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CARTOGRAFIAS DOS LUGARES DE (DES)ENCONTROS Os locais onde moças e rapazes se encontravam para

3. SENSIBILIDADES E SOCIABILIDADES NOS ESPAÇOS CITADINOS

3.2 CARTOGRAFIAS DOS LUGARES DE (DES)ENCONTROS Os locais onde moças e rapazes se encontravam para

consumarem o ato sexual nem sempre eram planejados. Muitas vezes, eles traçavam trajetórias indefinidas, aparentemente inocentes, repentinamente. Os encontros ocorriam em vários espaços das cidades: durante festas, ao ar livre ou em espaços fechados; nas praças (PARAÍBA, 1967e); nos cinemas (PARAÍBA, 1974d); nos bailes que perduravam até a madrugada; nas missas aos domingos; no retorno dos colégios, ou ao se dirigirem para estes; nas praias em tempo de veraneio; em festas dançantes nos clubes das cidades, em períodos de carnavais e

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A circulação da revista Jornal das Moças era uma publicação brasileira focada em moda, produzida no Rio de Janeiro, de 1914 a 1965.

festas juninas; nas casas de patrões onde trabalhavam como empregadas domésticas (PARAÍBA, 1973a; 1976e); ou na casa das ofendidas. As relações de amizades, nesse sentido, tinham um papel fundamental, pois os/as jovens se conheciam quando eram apresentadas/os por amigos/as72 que faziam parte das redes sociais. Algumas moças e alguns rapazes residiam no mesmo bairro ou na mesma rua e compartilhavam, provavelmente, quase os mesmos hábitos, faziam parte daquele universo social/cultural da segunda metade do século XX; outros eram colegas de trabalho73.

As ruas e praças eram territórios frequentados tanto por homens quanto por mulheres de todas as idades. Nesses ambientes, as pessoas possivelmente brincavam e se conheciam desde a infância, ali produziam seus desejos e sonhos e articulavam suas redes de amizades. Por essas razões, teria sido comum frequentarem quase sempre os mesmos locais de diversão e lazer, bem como os mesmos colégios onde iniciavam seus primeiros anos de estudos. Mas essa regra não era válida para todas as moças que levavam suas queixas às delegacias. Muitos casos de defloramento denunciados ocorriam durante os períodos de festas cívicas e religiosas, espaços onde se congregavam várias pessoas de outras cidades da Paraíba ou de estados vizinhos.

Em algumas ações, consta o fato de que os recados e bilhetes endereçados, em particular aos rapazes, eram muitas vezes veiculados através das amigas íntimas, irmãs menores das “ofendidas” ou de pessoas de sua confiança. As mensagens chegavam aos destinatários também por meio das chamadas alcoviteiras, mulheres casadas, separadas, solteiras ou “de vida livre”74

que facilitavam os namoros e até mesmo os atos sexuais entre os casais. O cupido tinha uma função específica frente àquelas primeiras trocas de olhares, gestos e palavras.

Muitos iniciavam suas relações de amizade e, em seguida, entabulavam namoro que durava dias, meses, anos. É possível que a amizade se nutrisse da observação e de conversas, despertando os desejos e as paixões em um campo silencioso, próprios daquela época;

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Grande parte dos processos faz menção ao fato de as moças terem sido apresentadas aos rapazes por meio de colegas ou amigos/as.

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Carina conheceu Antônio, trabalhando como operário no SANBRA, Fábrica de Algodão (PARAÍBA, 1951a).

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Segundo uma ação de 1971, na cidade de Campina Grande, Maria de Jesus Sabino Brasileiro, “mulher da vida livre”, amiga íntima e colega da declarante, era quem levava e trazia recados entre a ofendida e o sedutor acusado.

em outros momentos, observa-se que, com poucos dias de namoro, os jovens já iniciavam a prática sexual. Os relacionamentos afetivos se tornavam mais sérios nos períodos de festas, como por exemplo, no caso em que um casal terminou “noivando oficialmente no mês de dezembro”. (PARAÍBA, 1972d). Em muitos casos, o apaixonar-se naqueles termos era precedido de sedução, “carícias e promessas de amor” (PARAÍBA, 1967b), gestos e palavras, de estratégias de segurança inspiradas em promessas de casamento, o que, nas palavras dos juristas, culminavam na justificável confiança e, por conseguinte, no crime de sedução. Para que fosse considerado crime de sedução, o namoro deveria demandar bastante tempo, tendo a seriedade de um “quase-noivado”, pois assim era justificável a confiança que as moças teriam nos rapazes a ponto de se envolverem sexualmente. O noivado dava maior legitimidade à boa conduta da menor, era visto como atestado do grau de confiabilidade que ela depositara no acusado. O compromisso significava dizer que o “sedutor” teria tido tempo de “amaciar o processo psíquico”, tal como era regular nas argumentações dos promotores.

