• Nenhum resultado encontrado

1. INTRODUÇÃO 31 1 O TEATRO DA JUSTIÇA ABRE SUAS PORTAS

1.3 CONSTITUIÇÃO DAS FONTES E DOS CAPÍTULOS

Os processos-crimes, principais fontes deste trabalho, consistem, exaustiva ou essencialmente, em um universo de artefatos linguísticos, em um instrumento produzido para o exercício de poder, numa sequência de páginas cheias de significação, numa conjuntura de embates e conflitos cujas fronteiras são atravessadas pelo

entrecruzamento de jogos médicos, jurídicos, religiosos e psiquiátricos, perpassando as relações de gênero. Eles permitem, ainda, perceber as imagens do cotidiano de camadas pobres, adentrar nos espaços onde a pobreza estava presente, localizando os chamados “lugares libidinosos”; esses processos possibilitam também observar as relações de força, as tensões e as batalhas jurídicas, assim como mapear as lutas pela sobrevivência, tanto das ofendidas quanto dos acusados, e as saídas nem sempre lícitas que empreenderam em busca de melhores condições de vida (MARTINS, 1998). Os discursos dos personagens que compunham o Poder Judiciário, a saber: policiais, delegados, escrivães, promotores, advogados e magistrados, apontavam para certas “virtudes morais” que as jovens deveriam ter se almejassem o amparo legal.

Ao analisar casos de raptos consentidos na Paraíba, entre as décadas de 1920, 1930 e 1940, a historiadora Rosemere Olimpio de Santana afirma que

[...] os processos-crime permitem atentar para circunstâncias específicas que os enquadraram. As experiências envolvem uma multiplicidade de sujeitos, organizados em redes sociais, situando lugares, estratégias e táticas e várias manobras encetadas por eles (SANTANA, 2013, p. 14). O acervo de fontes para a produção deste trabalho é extenso e riquíssimo, consiste em cinco jornais do estado, laudos médicos do Manicômio Judiciário, atas da Câmara do Governo, Decretos-Lei, documentos raros do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano (IHGP), exames de conjunção carnal do IML, cerca de quinhentos e sessenta e sete processos-crimes distribuídos em duas tabelas.

Os processos foram pesquisados na 1ª Vara do Tribunal do Júri e no depósito do Fórum Afonso Campos, na cidade de Campina Grande, Paraíba, e no Tribunal da Justiça, em João Pessoa, capital do estado. Dentre esses, há inquéritos policiais, apelação criminal, petições de habeas-corpus e termos de representação sobre casos de defloramento, aborto, infanticídio, estupro, atentado ao pudor, corrupção de menores, raptos consentidos e difamação, constituindo processos criminais ou ações penais. Os documentos são produzidos como artefatos ou narrativas com efeitos de “realidade” a partir dos indícios que homens e mulheres deixaram no passado (CHARTIER, 2007).

Os processos foram digitalizados e quantificados em duas tabelas do Excel15, perfazendo o total de 472 processos de defloramento, 60 de estupros, 7 de tentativas de estupro, 16 de corrupção de menores, 15 de atentados ao pudor, 4 de difamação (este faz parte da pesquisa por ter sido tipificado como crime contra a honra pelo Código Penal), 9 de infanticídios e 5 de abortos. Dentre esses, encontramos crimes que se entrelaçam, como nos casos de defloramento e aborto, defloramento e tentativa de aborto, defloramento e corrupção de menores, rapto e defloramento, rapto consensual e corrupção de menores e estupro confundido com defloramento.

Para facilitar a identificação dos crimes, estabelecemos os seguintes termos: os nomes das “vítimas” ou “ofendidas” e dos acusados, a idade, a profissão, o estado civil, a escolaridade, a tipificação do crime, a data de início e fim do processo, indicando o número deste, a cidade onde ocorreu o delito, o artigo infringido do CP, as informações sobre os nomes dos pais que registraram a queixa, sua profissão, escolaridade e cidade de nascimento e, por fim, um item com observações sobre as ofendidas e os acusados, tais como: se elas abortaram; se eles/elas eram doentes mentais; se houve casamento por força da Justiça; se os processos continham cartas, se faziam referência às práticas sociais de ordem nacional; e, ainda, informações sobre os locais e as cidades onde ocorreram as primeiras relações sexuais. Esse método possibilitou melhor domínio e conhecimento sobre as fontes, viabilizando, dentre outros, a identificação de certos valores morais e, especialmente, a emergência de categorias que iam sendo modificadas no período em análise.

