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3. SENSIBILIDADES E SOCIABILIDADES NOS ESPAÇOS CITADINOS

3.1 SEDUÇÕES DA “VIDA MODERNA”

Em meados da primeira metade do século XX a capital João Pessoa contava com equipamentos urbanos, como bonde elétrico, luz elétrica, sistema de abastecimento de água e saneamento67, além de jardins públicos, ruas calçadas, cinemas (ARANHA, 2001), teatro Santa Rosa68, serviço de telefonia, entre outros. O transporte ferroviário foi um dos ícones da chamada modernidade. Como mostra Adriana de França Gondim, “[...] a notável associação das estradas de ferro com o algodão

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Esse empreendimento foi realizado durante a obra no estado da Paraíba, na administração Argemiro de Figueiredo, de 1935 a 1940. (MARIS, 1985). 68

O Teatro pertence ao Governo do Estado e sua última grande reforma foi em 1989. Tem estilo arquitetônico greco-romano, e é uma das atrações do centro histórico de João Pessoa.

foi importante para alcançar o porto de Recife e tornar Campina Grande um ponto comercial estratégico, consolidando a sua posição de empório revendedor de algodão”. (2010, p. 10). Partindo da capital, o primeiro trem percorreu os trilhos em 1881. Em 1883, percorreu o município de Pilar, a terra natal do escritor José Lins do Rêgo; em 1884, chegou a Guarabira; e a Cabedelo no ano de 1989.

Os trens que aportavam no cotidiano das cidades – trazendo ou levando pessoas e mercadorias – tornaram-se os meios pelos quais se constituíam espaços de intensas sociabilidades. A inauguração dos trilhos da Great Western69, em 2 de outubro de 1907, foi um advento significativo para a cidade de Campina Grande. Após a chegada do trem, houve um grande crescimento do número de residências, enquanto a capital de João Pessoa, nesse mesmo período, mantinha um ritmo menor e constante. O trem contribuiu para o aumento da celeridade, mas não deixava de ser sintomático o fato de grande parte dos deslocamentos terrestres ser feito ainda por meio dos transportes terrestres ou da tração animal. Apesar disso, a geringonça moderna convergia os interesses da coletividade em seus laços com o mundo exterior, sejam econômicos, políticos ou afetivos (ARANHA, 2005, p. 88). Na Estação Velha da cidade de Campina Grande podia-se observar um amontoado de pessoas chegando de viagem, outras embarcando; automóveis, carroças e animais faziam parte daquela paisagem urbanística. Aranha mostra como o trem de ferro, visto como signo da modernidade, aparecia relacionado às mudanças de sociabilidades no cotidiano das populações campinenses. Segundo esse autor, a estrada ferroviária emitia “[...] uma redefinição da noção espaço-tempo [...]” (2005, p. 57), produzindo outras sensibilidades em termos de tempo-distância. Os meios de comunicação em escala cada vez maior, como o telégrafo, a imprensa e os Correios, com a entrega rápida de correspondências e de jornais por assinatura (ARANHA, 2005), ampliaram um mundo de possibilidades até então não percebido.

Nas primeiras décadas do século XX, a capital sofria várias intervenções em seus tecidos urbanos, como pavimentação, alinhamento das calçadas, esgotamento sanitário, eletrificação, paisagismo entre outros. A Rua Direita, a título de exemplo, tornava-se a “vitrine da nova imagem” da cidade, onde se situavam espaços de lazer como o Cine Rex, praças, bares e o tradicional carnaval de rua, iniciado em fins do século XIX (SILVA, I., 2010). Com o passar das décadas, observa-se

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Empresa ferroviária inglesa que construiu e explorou ferrovias no Nordeste a partir de 1873.

como as notícias dos jornais da época eram sintomáticas das mudanças e da construção da imagem da modernidade. A segunda metade do século XX foi significativa na construção de imagens voltadas para o urbanismo, a arquitetura e o desenvolvimento industrial, subsidiados pelas ações da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), bem como por meio da construção da memória da cidade com base no patrimônio cultural.

No campo das normatizações sexuais, desde o final do século XIX, o Brasil já vinha presenciando uma série de ideias científicas sobre a vida sexual, “[...] altamente racionalizadas, oriundas dos avanços na psicologia, sexologia e sociologia europeias”. (PARKER, 1991, p. 16). Conforme veremos no próximo capítulo, as ressonâncias desses discursos aparecem regularmente nas falas de muitos juristas da Paraíba, no período em estudo. Magistrados, advogados e delegados buscavam explicar as manifestações da vida sexual das moças da Paraíba, tomando análises sobre os seus corpos e comportamentos a partir de determinados conceitos constitutivos daqueles campos do conhecimento.