Como afirma Martha de Abreu Esteves, os relacionamentos amorosos e os namoros ocorriam de forma bem diferente daquela que os ilustríssimos juristas esperavam (1989, p. 155). Essas regras ditadas no início do século XX, no Rio de Janeiro, não eram tão diferentes em se tratando dos códigos voltados para o namoro das “moças honestas” da Paraíba, nas três primeiras décadas da segunda metade do citado século. Observa-se, contudo, que muitos códigos eram infringidos em nome dos desejos imediatos, às vezes, nos parece, quase impulsivos. Nem sempre os rapazes frequentavam assiduamente a casa das menores, alguns costumavam passar pela calçada ou marcavam encontros na principal pracinha da cidade. A residência das vizinhas também fazia parte dos locais de encontros e dos primeiros contatos físicos. Em outros casos, as moças da época costumavam namorar os rapazes no interior de seus lares, na residência da avó ou em frente ao portão da residência (PARAÍBA, 1960a). Algumas permaneciam nos espaços íntimos da residência, na sala de estar, sob os olhares das mães, “cerceando do maior zelo e vigilância [...]” (PARAÍBA, 1960a). Ali, ficavam horas conversando, muitas vezes o rapaz conversava mais com o pai e a mãe do que com a sua namorada. Isso porque, se a mãe ou o pai não apreciassem a pessoa do rapaz, poderiam exigir o fim do namoro; por essa razão, eles precisavam, primeiramente, convencê-los de que eram bons namorados para suas filhas (ARAÚJO, S., 2006), para serem, então, aceitos pela família.

Nesses espaços, construíam-se relações de familiaridade e intimidades também entre os vizinhos. Alguns rapazes frequentavam assiduamente a casa das famílias, mantendo diálogos com os parentes, presenteando suas namoradas “com cartões de boas festas, retratos [...]” (PARAÍBA, 1960a) e alianças de noivado. Galgavam, assim, não somente a confiança delas, mas também a de pais e mães, segundo os discursos dos delegados e promotores. De outro lado, outras moças namoravam às escondidas, longe dos olhos dos familiares. A prática do jogo de futebol entre os rapazes também era muito comum, o que possibilitava relações de amizades duradouras entre os irmãos, os pais das “ofendidas” e os acusados.

Alguns códigos de conduta moral e de namoro eram voltados para os ensinamentos bíblicos que eram passados desde a tenra idade das mães para as filhas, por meio do chamado catecismo. Ao analisar os discursos religiosos no município de Cabaceiras, Cariri da Paraíba, Paula Faustino Sampaio mostra como se davam as práticas dos encontros catequéticos, aos domingos à tarde, em meados dos anos 1940. As crianças a partir de 10 anos se preparavam para fazer o sacramento, “um juramento de fidelidade por parte do indivíduo em relação à Igreja Católica [...]” (SAMPAIO, 2009, p. 47). A autora afirma que, entre os anos de 1944 e 1946, 278 meninas e 159 meninos participaram da celebração da primeira comunhão, ou primeira eucaristia na paróquia coordenada pelo padre João Madruga, na Igreja Matriz. A pedagogização das crianças tinha em vista “formar famílias cristãs, que comporiam a sociedade obediente à Igreja”. (SAMPAIO, 2009, p. 40).

No início dos anos 1950, era comum os jornais, como o Diário da Borborema e O Norte, fazerem apologia aos ensinamentos da Igreja Católica, reforçando o combate dos comportamentos vistos como modernos, como o namoro que fugisse dos princípios, envolvendo o ato sexual antes do casamento. Naquele ritual de educação moral e sexual, as mocinhas deveriam frequentar as missas aos domingos, acompanhadas sempre que possível pelas mães ou pelos pais, tomarem a hóstia sagrada, sobretudo aquelas que já haviam passado pelo ritual da primeira comunhão. Era muitas vezes nesse ambiente de adoração e louvor a Deus que os olhares se entrecruzavam e emitiam signos de flertes, dando início aos primeiros contatos entre os casais.