Em razão da riqueza e amplitude da documentação, decidiu-se, durante o processo da qualificação da tese, trabalhar somente com os crimes sexuais, estupro e defloramento, embora não deixemos de correlacioná-los com outros crimes, inscritos nos códigos de postura das cidades, como atentado violento ao pudor. Além disso, estabelecemos critérios voltados para aqueles processos que nos chamaram mais atenção e nomeamos casos emblemáticos por conterem mais informações que outros. Em particular, os que faziam associações diretas com as práticas sociais da época, legislações penais e civis, noções voltadas para a preservação da família, casamento, divórcio, sexualidade, trabalho, doenças venéreas, corpo, práticas contraceptivas, enquadramentos próprios da Medicina Psiquiátrica em relação ao

15

Direito Penal, referências aos juristas renomados, como Viveiros de Castro, bem como aos escritores franceses, como Marcel Prevôst.

Em 14 de maio de 1907, o Juiz de Direito da 3ª Vara da Comarca de João Pessoa, J. F. de N., expediu instruções para a composição dos inquéritos dirigidos aos subdelegados e policiais das cidades do estado. Nos crimes de defloramento, estupro e rapto, era exigido, por meio do inquérito, o exame de conjunção carnal nas ofendidas, com a apresentação de atestado de miserabilidade e certidão de nascimento para a comprovação da menoridade. O atestado de miserabilidade16 era solicitado para comprovar o estado de pobreza das famílias das “ofendidas”, visto que aqueles/as que detinham certo poder econômico não poderiam usufruir da justiça gratuita. A função dos inquéritos consistia em investigar os chamados fatos criminosos, as circunstâncias nas quais ocorreram as infrações e os autores/as envolvidos. Terminadas as diligências e autuadas todas as peças, o Juiz de Direito as remetia ao Ministério Público, indicando as testemunhas “mais idôneas” que porventura ainda não tinham sido inquiridas. Os inquéritos não tinham um número fixo de testemunhas, exigindo no mínimo duas. Dentre essas, não poderiam participar os denominados “loucos, mudos e surdos de nascimento”. 17

Cada peça era constituída por um resumo feito pelo delegado contendo: auto de verificação do crime, corpo de delito, busca e apreensão, auto de avaliação, auto de qualificação, boletim de identificação, declarações das “ofendidas” e dos indiciados, depoimentos das testemunhas, respectivamente, de acusação e defesa, e, por fim, relatório dos policiais. Em seguida, o Ministério Público requeria o termo de representação e a requisição de autoridades judiciárias. A promotoria poderia assistir a todo o processo de diligências requerendo o que julgasse conveniente. Encerrados os inquéritos, os delegados e policiais os enviavam aos juízes competentes, não podendo, em hipótese alguma, arquivá-los, independentemente do resultado da investigação. Mesmo os inquéritos despachados para os juízes ainda podiam requerer, por parte deles mesmos, mais informações, investigações de novos fatos, notícias ou “provas”. Os inquéritos eram anexados aos autos logo após o resumo feito pela

16

Segundo a Lei nº 1.060, de 5 fevereiro de 1950, qualquer pessoa pobre, de baixa renda, que não tenha condições de pagar as custas de um processo e os honorários de um advogado pode ter direito à justiça gratuita.

17

INQUÉRITO policial: instruções. Comarca da Capital, nº 280, Imprensa Official, Parahyba do Norte, 1907. Documento raro do IHGP, João Pessoa.

promotoria do acontecimento criminoso, com base no termo de representação realizado por pais, mães, irmãs, patroas ou autoridades como sargentos, quando a “ofendida” era órfã.

O exame de conjunção carnal18 e o de idade, feito este através da arcada dentária, da anatomia, do peso e do desenvolvimento piloso, eram imprescindíveis para verificar se as jovens eram maiores de 14 e menores de 18 anos. Além da menoridade e da condição de virgindade, levavam-se em conta outros “elementos subjetivos”, como o recato e a suposta honestidade.

