX, pôde ser soerguido.

A presença dos holandeses, no entanto, promoveu a civilização do Brasil ainda em outro sentido.

De acordo com Vamhagen, por um lado, só o contato com a cultura holandesa elevou o nível das províncias (então chamadas capitanias) da Bahia e de Pernambuco. Nisso, ele destacava especial­ mente a atuação do Príncipe Maurício de Nassau e o embelezamento da capital do Recife.141

Para acompanhar a argumentação de Vamhagen, é preciso lem­ brar, de forma sucinta, o que de fato levou os holandeses àquela épo­ ca ao nordeste: a região canavieira. O que pretendiam era dominar a totalidade do comércio de açúcar, razão pela qual, de forma coerente, ocuparam também os portos da costa africana, de onde os negros eram transportados èomo mão de obra para o Brasil. Devido à ação dos ho­ landeses, o comércio de escravos entre Brasil e África ficou fbrtemente prejudicado. Foi também essa a razão pela qual vieram para o sul des­ povoado do Brasil claramente menos escravos negros do que antes. De­ vido à sua conhecida posição negativa em relação aos escravos, Vamha­ gen julgava esse fato por si só como positivo para a evolução civilizatória do Brasil. Isso porque, motivados pela falta de mão de obra, os bandei­ rantes cruzavam o interior para capturar indígenas, que também eram 140 Conforme nota 120, p. 337.

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vendidos no nordeste, e abriram novos territórios. Achava Vamhagen que, com isso, como resultado da ocupação holandesa, tanto o norte como o sul do Brasil experimentaram um movimento civilizador.

Na perspectiva de Vamhagen, enfeixavam-se dois dos mais im­ portantes problemas de sua época num acontecimento histórico do século XVII: o advento da nação e sua definição como representante da civilização, razão pela qual, n a obra de Vamhagen, a esse aconte­ cimento se atribui um significado simbólico tão intenso.

Fiel à sua convicção de que cabe ao historiador proferir sen­ tenças, Vamhagen opinava a respeito dos resultados da guerra con­ tra os holandeses:

O perigo com um fez aproxim ar m ais do escravo o sen h or e o soldado eu rop eu do brasileiro, ou d o ín d io am igo... Por outro lado, tam bém o perigo com um au m en tou m u ito a tolerância dos povos d e umas capitanias para as outras, e estabeleceu m aior fraternidade; d e m o d o q ue quase se p o d e assegurar que dessa guerra data o espírito público mais generalizado por tod o o Brasil.

Em definitivo: da invasão holan d esa resultou algum proveito para o Brasil? - grande responsabilidade envolve a resposta, q uando, ao pensar dã-Ia, co m o q ue acom etem nossos ouvidos