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CAPÍTULO II – APRENDER A LER E A ESCREVER NO BRASIL: DAS PRIMEIRAS LETRAS À IDEIA DE ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO

2.2.1. Cartilhas como impressos para a oficialização do método analítico

A produção de livros em São Paulo, no final do século XIX, teria uma expansão por causa da ampliação do ensino primário para educação das massas (RAZZINI, 2014). Para corroboração do método analítico, as cartilhas foram indicadas pelo Estado. Os livros escolares para serem utilizados nas escolas públicas deveriam ser aprovados por distintas

comissões oficiais e se o livro fosse oficialmente adotado, o Estado financiava o impresso escolar e o distribuía nas escolas públicas (idem). Nesse sentido, demonstra-se os impressos adotados pelo Estado: o Meu Livro (Leitura Analytica) (1909) de Theodoro de Moraes, a

Cartilha Analytica (1909) de Arnaldo Barreto, Cartilha Moderna de Ramon Dordal e as Cartilha nº 1 e nº 2 de João Köpke.

Segundo Pereira (2009), Meu Livro (Leitura Analytica) de Theodoro de Moraes33 foi adotada e aprovada pelo governo do Estado de São Paulo. Fundamentada a partir do plano de Thompson de instituição do método analítico, a cartilha foi produzida tanto para o ensino da leitura para as crianças e para a formação de professores. Assim, Theodoro de Moraes “teve uma participação efetiva nesse processo de sistematização teórica do método analítico com a publicação do livreto A leitura analytica (1909)” (PEREIRA, 2015, p. 121).

A cartilha Meu Livro (Leitura Analytica) foi representada com "sentenças interrogativas, como se o autor estivesse dialogando com o aluno sobre a estampa ou objeto concreto apresentado" (PEREIRA, 2009, p.5). Apresentaram-se os temas do conhecido para o desconhecido e as lições designavam preceitos da moralidade. A configuração gráfica foi constituída por desenhos, historietas e pela exibição de diversas estampas.

Arnaldo de Oliveira Barreto34, partindo da institucionalização realizada por Thompson do método analítico, produziu a Cartilha Analytica pela Livraria Francisco Alves. A cartilha foi iniciada por três historietas, nas quais as sentenças foram numeradas e escritas com letra cursiva. No segundo momento, continuaram numeradas, mas com letra de imprensa. Mesmo assim, a letra manuscrita voltou a aparecer em outras páginas. O alfabeto somente surgiu na página vinte e nove por meio de sentenças e depois foram formadas sílabas relacionadas aos nomes dos objetos representados por meio de estampas (desenhos) que transpareceram em toda a cartilha. A ordem configurada era a historieta, a sentença, a palavra

33 Theodoro de Moraes estudou na Escola Normal Caetano de Campos, diplomando-se em 1906. Teve contato com o método analítico na Escola Modelo Anexa à Escola Normal de São Paulo, sendo primeiro aluno-mestre e depois professor. Trabalhou como professor de ensino primário, professor e Diretor de Escola Normal e redator da Revista de Ensino até 1909. A produção de livros didático foi iniciada também em 1909 com a publicação do Meu livro: primeiras leituras de accôrdo como methodo analytico. Em 1910, foi selecionado por Oscar Thompson como responsável em supervisionar as atividades de leitura e linguagem, onde verificou a não uniformidade de ensino da leitura e da linguagem, elaborando com outros inspetores o documento, Como ensinar leitura e linguagem nos diversos annos do curso preliminar (1911). Sua produção, em relação aos materiais didáticos, perdurou por quatro décadas (PEREIRA, 2015).

34 Diplomou-se em 1891 na Escola Normal de São Paulo. Foi professor na Escola Modelo Anexa do Carmo e também inspetor das Escolas Anexas de São Paulo. Participou como redator-chefe da Revista de Ensino, atuou como Diretor do Colégio de Campinas e como Diretor da Escola Normal da Praça da República. Envolveu-se na construção do documento participou da elaboração do documento oficial Instrucções praticas para o ensino da leitura pelo methodo analytico – modelo de lições (BERNARDES, 2015).

e a sílaba. Considera-se que a Cartilha analytica de Barreto era inerente à discussão sobre o ensino da leitura e escrita que abrangia a:

[..] busca da cientificidade na educação da criança; os conceitos, deduzidos a partir da psicologia da infância, que deveriam guiar o professor nos modos de ensinar; os novos métodos de ensino; a hegemonia dos métodos intuitivos e analíticos para o ensino de todas as matérias da leitura (BERNARDES, 2015, p. 98).

Ramon Dordal35 seguiu a indicação da instrução paulista de utilização do método de leitura analítico por meio de cartilhas elaboradas pelos professores de ensino primário (PASQUIM, 2015b). A Cartilha Moderna, publicada aproximadamente em 1902, apresentou figuras com a finalidade de tornar o ensino da leitura mais fácil no âmbito de "conter palavras e frases que exprimam ideias claras e ao alcance da inteligência das crianças; e conter ensinamentos úteis de aplicação imediata" (MORTATTI, 2000, p. 96). As lições começavam com as palavras relacionadas às gravuras e a divisão de sílabas. Ao final da página, as sentenças e frases eram anunciadas e a partir da página vinte e quatro as historietas foram compartilhadas.