Além do aspecto estrutural do processo, é possível identificar uma rede de signos que emergem à primeira vista, antes mesmo de uma leitura minuciosa dos autos. Os registros consistem em uma compilação de artefatos de memórias e lembranças. Daquelas páginas, maços de folhas empoeiradas e amareladas pelo tempo, figura um toque colorido que dá, de certo modo, vida àqueles documentos velhos. Tratam-se de artefatos que foram apropriados pelos juristas para corroborar com as “provas” materiais e testemunhais, como cartas endereçadas às vítimas pelos acusados ou vice-versa, cartões de festas natalinas, de amor, bilhetes com letras e desenhos de coração vermelho, fotografias dos acusados, recortes de jornais fazendo menção à data em que se realizaria o casamento, reportagens sobre os crimes em questão, relatórios escolares sobre as condutas das alunas e relatórios sobre o desempenho profissional dos indiciados por parte do Exército Brasileiro. As ações criminais constituem momentos de disputas e diferentes versões sobre um crime, um mundo de signos que traduzem o cuidado com que os juristas apropriavam-se, o quanto fosse possível, de indícios como sustentação de seus argumentos para provarem aquilo que classificavam como a “verdade” sobre os acontecimentos sexuais.

Os jornais do estado, Diário da Borborema, Gazeta do Sertão19 e Jornal da Paraíba,20 da cidade de Campina Grande, A União21 e O

18

Entende-se por conjunção carnal a cópula, isto é a “[...] introdução do membro viril no conduto vaginal da vítima.” (CÒDIGO..., 1995, p. 2475). 19

Esse periódico foi criado no dia 1º de setembro de 1888 em Campina Grande, sob o número 10, intitulado “Órgão Democrata” (semanário editado pelo bacharel Irenêo Joffily e pelo engenheiro Francisco Soares Retumba). Constitui-se como um documento histórico por ter sido um dos primeiros jornais a registrar a luta pelo fim da escravidão e a batalha pela implantação do regime republicano em substituição a um império político.

20

Fundado em 5 de setembro de 1971, em Campina Grande, momento em que o país vivia um dos períodos mais sombrios de sua história. A cidade era administrada pelo interventor Luiz Motta Filho, membro de tradicional

Norte,22 da cidade de João Pessoa, são importantes para entrecruzar os processos, visto que alguns casos de crimes sexuais eram noticiados, diariamente, nesses periódicos, fazendo referência, por exemplo, à data em que os réus seriam inquiridos pela Justiça.

O Diário da Borborema foi inaugurado em 2 de outubro de 1957, na Campina Grande. Percebemos o papel que detinha aquele periódico, isto é, como um lugar social que possibilitava a discussão sobre certos valores voltados para a sociedade e para a ideia de civilização.

Outras fontes documentais consistem nos Decretos-Lei, nas ordens solicitadas por autoridades executivas, como presidentes, governadores ou prefeitos, cuja função é classificar e regulamentar leis, dentro dos princípios das legislações civis e penais. Tanto os Decretos quanto as Portarias permitem explicar a lei e aplicá-la. Tratando-se dos crimes sexuais, percebemos a aplicabilidade da lei e, em função disso, a emergência de outros valores sociais. Os códigos de postura ou de conduta, ditados para cada município do estado, demonstram normas e regras sobre como as populações pobres deveriam portar-se nos espaços citadinos, voltadas para a pedagogização e moralização das condutas.

Os laudos de exame de conjunção carnal do Instituto de Medicina Legal (IML) são constituídos por uma requisição feita pelos delegados de menores das cidades aos diretores dos Institutos. Esses exames são divididos em três momentos: primeiro, dados sobre a chamada “vítima”; segundo, características físicas, como idade, conformação anatômica, cor dos olhos, pele e cabelo, formato da boca e nariz, sobrancelhas e família local, indicado por militares para ocupar o cargo de prefeito após da cassação do prefeito anterior, Ronaldo Cunha Lima. Neste momento, o município contava com uma população de 196.000 habitantes (LIMA, p; 201).

