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2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.2. A CARTOGRAFIA NAS PESQUISAS AMBIENTAIS

2.2.3. CARTOGRAFIA AMBIENTAL, CONCEITUAÇÃO E TÉCNICAS

Com base nos artigos de Martinelli (1993,1994 e 1997) e HERZ (1997), que abordam a cartografia ambiental, percebe-se que com o crescimento das pesquisas ambientais, houve a necessidade de que os profissionais, envolvidos com essa temática, começassem a discutir a cartografia produzida voltada para essa área.

Os poucos autores que tratam do tema apontam para a necessidade de se sistematizarem conceitos e técnicas para uma representação cartográfica ambiental. De acordo com Martinelli (1994), algumas abordagens sobre o tema foram vislumbradas, principalmente nas décadas de 70 e 80, por Ozenda (1974; 1976; 1986); Journaux (1975; 1985); Tricart (1977), Kondracki; Astrowski (1980); Monteiro (1987; 1982)25 e Troppmair (1983).

Apesar da cartografia ser uma técnica amplamente empregada em estudos ambientais, percebe-se que não tem sido dada a ela a mesma importância que se verifica em outras técnicas nas análises ambientais.

Há que se pensar sobre sua sistematização e são poucos os que intentaram publicar algo nesse sentido. Podem-se encontrar alguns conceitos em Martinelli (1994), que

25 MONTEIRO, C.A.F. The environmental quality in the Ribeirão Preto Region, S.P – An attempt. In: Commission on Environmental Problems, São Paulo: UGI, 1982.

______. (Coord.) Centro de Estatística Informação (CEI). Qualidade ambiental na Bahia: Recôncavo e regiões limítrofes. Salvador, 1987.

em um artigo, tentou agrupar alguns estudos já publicados na área. Martinelli (1993) apresentou reflexões em seu texto sobre a “cartografia da geografia física” ou seja, a geomorfológica, a climática, a hidrográfica e a biogeográfica.

Uma cartografia que, nos dias de hoje, está atrelada, quase sempre, ao planejamento, manejo, zoneamento e gerenciamento ambiental, deve incorporar aspectos humanos e físicos em suas relações e representações. As conferências internacionais, que nos anos 80, institucionalizaram o conceito de sustentabilidade, contribuíram para consolidar uma abordagem holística na análise do meio ambiente, isto é, procuraram evidenciar as inter-relações de seus diversos fatores.

Nesse sentido, argumenta Martinelli (1997), não se pode continuar considerando mais a concepção dualística dessa cartografia: natureza de um lado, homem do outro, como componentes muitas vezes antagônicos.

Dessa forma, a cartografia, como qualquer ciência, de acordo com Martinelli (1994, p. 61),

[...] não pode ficar alheia a este movimento, porquanto tem potencial para participar dele, mediante mapas, com a tríplice função: de registrar as informações, de processar os

dados, de denunciar as distorções e de comunicar os

resultados obtidos a partir das pesquisas empreendidas sobre a questão. É neste contexto que poderemos conceber uma

cartografia ambiental. Ela pode ser considerada um setor

específico da cartografia temática.

Percebe-se que a questão de grande importância na cartografia ambiental está ligada ao seu poder de inter-relações entre os elementos, como expõe Herz (1997, p. 227):

[...] as relações funcionais e genéticas dos sistemas naturais podem completar-se a partir de estudos integrados que se adequam ao campo da análise ambiental, desde o uso de técnicas avançadas de modelagem, que tende ao desenvolvimento de métodos automatizados para a identificação dos níveis de dependência e relação de

componentes associados aos processos ambientais, desde sua estrutura sistêmica.

Para Ozenda26 (1986), citado em Martinelli (1993, p. 318), a cartografia ecológica

difere da ambiental, uma vez que “a primeira, trata da representação da vegetação

ou dos animais e respectivos fatores do meio que os condicionam, a segunda, incorpora também a ação humana, avaliando-se as interações entre suas atividades e o meio natural”.

Conforme Cabrera (1984)27, citado por Souza (1993, p. 19),

os estudos de cartografia ecológica partem do pressuposto de que as características ecológicas de um determinado território podem ser descritas através de um número grande de parâmetros, cujas relações de interdependência entre eles se exprimem espacialmente. Esta evidência permite então a delimitação de unidades homogêneas que podem ser mapeadas e descritas de forma integrada.