Ao que parece, a chamada modernidade estava para além das reformas urbanísticas e do empreendimento no setor de transportes, tal como foi abordado por pesquisadores citados neste trabalho. Se as mudanças arquitetônicas seguiam o seu curso expressivo, outras sensibilidades em como ver os costumes das populações pareciam acompanhar muitas das imagens produzidas pelos letrados e juristas. Já dizia um juiz da cidade de João Pessoa:

É sabido que a juventude de hoje é participante ativa da vida quotidiana, lê livros e revistas livres, vê filmes amorais, frequenta festas de danças, vai a praias sumariamente vestida, não podendo, por isso mesmo, considerar-se ingênua, ignorante e inexperiente em assuntos sexuais [...](PARAÍBA, 1972e).

Desde 1950, observa-se as formas de censura bem expressas no tocante aos cinemas e às revistas que circulavam no estado. A Lei nº 362, de 24 de março de 1953, que instituiu o Código de Postura de Campina Grande, em sua seção III, “Da ofensa a moral e aos bons costumes”, já deixava expresso que os espetáculos, cinemas e outras diversões não poderiam funcionar sem prévia licença das prefeituras, as quais passavam a fiscalizar esses ambientes, “não permitindo a exibição

de atos ofensivos à moral e aos bons costumes.” (CAMPINA GRANDE, 1953). Aos infratores, teriam sido estabelecidos a multa e o fechamento da casa de diversão. O artigo 65 desse dispositivo inscrevia que era expressamente vedado “[...] proferir em público obscenidades e realizar atos imorais”, bem como “[...] portar-se publicamente de modo ostensivo e desrespeitoso” (CAMPINA GRANDE, 1953). Nos anos 50, havia também, por parte dos juristas e letrados, forte censura no que se refere à linguagem que os jovens apreendiam por meio dos cinemas. Estes eram censurados por utilizarem “[...] gestos e palavras obscenas”, nas palavras dos moralistas, o que fazia com que as famílias deixassem de frequentar os locais onde se exibiam as fitas cinematográficas.

Era bastante comum, durante a segunda metade do século XX, as moças alegarem que tinham aceito o convite de seus namorados para irem ao cinema, um pretexto utilizado pelos rapazes para, depois da sessão, ambos se deslocarem para outros espaços, como bares e “casas suspeitas”, onde as jovens tinham sua primeira relação sexual. Nos primeiros anos da década de 50, Campina Grande contava com três cinemas, visto por parte da elite como um projeto de modernidade levado a efeito. O Cine São José, no bairro São José, foi inaugurado em 1945. Era conhecido como cinema romântico. A divulgação dos filmes se dava por meio de cartazes espalhados pelas cidades. O Cine Capitólio foi criado em 1934, conhecido como o maior e mais moderno do estado, “[...] construído como um moderno equipamento de lazer voltado para as artes visuais” (CABRAL FILHO, 2010, p. 283). Classificado à época como um cinema que atendia a classe A, haja vista os altos preços de seus ingressos e o conforto que proporcionava aos seus frequentadores. Além das exibições, este último funcionava como palco dos grandes eventos, como teatro e festas sociais, políticas e culturais.

Ir ao cinema consistia numa forma de lazer própria dos apaixonados e também de amigos/as. Consistia ainda em uma arte prestigiada por proporcionar momentos de fantasia e entretenimento. O momento áureo do cinema foi nos anos 1950, momento no qual era assídua a movimentação de espectadores. Antes da projeção dos filmes, as pessoas costumavam discutir problemas acerca da cidade, ou conversar sobre política ou futebol. A maioria que frequentava as sessões de cinema fazia questão de ir bem vestida, cuidando da aparência. Havia casos em que muitas mulheres deixavam de ir ao cinema por falta de uma vestimenta bem apresentável ou adequada para o momento (DINOÁ, 1993, v. 1, p. 467). A título de exemplo, citamos um relato da historiadora Eliete de Queiroz Gurjão, ao falar do cinema das décadas de 1950 e 1960, como “poder de sedução e fascínio”.