21

O jornal A União foi fundado no dia 2 de fevereiro de 1893, pelo então governador Álvaro Machado. Ele é tido até hoje como órgão oficial do governo da Paraíba, o que lhe dá o título de um dos periódicos mais antigos. Foi criado com o objetivo de figurar como órgão de um partido, o mais autorizado representante da opinião pública do Estado. Segundo o jornalista Eduardo Martins, demonstra como um dos objetivos do jornal era a construção da história política do estado da Paraíba (MARTINS, 1977, p. 20).

22

O jornal O Norte foi fundado em 7 de maio de 1908. O mais antigo jornal da inciativa privada da Paraíba. Em 1954, ele passou a integrar a maior cadeia de comunicação da América Latina, junto com o Diário da Borborema, fazendo parte do grupo Diários Associados, de propriedade do paraibano e jornalista Francisco de Assis Chateaubriand.

informações sobre sinais particulares; terceiro, data provável da conjunção carnal, se houve violência no ato e o meio empregado, se resultou sequela, caso tenha ocorrido violência, se a “vítima” é alienada ou débil mental, se houve quaisquer outras causas que impossibilitassem a vítima de resistir e, por fim, se eram ou não virgens.

Cada documento citado possui uma especificidade e temporalidade que lhe são próprias e dizem respeito às relações de poder e saber por meio das quais foi produzido. A seleção e construção dessas fontes são importantes porque possibilitam perceber como muitos casos que serão analisados aqui carregam significações pertinentes ao seu tempo. As fontes escritas trazem uma pluralidade de sentidos que dizem respeito ao seu próprio campo de produção. A imprensa, por exemplo, tem um papel fundamental na reprodução da escrita, pois permite perceber como se organizava o pensamento de editores e articulistas, tanto em relação aos valores em torno das moças envolvidas em crimes sexuais quanto em termos políticos dentro daquele espaço-tempo. Os jornais buscavam, então, deixar a sociedade a par das significativas mudanças que ocorriam no país e no mundo. Feitas essas considerações iniciais, passaremos a apresentar como constituímos os capítulos.

No primeiro capítulo, em um primeiro momento, analisamos como foram sendo construídos os conceitos de “honra, sexual, moral, social” em torno das ofendidas e dos acusados, atentando para os termos empregados à época como “honra maculada/crucificada”, bem como “profanações” da honra, para analisar como constituiu-se a ideia de uma sacralidade em torno dos corpos e da sexualidade feminina. Em seguida, buscamos construir as imagens das ofendidas e dos acusados apresentando o modo como os juristas formavam e difundiam os padrões sociais de comportamentos e os valores aceitos no sumário de culpa e inocência frente às queixas-crimes na Justiça. Na tentativa de reconstituição dos vários sentidos que integraram as noções de “honra sexual e moral”, outros conceitos caros ao direito penal, concernentes aos crimes sexuais, emergem, como: “moça (des) honesta”, sedução, virgindade, relacionados a práticas sociais como casamento, família, enquadramentos, entre outros. Para identificar as singularidades da difusão daqueles conceitos no estado da Paraíba e no Brasil – noção de “honra sexual e moral” associada às moças “honestas/desonestas” e homens honrados/desonrados, procuramos delinear certas especificidades, como o tempo de namoro, as formas de namorar, como ocorriam as relações sexuais e as proibições dos pais exercidas sobre as filhas, entre outros indicativos. Dentro da perspectiva de gênero, problematizaremos as imagens em torno dos rapazes pegos pelas malhas

legais, nomeados frequentemente pelos juristas como “Don Juans”, acusados de seduzirem as chamadas “Julietas” e/ou “donzelas recatadas”.