Nesse sentido, Pablo et al. (1987) ao proporem um método de cartografia ecológica, tomaram por base o uso de computadores e a teoria da informação, amostrando a área de estudo por meio de sobreposição de uma grade quadriculada.

No entanto, “a concepção de uma cartografia ambiental constitui um desafio à

cartografia temática. Ainda persiste certa indefinição para sua plena sistematização”

(MARTINELLI, 1997, p. 232). Essa indefinição em relação à cartografia ambiental passa por problemas metodológicos, quando se trabalha com dados ambientais, principalmente relacionados com escalas de mensuração diferenciadas. Silva (1992, p.47) explica que

a parametrização de problemas ambientais foi muitas vezes tentada com a associação de medições nas escalas de intervalo e razão a eventos ambientais que, na realidade, estavam se manifestando na singela escala nominal. Para o

26

OZENDA, P. La cartographie écologique et ses applications: Ecological mapping and its aplications. Paris, MASSONS, 1986. 166 p. Este livro trata da cartografia estritamente ligada à ecologia e à biogeografia.

27

CABRERA, P. G. Cartografia ecológica del Valle do Guimar. Uma experiência metodológica. Universidad de La Laguna. La Laguna, 1984, 355p. Tese de licenciatura.

autor [...] as técnicas de sensoriamento remoto propiciaram uma visão sinótica dos problemas ambientais. [...] Tornaram- se possíveis investigações sistemáticas de todas as unidades territoriais onde seja suposto que estejam registrados eventos ambientais de interesse.

Martinelli (1997, p. 234) também aborda esse aspecto da escala têmporo-espacial na cartografia ambiental, apontando “que cada fenômeno tem sua duração para sua

organização e sua manifestação espacial característica”. Disso deriva que a

cartografia ambiental deve conter, segundo o autor,

articulações de diferentes níveis de análise em conformidade com as ordens de grandeza em que os fenômenos se manifestam e [...] combinações e contradições que acontecem entre conjuntos espaciais definidos pelos fenômenos sob a apreciação, num mesmo nível têmporo-espacial.

Na natureza a questão tempo/espaço é fator essencial para essas discussões. A dinâmica, bem como sua evolução temporal, ainda continuam sendo desafios para a cartografia convencional (que mostra a realidade de forma estática, cada mapa individualmente) e para os SIGs. Enquanto que “the passage of time is mormally

understood via changes we perceive occurring to objects in space their transformation over time and their movements in relation to one another” (PEUQUET,

1994a, p. 441).

Não obstante, hoje existem técnicas de visualização cartográfica que preenchem um pouco essa lacuna, mas ainda não solucionam o problema. Isso pode ser feito por animação de mapas de um mesmo tema, uso e ocupação do solo, por exemplos, criados quadro a quadro, em um intervalo de tempo, em escalas temporais diferentes.

Essa técnica pode ser aplicada tanto por mapas elaborados pela cartografia convencional ou pelos SIGs. No entanto, a vantagem do SIG, em relação à cartografia digital, é a utilização de produtos provenientes do sensoriamento remoto, via imagens de satélite, em escalas diferentes e variações temporais (anual, mensal ou até mesmo diária).

Segundo, Peuquet (1994a), a cartografia, que foi bastante usada para a apresentação estática do mundo, agora pode utilizar-se do recurso espaço-tempo como fizeram MacEachren et al. (1999); Monmonier (1990) que incorporaram técnicas de oscilação de cores, seqüência de mapas estáticos temporais e gráficos suplementares, (conjugação de mapas mais gráficos mostrando a mudança em uma variável específica ou sobre a região inteira).

Apesar dessas técnicas, Aangeenbrug (1991) conclui que a integração dos recursos da dinâmica espaço-temporal no SIG tem ocorrido muito devagar e mesmo os modelos que já foram desenvolvidos nesse sentido não são largamente utilizados, devido a dificuldades de se abastecer o banco de dados diariamente.

No mesmo sentido, Câmara (2000, s.p.) afirma que, para alguns fenômenos dinâmicos, que envolvem tempo e modificação no espaço geográfico, como uso do solo, a tecnologia dos SIGs ainda não é adequada, e que um dos grandes desafios da Ciência da Informação Espacial é desenvolver técnicas capazes de representá- los. Equações iterativas, ao serem incorporadas em SIGs, simulariam fenômenos espaço-temporais.