O Portal encantado. Depois de passar por todas as provas em casa, nós vestíamos nossas melhores roupas, caprichávamos no penteado, apanhávamos a lotação e com suprema alegria chegávamos ao cinema. Procurávamos um lugar de melhor visibilidade para assistir ao filme e para o flerte. Quando o flerte se prolongava por várias sessões, caso tivéssemos interesse maior no rapaz, deixava-se uma cadeira vazia vizinha a nossa para sinalizar e permitir que ele encostasse. E, assim, iniciavam-se muitos namoros [...]. O encanto do cinema alcançava os nossos quartos de dormir, que se tornavam uma galeria de fotos e gravuras. Não dá para esgotar a influência do cinema para nossa geração, em nossa época [...]. Foi ele a bússola de nossos sonhos, ilusões e desilusões. Foi ele, enfim, que nos propiciou usufruir de um mundo mágico. (GURJÃO, 1999 apud SILVA, K., 1999, p. 93).

Ao projetarem seus filmes nacionais e estrangeiros, os cinemas contribuíram para outras formas de ver o mundo, para as mudanças de condutas e hábitos daquela sociedade. Sob vários aspectos, naquela época,

[...] o cinema espelhou-se nos personagens cinematográficos e na vida real dos atores e atrizes, cujas belezas, recauchutadas pela nascente indústria cosmética, eram desejadas e imitadas pelos rapazes e moças de Campina Grande. (CABRAL FILHO, 2010, p. 283)

O escuro do cinema poderia representar uma boa oportunidade para aguçar a imaginação e a criatividade dos casais a experimentarem sensações de prazer que destoavam das regras exigidas pela elite paraibana. Em suas declarações na Delegacia de Costumes, na cidade de João Pessoa, a menor Jane, 17 anos, parda, alfabetizada, estudante, alegou que “[...] às vezes que foi ao cinema, a mesma procurou fazer atos libidinosos, isto é, masturbava-o e ele fazia-lhe o mesmo” (PARAÍBA, 1974d). Muitas menores jogavam com a docilidade dos prósperos atos de prazeres em ritmos de gozos vertiginosos e, ao mesmo tempo, fazendo uso do espaço do cinema com outro objetivo distinto

daquele para o qual foi projetado pelos seus governantes e prefeitos da cidade. Ali sobejavam vestígios de esperma como prova da prática sexual percebida como ilícita.

Para além do fato de como as menores e acusados faziam usos diversos dos espaços das cidades, o discurso moralizador denota como as películas cinematográficas fascinavam uns e assustavam outros, sobretudo os moralistas da lei. Juízes da época, como J. D., viam os chamados “filmes amorais” com maus olhos, como uma tecnologia da vida moderna de desencaminhamento das mocinhas. Eles criticavam o cinema americano, considerado como um mecanismo de má influência, mostrando como normais os hábitos condenáveis, tais como mocinhas ousadas e dotadas de iniciativas que não viam mal algum sair com os seus namorados a sós e ter com eles o ato sexual sem a promessa de casamento (BASSANEZI, 2004). Essas imagens podiam inspirar desejos de mudanças nas sensibilidades das moças, produzindo fantasias que, segundo os juristas da Paraíba, escapavam ao regime de comportamento esperado das “mulheres honestas”.

A contribuição do cinema70 já ocorria no mundo inteiro, sobretudo porque se tratava de uma forma de entretenimento que “[...] influenciava na mudança de hábitos e comportamentos no seio da sociedade local, mudança nem sempre de acordo com a moral e os bons costumes [...]” (ARANHA, 2005, p. 26). Os modelos estrangeiros ditavam moda e consumo por meio do cinema mundial. Naquele universo de novidades em movimento, os significados das coisas pareciam se inverter, de modo que os discursos dos juristas apontavam para certo temor de que os valores referentes à noção da virgindade assumissem outros desdobramentos. As cenas em projeção poderiam produzir imagens que tocavam o real (DIDI-HUBERMAN, 2012), estimulando gestos com o corpo e sussurros para não incomodar o/a vizinho/a ao lado. Comunicavam novos hábitos, e as últimas tendências da moda da Europa, como o “[...] busto airoso e moreno duma flor do sertão emergindo dum elegante e sóbrio decote parisiense” (MONTEIRO, 1934, p. 11), na cidade de João Pessoa. Os jornais do estado já indicavam que as mulheres paraibanas sempre foram “dóceis às tiranias parisienses [...]”, tendo os mandamentos da moda como lei do mundo. Referiam-se à emergência da pílula anticoncepcional e à minissaia, percebidas como irreversíveis. De outra parte, alguns

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A primeira sala fixa de cinema no Brasil foi inaugurada no dia 31 de julho de 1897, na Rua do Ouvidor, centro da cidade do Rio de Janeiro, à época considerado o estado da Guanabara.

articulistas acreditavam que a educação moral conteria o avanço da pílula, uma crença fundada muito menos nas medidas governamentais e mais no poder do costume ou da tradição.