Um convite para um passeio, uma “voltinha” aparentemente ingênua acabava terminando no local onde elas tinham a primeira relação sexual. Os registros indicam que os casos ocorriam tanto durante o dia quanto à noite, em locais da periferia, como o meretrício, em

mercados públicos ou no centro das cidades, também em outros lugares pouco movimentados, como becos e ruelas escuros, matagais, matas, atrás de edifícios abandonados, entre outros.

A maioria das relações sexuais acontecia num vasto quadro verdejante à luz brilhante do sol, durante o dia tal como nos matagais, em terrenos baldios, locais esquisitos, desertos, “no quintal da casa da ofendida [...]” (PARAÍBA, 1957); “nas margens bucólicas do açude Velho”, à beira d’água; “à tarde, na praia de Tambaú, nas imediações do Cabo branco” (PARAÍBA, 1969a); “em um lugar ermo, próximo à Maternidade Elpídio de Almeida75, nas proximidades da Fábrica de Cimento Zebu, em João Pessoa. Ocorriam em lugares onde se podiam ver os pássaros em cima das árvores e ouvir o “cantar dos grilos[...]” (PARAÍBA, 1971g). Outros casais preferiam locais fechados, como os motéis das cidades, talvez por receio de serem vistos. Alguns nomes aparecem com bastante frequência nas denúncias, como o Bel Recanto, Dallas, em Campina Grande, Tambaú Hotel (PARAÍBA, 1974d), Roda Viva (PARAÍBA, 1977a), Motel Pigalle, em João Pessoa, nos aposentos (PARAÍBA, 1953d) dos familiares, no interior das casas das “ofendidas”; durante passeios aparentemente inocentes, como uma ida à Rádio Caturité, na cidade de Campina Grande, “em ruelas escuras e de pouca movimentação [...]”. O olho que tudo via não cansava de registrar aquelas fugas, pois muitas testemunhas informavam, com minúcia e riquezas de detalhes, os locais e, inclusive, indicavam o horário em que teriam visto as “vítimas” em companhia dos acusados. Em 1951, uma testemunha parecia atenta às táticas das/dos jovens para realizarem o ato sexual. O jovem rapaz Tavares, 15 anos, analfabeto, disse ter visto um casal quando estava indo

[...] tanger umas vacas de seu pai para o mato, deparouse [sic] com [o acusado e a menor], assentados em um corredor, debaixo de uma moita de Aveloz; os ditos namorados estavam bem juntinhos, ligados um ao outro, que se poseram

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(PARAÍBA, 1953g). A Maternidade foi construída durante o governo de Elpídio de Almeida, entre 1947 e 1951. A criação daquele monumento tinha objetivos relacionados com o progresso de Campina Grande. Segundo o poeta da cidade da época, Cristino Pimentel, o citado governo era “muitíssimo operoso e moralizado, satisfazendo a população pobre”. Dada a finalidade da maternidade, com 12 horas de sua inauguração “prestava assistência às parturientes que, ainda sob o calor das manifestações, foram lá lançar as crianças” (PIMENTEL, 2001, p. 132).

[sic] atraz [sic] de uma pedra onde ficaram fornicando [...]. (PARAÍBA, 1951c)

Cenas como essa denotam como os espaços públicos eram ressignificados a todo o momento pelas populações, como palcos das cenas sexuais, motivo de severa vigilância policial pelas ruas das cidades.

Outros episódios sexuais ocorriam por meio de fugas e prazeres inéditos, como o de Antônio e Carina: “saiu de casa por volta das 20h para assistir ao programa de televisão e só voltou às duas horas de madrugada em companhia do indivíduo [...]” (PARAÍBA, 1969a).Também procuravam locais afastados da cidade, como os municípios circunvizinhos de sua residência, como “o lugar conhecido por Catingueira” (PARAÍBA, 1979). Buscavam privacidade nas chamadas “casas suspeitas”, com a iniciativa de alugar um “apartamento de um bar Restaurante e Dormitório Serrotão, localizado no bairro de Bodocongó” (PARAÍBA, 1971a), em Campina Grande. Ou, as “casas de recursos” e “casas suspeitas”, conhecidas como bordéis de baixo meretrício. Em seus depoimentos, os acusados rapazes indicavam o hábito de frequentar os chamados “lugares libidinosos”, o que despertava olhares malevolentes de hipotéticos transeuntes que ali moravam, principalmente quando eles levavam suas namoradas àqueles ambientes, vistos como impróprios e indecentes para as chamadas moças de família.