Percebe-se que, de acordo com MARTINELLI (1997), a proposta cartográfica que mais se aproxima da cartografia ambiental seria a de síntese, pois abarca o caráter sistêmico integrador, inerente a quase todas as pesquisas ambientais. No entanto, tem-se que tomar certos cuidados ao fazer uma cartografia de síntese; não basta apenas superpor ou justapor etapas analíticas que resultam em mapas com poluição visual, com variedade de símbolos. Isso só atrapalha a síntese e simplesmente impede análises mais elaboradas.

Tem-se que tentar agrupar atributos ou variáveis de interesse para a pesquisa, em locais com características semelhantes. A maneira arcaica de se produzirem essas análises era através da mesa de luz, sobrepondo várias transparências, umas sobre as outras. Segundo Herz (1997), deve-se hoje estabelecer sistematização dos dados

em lógica bidimensional, seqüencial e sinopticamente, para que as ligações nas ações de diagnóstico, possam ser sempre atualizadas por procedimentos de rotina desde o monitoramento das categorias, relações e atributos no espaço e no tempo.

As propostas semiológicas desenvolvidas por Martinelli (1994) para a cartografia ambiental referem-se, principalmente, às legendas. Pois muitas vezes, elas não respondem à questão elementar: em tal lugar o que está? E a superposição de vários atributos, em mapas do tipo uso do solo, não responde à pergunta imediata: onde está? Assim sendo, é necessário analisar todos os atributos, na legenda tradicional, para depois fixar mentalmente a imagem de onde ele está e fazer a correlação de conjunto. (FIGURA 10) Isso pode ser resolvido por meio de coleção de mapas (FIGURA 11), para se observar cada atributo individualmente, ou mudando a legenda do mapa, como mostra Martinelli (FIGURA 12).

FIGURA 10 – LEGENDA TRADICIONAL

MATAS CAMPOS PASTOS CULTURAS LEGENDA TRADICIONAL Fonte: MARTINELLI (1994)

FIGURA 11 – COLEÇÃO DE MAPAS

MATAS CAMPOS PASTOS CULTURAS

Fonte: MARTINELLI (1994)

FIGURA 12 – LEGENDA POR COLEÇÃO DE MAPAS

PASTOS CULTURAS MATAS

CAMPOS

LEGENDA POR COLEÇÃO DE MAPAS

Fonte: MARTINELLI (1994)

Outra proposta refere-se à questão da dinâmica. Certos objetos mudam de posição e de aparência. Para considerarmos mapas dinâmicos, devem-se confrontar várias edições de um mesmo tipo de mapa, numa seqüência temporal (MARTINELLI, 1994). Para essa representação basta aplicar valor visual mais claro para a primeira data e mais escuro para a segunda, revelando, assim, a evolução da cultura. No

entanto, afirma o autor, existe problema nessa representação: ela não indica o sentido da evolução da cultura.

Bertin (1973, 1977)28, citado por Martinelli (1994, p. 74), recomenda, para solucionar

esse problema, um mapa de superposição para cada data com legendas por coleção de mapas, o que permite ao leitor ter acesso ao aspecto dinâmico em dois níveis: elementar (o que houve em tal lugar?) e de conjunto (que mudança espacial teve tal atributo? (FIGURA 13).

FIGURA 13 – MAPA DE SUPERPOSIÇÃO

1

1

1 MATA

1 MATA

2

2 CULTURA

2 CULTURA

2

1970

1960

Fonte: MARTINELLI (1994) 28

BERTIN, J. Sémiologie graphique, Paris, Mounton, 1973.

Martinelli (1997:241) conclui que

a cartografia ambiental ainda não atingiu sua completa sistematização. Deverá persistir muita conjugação de esforços entre os especialistas das ciências ambientais e os que se dedicam à cartografia temática, no intuito de estabelecer uma metodologia apropriada, com o fim de dinamizar essa forma de comunicação em prol do esclarecimento da sociedade sobre a questão ambiental.

Herz (1997, P. 231) afirma que “...a expectativa da cartografia ambiental ainda nessa

década é a de contar com instrumentos poderosos derivados da automatização”.

Nesse contexto, observa-se que a cartografia ambiental ainda caminha no sentido teórico, necessitando de sistematização. Ela se fortalece enquanto acopla técnicas digitais mais eficazes, como o SIG para as análises ambientais. Por outro lado, ao mesmo tempo que essas técnicas são incorporadas aumentam os problemas relacionados à visualização da informação e a comunicação dos dados. O desenvolvimento teórico e conceitual não ocorre com a mesma rapidez das novas técnicas de produção do material cartográfico. Isto faz com que a ciência cartográfica fique sempre desatualizada teoricamente.