Seguindo na esteira de Aby Warburg, as imagens cinematográficas são como objetos arqueológicos (apud DIDI- HUBERMAN, 2012), pois, em cada imagem que olhamos e relacionamos com outros textos, damos-lhes sentidos, ressignificando pontos de convergência de múltiplas temporalidades. “A imagem arde em contato com o seu real [...]” (DIDI-HUBERMAN, 2012). O espaço da sala de cinema possibilitava poder caminhar, por meio da imaginação, pelos grandes boulevares parisienses de Haussmann, deparar-se e ser surpreendido por um gorila gigante, andar pelas ruínas e escombros da Segunda Guerra Mundial, ou ter a sensação de quase ser atingido pela chegada de um trem à Gare de Lyon (SANTOS, A., 1985). Em uma sala escura, os olhares embriagados pelas luzes que vinham da tela deslocavam as imagens e os sons de um mundo que não estava distante, mas se misturava através dos sonhos e das ilusões da juventude dos Anos Dourados.

As trocas de informações, o papel do cinema e da imprensa e, sobretudo, o aumento do nível de vida eram vistos como os responsáveis por uma “época de transição” e transformação da moral sexual.A exibição de filmes era uma oportunidade de distração pública para todas as classes sociais, e possibilitava “a apreensão de imagens de um mundo até então desconhecido, a exemplo das que retratam o modus vivendi de muitas cidades; o que faz entender que o espectador, sem sair do lugar, fazia longas viagens instrutivas por diversas regiões do sublunar [...]” (ARANHA, 2005, p. 262), estando a par do modo de vida das cidades espalhadas pelo mundo afora. Segundo o memorialista Pedro D’ Aragão, na década de 1920, o Cine Apolo “[...] era frequentado pela alta sociedade de Campina Grande, e o Cine Rex, ou Cine Pulga, era frequentado por todo mundo. [...] As sessões desses cinemas eram animadas pela música do gênio imortal de Adauto Belo”. (apud DINOÁ, 1993, v. 1, p. 85). O que se percebe é que aquele tipo de lazer não estava voltado somente para as classes mais abastadas da cidade, mas aberto às demais.

As exibições cinematográficas aconteciam nos bairros operários, atraindo pessoas de lugares distantes (SOUZA, L., 2004). Lincon Souza mostra como as exibições, muitas vezes, fugiam dos objetivos civilizadores propostos por parte da elite campinense, tornando-se um ambiente de muitas brincadeiras e “algazarras”. O autor nos conta ainda que, se a vida da diversão parecia fluida para os cinéfilos, não se podia

dizer o mesmo em se tratando dos porteiros que guarneciam as portas do cinema. Muitas das práticas sociais eram vistas pelos letrados que escreviam para os jornais como um desrespeito aos códigos de civilidade.

Ao retratar o viés moralizante entre aquele artefato e as formas de comportamentos na cidade de Campina Grande, Gervácio Batista Aranha afirma que, para os cronistas das primeiras décadas do século XX, havia dois tipos de fitas de cinema, a que retrava a “boa esposa”, de semblante resignado, e a “má esposa”, do tipo “bisbilhoteira”. Para as moças, o cinema representava “o maior dos destroços, já que saindo do seu antigo recato, vivem metidas a imitar as cômicas das invenções vagabundas dessa perdição [...]” (ARANHA et al, 2005, p. 264).