Outros locais onde as moças eram defloradas aparecem associados aos espaços de intimidade do interior de seus lares, como a cama dos pais, o que para os juristas significava um lugar sagrado, profanado em nome da satisfação dos “apetites sexuais”. Em meio aos afagos e beijos, o sedutor conseguiu tirar “as vestes da moça [...]” (PARAÍBA, 1953a) e desvirginá-la.

Outras moças e rapazes eternizavam suas noites, frequentando bailes, saraus dançantes, salões de festas, espaços onde, possivelmente, havia grande animação. Algumas jovens retornavam às suas casas altas horas da madrugada. As festas, em grande medida, tinham uma função social que possibilitava a indefinição socioeconômica entre as classes populares em busca da confluência de interesses festivos (SOUZA, C., 2003). A comemoração de festas cívicas e religiosas era uma prática social comum às cidades da Paraíba, na segunda metade do século XX. A famosa festa da Padroeira, da cidade de João Pessoa, conhecida como Festa das Neves, que ocorre em fins do mês de julho até 5 de agosto na Rua Nova, era ocupada pela classe alta e média da cidade e, além de

embelezar a rua, transmitia a sensação de harmonia entre os seus apreciadores (SILVA, I., 2010). As festas juninas, vistas como populares no estado, agregavam a maioria da população.

Aclamada por cientistas sociais como hospitaleira e acolhedora”76

, a cidade de Campina Grande, quando dos ambientes de festejos juninos, era habitada por populações com grande animação. As práticas discursivas nos dão indícios de como se configurava a aparente timidez de uma juventude feminina naqueles tempos de festividades. Com olhos atentos aos flertes e mãos entrecruzadas, as moças esperavam que os rapazes, não menos acanhados, começassem a mexer em seus chapéus e as convidassem para dançar seguindo o embalo e a sonoridade das músicas típicas daquela cultura regional. Os folguedos das noites de São João, as quadrilhas e o calor das fogueiras, com as suas fumaças que ganhavam o céu estrelado e provocavam, muitas vezes, irritação nos olhos, fazendo-os lacrimejarem, pareciam deixar ainda mais quentes os corações, provocando sensações de intensas alegrias, dado o clima de festa. Era assim que narravam os delegados e promotores, como sendo uma oportunidade clássica em que podia se requerer a abertura de uma queixa ou um processo por crime de sedução. Já denunciavam os jornalistas da época que as festas juninas eram situações que ofereciam boas desculpas para as práticas sexualmente condenáveis ou atos reprováveis. Naqueles espaços, ao que nos parece, homens e mulheres se deixavam envolver pelas primeiras trocas de olhares, sedução, paqueras, flertes, namoros, signos que se correspondiam, fazendo-os/as se apaixonarem (PARAÍBA, 1970g). Tais efeitos pareciam ser mais intensificados em relação aos casais que mantinham namoro de longa data. É uma constante nos depoimentos das ofendidas e dos acusados o fato de as primeiras relações sexuais ocorrerem depois de terem ido aos bailes, ou durante as festas badaladas, como os carnavais.

Comemoravam-se as festas juninas na cidade de João Pessoa, no ano de 1956. Nazaré, de 17 anos, “moça caseira, saindo de casa apenas em companhia de seus pais”, nas declarações das testemunhas, conheceu e iniciou namoro com Xavier, de 20 anos, com o consentimento dos genitores. A apresentação do casal foi intermediada por seus irmãos,

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Essas foram impressões dos participantes do Encontro de Escolas de Serviço Social, ocorrido em 1964. Participou da entrevista ao Diário da Borborema, Helena Moreira, presidente do diretório São Tomás de Aquino, da Escola de Serviço Social de Salvador e Bahia. Diário da Borborema, n. 2024, p. 1, 31 dez. 1964.