João Köpke36 realizou uma Conferência em 1916 para divulgar as Cartilha nº 1 e nº

2 escritas após um grande aprofundamento sobre o método analítico. O autor realizou

apontamentos sobre seu material em relação aos dos autores já discriminados e ao material produzido pela instrução pública do Estado de São Paulo (MORTATTI, 2000). Salienta-se que Köpke fez críticas a outros autores, também adeptos do método analítico por acreditar que o processo de ensino não deveria ser iniciado pela historieta, mas pelo conto, justificando que “por meio de gravuras e palavras correspondentes, ideias familiares que deveriam favorecer a aprendizagem da leitura e escrita e conduzir conscientemente à abstração (elementos da palavra: sílabas e letras)” (MORTATTI, 2015a, p 73). O ensino deveria ser pautado na leitura

35 Trabalhou como tipógrafo no Rio de Janeiro, estudou na Escola Normal de São Paulo, diplomando-se em 1886. Foi nomeado para a Primeira Cadeira em Itatiba (SP) e, posteriormente, nomeado Diretor de um Grupo Escolar na mesma cidade. Depois, lecionou na Escola Modelo do Carmo e foi Diretor do Grupo Escolar do Brás. Fora isso, foi colaborador da Revista Eschola Pública, bem como redator da Revista de Ensino. Entre 1907 e 1919 foi Inspetor Escolar na cidade de São Paulo até se aposentar. Participou da elaboração do documento oficial Instruções praticas para o ensino da leitura, pelo methodo analytico (PASQUIM, 2015b).

36 Estudou na Faculdade de Direito de São Paulo, titulando-se em Bacharel em Ciências Sociais e Jurídicas, sendo nomeado promotor público em Faxinal (SP). Dedicou-se ao magistério dando aulas particulares e lecionando Inglês, Francês, Italiano e Geografia para meninas no Colégio Rangel Pestana. Professorou no Collegio Culto á Sciencia em Campinas que tinha ideais republicanos, bem como no Colégio Florence, específico para a educação feminina. Fundou em 1884 a Escola Primária neutralidade juntamente com Silva Jardim. Mudou-se para o Rio de Janeiro e abriu o Instituto Henrique Köpke e uma associação de professores. Foi nomeado por Campos Salles oficial de registro geral e hipotecas e diretor e professor do ensino primário. Investiu na divulgação do método analítico por meio do rádio, de artigos em jornais para o ensino do Inglês e Francês nos jornais Provincia de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Jornal do Commercio (RJ) e em revistas pedagógicas como: Eschola Publica, Revista de Ensino (SP) e Revista Pedagógica (RJ).

inteligente e expressiva que requer a compreensão do leitor, ou seja, as sentenças e as frases não dariam conta de um entendimento amplo (idem).

De acordo com Panizzolo (2006, p. 197), o autor apresentava o método analítico diante de cinco passos para o ensino da leitura e escrita:

O primeiro passo tem por objetivo fazer com que o aluno seja capaz de ver a história que está escrita na prancha mural do professor e no seu porta-vocábulo. O segundo passo consiste em exercitar o aluno para fazer coincidir a impressão acústica com a ótica, estando pronto para o próximo passo, que nada mais é do que fazer o aluno ler, porque entende o que vê, forma mentalmente a imagem que a palavra sugere e consegue soletrar. O quarto passo refere-se a levar o aluno a ler e realizar composição com as novas palavras. E o quinto e último passo tem por objetivo a realização da síntese.

A história deveria ser ensinada utilizando um conto que tivesse palavras reconhecidas por meio da linguagem infantil e que possibilitasse o estudo das letras do alfabeto. Revelou o modo do ensino da leitura como:

[...] o ponto de partida para o ensino da leitura deve ser o TODO. Este todo, mais do que a SENTENÇA, é a fala, a descripção, a narração, o DISCURSO, que a instruiu na língua em que entende e se faz entendida, e que, sob a forma de conto ou história escripta, se ha de traduzir a seus olhos, dando-lhe o segredo da representação graphica, em que se faça entendida e entenda (KÖPKE, 1916, p. 36, grifo do autor)

Diante dessa perspectiva, a Cartilha nº 1 e nº 2 foram complementadas por dois outros materiais: os livros companheiros e os cadernos de escrita. A Cartilha nº 1 foi composta por estampas e narrativas que trabalharam com vocábulos tidos como referência ou base a repetição de ações, primordialmente, o fonema inicial para a apreensão de novos vocábulos iniciados com o mesmo fonema já estudado. Já na Cartilha nº 2 foram apresentadas as sílabas em nível mais dificultoso (MORTATTI, 2000).

Os professores/autores das cartilhas com o apoio do Estado publicaram impressos escolares em defesa do método analítico. Theodoro de Moraes, Arnaldo de Oliveira Barreto e Ramon Dordal produziram as cartilhas de alfabetização indicando as historietas, as frases e as sentenças37 como recurso para o ensino da leitura e escrita. No caso, Köpke considerou ideal o

37 O método da frase utiliza um grupo de palavras com sentido. As atividades de expressão oral realizadas pelas crianças se transformam em orações simples e, também, em faixas expostas na sala de aula para ilustração e como fonte de consulta para formação de novas palavras (B. BRASLAVSKY, 1988). O método das sentenças é semelhante ao da frase, sendo a sentença decomposta em palavras e depois sílabas. Ressalva-se que há poucas informações sobre a sua divulgação (FRADE, 2005, 2007). Já a historieta e o conto estão inseridos no método global e a unidade de partida é o texto que deve ser memorizado para o reconhecimento de sentenças, de palavras e de sílabas em diferentes momentos, abarcando um período de lições com os textos e na sequência, atividades com partes maiores, as sentenças, e somente na sexta lição fazia-se a palavração da primeira lição que

ensino da leitura e escrita por meio de contos por possibilitar a compreensão do todo em relação a leitura para apreensão de sentido. O método analítico iniciou um processo no ensino da leitura de preocupação com o significado, fator não envolvido nos métodos sintéticos. Mesmo assim, os textos utilizados como contos e historietas não possuíam um sentido para a vivência em sociedade.