Ao lado dos cinemas, os serviços de alto-falantes instalados nas ruas centrais da cidade, como na Praça da Bandeira, consistiam em outro artefato da modernidade. Somente a partir de 1949 é que Campina Grande passou a contar com duas rádios. A Rádio Cariri foi inaugurada em 13 de maio de 1949, e a Rádio Borborema em 8 de dezembro de 1949. Esta última era famosa por seus programas de auditório. A Rádio Caturité foi inaugurada no ano seguinte, em 1950, e foi construída visando a um fim “educativo e recreativo [...]” (OLIVEIRA, F., 2006, p. 80) por meio do decreto assinado pelo então presidente Eurico Gaspar Dutra. A inserção das rádios foi um advento importante na divulgação das notícias sobre o final da Segunda Guerra Mundial e, em particular, quanto à relação entre informação e política. Além do crescimento da aquisição do rádio, da geladeira e da televisão, respectivamente, o geógrafo Carlos Augusto A. Cardoso (2002) indica que, de pequena participação na década de 1970, a TV estará presente, duas décadas depois, em quase 90% das residências campinenses, com crescimento de 336% no período entre 1970-1980 e 121% no decênio posterior. Segundo o autor, havia o “aumento gradativo da disponibilidade de tais equipamentos com um impulso de modernidade”. (CARDOSO, 2002, p. 52).

Ao mesmo tempo em que o cinema aparecia como meio de educar e pedagogizar as populações, também emitia o signo de perversão das mocinhas presente nos discursos dos juízes da Paraíba. Ao citar o art. 128 do Código de Menores do ano de 1956, o juiz de Direito de Menores, da capital de São Paulo, Aldo de Assis Dias, afirmou como era difícil encontrar filmes bons para os/as menores.

O cinema, com tôda a sua força sugestiva, impregna o espírito infantil de idéias de violência,

de vingança e de falsas concepções do amor e da vida. O cinema deve ser rigorosamente fiscalizado e censurado, não se permitindo aos menores assistirem a filmes que possam influir maleficamente sôbre os seus espíritos. São proibidas representações, perante menores de 18 anos, de tôdas as fitas que façam temer influência prejudicial ao seu desenvolvimento moral, intelectual ou físico ou possam excitar-lhes perigosamente a fantasia, despertar instintos maus ou doentios, corromper pela fôrça de suas sugestões. (DIAS, 1968, p. 161)

Esse argumento determinista, bastante corroborado e difundido pelos juristas da Paraíba, também valia para os programas de rádio, de televisão e de teatro.

Somos forçados a reconhecer [...] a que muitos dêles estão impregnados de assuntos de amor ilícito, amor livre, amor anti-cristão, amor mal compreendido e com falsas concepções, de assuntos de crime, de violência e de vícios. Tais programas “fogem à finalidade educativa e cultural, descambando, mesmo, para a imoralidade e licenciosidade”. A verdade é que o rádio atinge em profundidade as famílias e a televisão constitui uma fôrça preponderante, dada a sua faculdade de levar aos lares, além do som, as próprias cenas, através do vídeo. (DIAS, 1968, p. 160-161).

A respeito do teatro, o juiz defendia a necessidade de se afastarem as crianças e as jovens das exibições, em razão de serem representadas peças “altamente nocivas à infância e à juventude, contendo piadas picantes e imorais e expressões ofensivas à moral e aos bons costumes, onde se exibem mulheres seminuas”. (DIAS, 1968, p. 161). Ou seja, as tentações, os maus exemplos, as cenas eróticas eram fomentados pelos “espetáculos perniciosos”; tudo isso corroborava, nas palavras de juristas e jornalistas, para que a juventude se desviasse do “caminho do bem”. Segundo Dias, os reflexos da vida moderna podiam ser percebidos nas vias públicas, culminando no relaxamento dos costumes. As ruas se convertiam em verdadeiras “feiras de indecência, onde eram oferecidos aos jovens “periódicos e publicações os mais

imundos e torpes”, o que causaria a “enxurrada de fatores criminológicos que avassala a vida moderna”. (DIAS, 1968, p. 161).

Naquele momento, várias revistas circulavam. A coluna de cartas do Jornal das Moças71 era a mais requisitada. Podia-se encontrar artigos referentes a assuntos domésticos, como decoração da casa, culinária, noções de higiene, remédios para cólica e beleza. A coluna dividia espaço com notícias sobre o cenário artístico do Brasil e de Hollywood, e com anúncios de produtos diversos (SANTOS, Liana, 2011, p. 27), além de estamparem em suas páginas os concursos de miss.

Diferentemente do que defendiam outros magistrados e letrados da Paraíba, as mocinhas de família nem sempre saíam acompanhadas pelo pai ou pela mãe ao cinema ou aos locais de lazer e diversão. Ao analisar as crônicas e fotografias das décadas de 1930 e 1940, o historiador Fabio Gutemberg R. B. de Sousa demonstra que os espaços da cidade de Campina Grande eram ocupados por mulheres de todas as idades, diariamente andando pelas ruas centrais, por onde circulavam