com os quais Xavier “jogava futebol e tinha camaradagem”. Dali em diante, o casal costumava conversar todas as noites, já que ela morava em frente à casa de seu noivo, na Rua José Augusto Trindade, na capital. No começo do namoro, o rapaz teria demonstrado boas intenções, até o dia em que lhe fez um convite “para manter relações sexuais”, o que logo foi recusado. Não se dando por convencido, todas as noites, insistentemente, ele batia na janela do quarto da moça, quando todos da casa já dormiam. Certa noite de sábado, ele “acertou de ter relações com ela”, pedindo que a mesma permitisse que ele tivesse “acesso ao seu quarto, por uma janela de oitão, sendo por ele então possuída”, após “muitas promessas de casamento”. Depois de ter mantido a primeira relação, “forçou-lhe a ter mais cinco vezes”, propondo ainda ter com ela o ato sexual em “casa de recursos”. Além disso, “todas as vezes que mantinha relações com a declarante, prometia casar-se o mais breve possível”. A denúncia feita pelo pai foi julgada procedente, tendo Xavier a pena de dois anos de reclusão na penitenciária da capital, no ano de 1959. (PARAÍBA, 1956a)

Em suas declarações, a Nazaré afirmou que “deixou a janela de seu quarto aberta”, para além da perspectiva de sua liberdade de escolha e poder de ação, conforme discutiremos no quarto capítulo, observa-se como tanto as moças como os rapazes faziam usos dos espaços. A localização da janela dos quartos das menores colaborava para que os sedutores tivessem acesso às moças sem serem notados, um pequeno espaço da ação por meio do qual o rapaz, “altas horas da noite”, poderia estar com a amada. A janela do quarto de Nazaré representava a linha tênue que separava a casa da rua, de onde ela possivelmente podia abri- la todas as manhãs e ver o mundo, ouvir o barulho de crianças brincando pelas ruas, ou os gritos do entregador de pão nas portas das casas, costume da época, podia ver o vai e vem das pessoas e até conversar com as amigas ou com as vizinhas. Também figurava um território repleto de outras significações, um quadro colorido ou cinzento por meio do qual se encontrava com o seu amado e, por conseguinte, mantinha relações sexuais. Para além de um mero pontilhado, como são apresentadas no mapa geográfico, muitas vezes quase imperceptíveis, as janelas da casa detinham essas outras funções, possibilitando a relação entre esses dois mundos, o da rua e o da casa, de modo que já não havia separação entre o espaço público e o privado. Ao contrário, elas funcionavam como a extensão da rua em face de como eram utilizadas. Mas essa prática social de pular as janelas não dizia respeito somente aos sedutores. Conforme ainda veremos, mais que tornar o espaço da casa arejado e ventilado, as moças faziam igualmente outros usos das

janelas, infringindo as regras do namoro ditadas pela Igreja, pelos juristas e pelos familiares. (PARAÍBA, 1956a)

Os registros indicam como elas desobedeciam aos pais e pulavam as janelas de seus quartos, ao anoitecer, quando os familiares estavam dormindo, para se encontrarem às escondidas com os namorados, razão pela qual, nessas escapadelas, eram defloradas, desencadeando um processo-crime na Justiça. A correlação entre tempo e espaço se constrói e, ao mesmo tempo, é construída. Segundo Roberto DaMatta, “não há sistema social onde não exista uma noção de tempo e outra de espaço”. (1991, p. 37). O tempo e o espaço das cidades se confundem com aspectos singulares da vida cotidiana e com as atividades sociais.

Diferentemente das festas juninas, os clubes sociais eram locais propícios para a reunião de famílias que detinham uma melhor condição financeira77. Em se tratando especificamente da cidade de Campina Grande, Wagner Geminiano dos Santos (2008) afirma que foi a partir da década de 1960 que a construção simbólica e cultural da cidade parece confundir-se com a invenção e a produção das festas que os governantes, a exemplo de Pedro Moreno Gondin78, realizavam para atrair turistas. Outras formas de entretenimento para a cidade consistiam em festas, como a de São João e a de Micarande, carnavais fora de época.

As festas religiosas na Paraíba eram bastante conhecidas por atraírem muitos devotos e simpatizantes, além de consistirem em ocasiões de intensa sociabilidade e de entretenimento. Naquela época, não era necessário se ter muito dinheiro para se divertir, de modo que as festas eram frequentemente associadas ao lazer e atuavam como atividades planejadas ou programadas dentro do calendário cívico e

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Diferentemente do que se pensa acerca do perfil das famílias que davam