No segundo capítulo, problematizamos os discursos moralizantes do cotidiano das cidades da Paraíba, particularmente de Campina Grande e João Pessoa, ao apresentar como se davam as práticas econômicas e o processo de crescimento populacional. O objetivo consiste ainda em identificar os usos que os sedutores e as “ofendidas” faziam dos espaços, correlacionando-os às mudanças de ordem nacional, no intuito de situarmos o ambiente em termos de regras e valores nos quais estavam inseridos os/as jovens envolvidos em casos de crimes sexuais. Buscamos delinear o modo como as/os jovens conheciam-se, os locais onde ocorriam os primeiros encontros e atos sexuais, mapeando as festas e os meios de lazer, como o cinema, que faziam parte daquele universo, atentando para as regras de namoro e de relacionamentos que eram ditadas à época; identificamos as pequenas vagabundagens, privilegiando as escalas menores, como os espaços íntimos da casa e de seu entorno, as andanças pelas ruas e subúrbios das cidades, localizando os motéis, os locais e as casas considerados desonestos, becos e ruelas sugestivos de atos sexuais ilícitos, no intuito de situarmos os ambientes nos quais estavam inseridos/as homens e mulheres descritos não somente como os que transgrediam as leis do corpo, mas também os códigos de conduta das cidades.

No terceiro capítulo, discutimos as práticas discursivas de juristas, médicos, promotores e jornalistas durante os Anos Dourados, em que protagonizaram as demi-vierges, e a chamada “juventude transviada”, indicando a influência do rádio e do cinema norte- americano nas relações e nas formas de comportamento entre os/as jovens da Paraíba. Chamamos a atenção para o modo como médicos, religiosos, políticos e jornalistas buscavam empreender certo controle, sobretudo em um momento em que ocorriam os movimentos feministas com os discursos sobre a liberalização sexual, a implantação da Lei do Divórcio em 1977, entre outros. Enfatizamos a relação entre as legislações e as políticas públicas sobre o sexo, indicando a inserção da pílula anticoncepcional no Brasil, e certas noções apropriadas pelos juristas ao referirem-se às moças da época, correlacionando-as com os movimentos de liberalização sexual no país. Para muitos deles, as moças que se relacionavam sexualmente com pouco tempo de namoro ou com homens casados eram classificadas como “virgens emancipadas”, “prostitutas modernas”, “depravadas”, “degeneradas” e “libertinas”. Por último, mostraremos como os comportamentos sexuais das moças eram

descritos como propagadores de doenças venéreas, vistos como um risco à saúde pública do estado, em particular, e do Brasil, em geral. Os jornais chamavam a atenção para o fato de o tema da sexualidade ser pouco discutido entre pais e filhos. Como efeito dessa política de silêncio, pensava-se que gerações cresceriam ignorantes em conhecimento sexual, fato que levaria a maioria das moças a entregar-se sem nenhuma resistência aos rapazes. Segundo articulistas, os critérios sexuais naquele momento teriam de ser reavaliados para atuarem em relação ao “desenvolvimento biopsíquico” dos/das adolescentes. Tanto jornalistas quanto médicos psiquiatras chamavam a atenção para uma educação sexual adequada, voltada para a moralidade.

No último e quarto capítulo, analisaremos com maior precisão os discursos das “ofendidas” e testemunhas. Trata-se de um espaço reservado, onde elas falam de suas experiências amorosas de modo que se distinguem dos valores ditados pelos juristas. Mostraremos os deslocamentos, as mudanças que marcaram a emergência do jogo das “verdades” dos promotores e advogados de defesa e do jogo jogado por elas, ou seja, esse capítulo visa perceber como os discursos em torno de certos princípios eram alterados, rompidos como práticas que iam de encontro às regras, aos hábitos e às convenções morais colocados por pais e juristas. Nesse espaço de escrita, as jovens aparecem sabotando as normas jurídicas, visto que eram acusadas de correrem atrás dos namorados, de seduzi-los com palavras, gestos, usando, muitas vezes, a sensualidade de seus corpos para atraí-los até o ato sexual, atitudes percebidas como ímpetos próprios da juventude. Por meio desses discursos, elas deixariam de ser vítimas e assumiriam o lugar de rés envolvidas em suas próprias tramas de paixão e sexo. Na cena da autodisciplina, elas figuravam sujeitos de querer e poder, dependendo dos interesses e escolhas determinantes em cada situação, o que demonstra como a noção de honra, tão cara aos juristas, detinha sentidos bem diferentes para muitas jovens. Nesse capítulo, faremos uma discussão sobre o corpo como alvo de poder e objeto de saber durante um período em que vigoravam os movimentos feministas no país e no mundo. Muito embora, os capítulos apareçam divididos, a maioria dos temas, conceitos e nomenclaturas atravessam toda a tese, razão pela qual