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PARTE IV EM BUSCA DE UM CAMINHO ANALÍTICO-COMPREENSIVO

VII. 1 A casa como síntese de uma vida melhor

“Hoje eu e minha família estamos muito melhor!” Sem dúvida alguma se fôssemos instados a escolher uma fala comum a todos os entrevistados seria essa. O passado está resolvido. Hoje, após as lutas para garantia de permanência na cidade entre o fim da década de 1980 e 1990, com a moradia garantida o medo da destituição total, de ser “pobre de tudo”, transformou-se em uma lembrança guardada como relíquia e lição para os filhos e netos e contada como história para os vizinhos e conhecidos.

Entretanto, essa conquista por si só se demonstrou suficiente para resolver um passado de privação e um futuro eivado pela incerteza. Ao mesmo tempo que nutrem alegria ao ver sua cidade melhorando, os moradores guardam uma dúvida envolvida em uma névoa de questões, como por exemplo morar em uma casa limpa e segura, o acesso de seus filhos ao Ensino Médio, entretanto, ao procurarem empregos não conseguem se colocar no mercado de trabalho – os pais porque não possuem instru- ção e os filhos têm instrução, aqueles que concluem o Ensino Médio, entretanto são julgados como inadequados para as ofertas de emprego. Nas entrevistas verificou-se que a compreensão acerca dos fenômenos mais complexos, como a globalização ou a revolução tecnológica, não são compreendidos como elementos importantes na configuração atual do mercado de trabalho.

Essa incapacidade apresentada pelos moradores jovens, homens ou mulheres coincide na medida em que eles conseguem somente “estranhar” porque não conse- guem empregos de recepcionista ou auxiliar administrativo, mas somente de portei- ros, vigias, frentista de posto de combustível ou simplesmente o bom e velho emprego doméstico. Percebem a diferença entre as atividades profissionais desempenhadas por seus vizinhos do Lago Norte ou Setor Taquari e aqueles que eles mesmos desem- penham. A localização geográfica é sempre levantada por eles nas entrevistas.

A Vila Varjão pode ser definida como uma ilha de pobreza cercada de ricos por todos os lados, talvez a Vila no Distrito Federal que mais se assemelha às tradicionais favelas brasileiras. Geograficamente, a cidade se localiza próxima ao Setor de Man-

sões do Lago Norte, limitada ao sul pelo Centro de Atividades do Lago Norte. Rodea- dos por moradores de alto poder aquisitivo os moradores da Vila Varjão constroem o seu cotidiano ora ignorando a desigualdade das rendas entre si mesmos e seus vizinhos1, ora levantando questões desconcertantes acerca das oportunidades de

emprego e escolaridade que lhe são oferecidas.

De acordo com Pierre Bourdieu “a estrutura do espaço social se manifesta, (...) nos contextos mais diversos, sob a forma de oposições espaciais, o espaço habitado ou apropriado funcionando como uma espécie de simbolização espontâ- nea do espaço social” (1997, 160). A Vila Varjão representa de modo bastante apropriado essa realidade, pois dista menos de oito quilômetros do Plano Piloto e possui condições materiais e imateriais de sobrevivência próximas às populações mais pobres do planeta.

Em Brasília, a relação centro-periferia deve ser compreendida num quadro que envolve a criação recente da Capital do país e por esse motivo guarda peculiaridades, por exemplo, a concepção estratificada do planejamento urbano, separando a popu- lação que “sabe” da população que “faz”, ou seja, a separação física dos construto- res da Capital dos outros segmentos que habitavam a cidade à época de sua constru- ção. Foi para assentar os construtores que insistiam em não voltar para suas cidades de origem que foram criadas as primeiras cidades satélites. Nessa medida, a constru- ção de Brasília atualiza, ou talvez, fosse mais preciso dizer, moderniza as estratégias desiguais de ocupação do território urbano.

Inserida marginalmente nesse quadro de complexidade a proximidade com cida- des de alto poder aquisitivo transformou a Vila nos últimos anos em um lugar elegível para a instalação de várias iniciativas de organizações não-governamentais (ONGs), organizações da sociedade civil sem fins lucrativos (OSCIPs) e tem servido de laborató- rio para atividades de extensão para instituições de ensino superior pública e privada.

A presença dessas entidades na cidade demonstra uma nova modalidade de assis- tência social prevista e ensejada pelos organismos internacionais e incorporada nas políticas públicas promovidas pelo próprio Estado brasileiro. Por oportuno, vale lembrar que na Vila Varjão existe um imbricamento entre o Estado e as entidades da sociedade civil, pois existem vários Programas, como o “Segundo Tempo” que é financiado por recursos públicos, entretanto, parte dele é administrado por entidades da sociedade civil.

1 A renda per capita dos moradores do Lago Norte é de 7,8 salários mínimos (R$ 2.023,00) e a renda domiciliar é de

34,3 salários mínimos (R$ 8.922); enquanto para os moradores do Varjão é de 2,8 salários mínimos (R$ 728,00) e 0.8 salários mínimos (R$ 214,00), respectivamente, segundo os dados da PDAD/2004.

Atualmente existem sete organizações da sociedade civil com atividades na área de preservação ambiental, de criação e fortalecimento de cooperativas na área do artesanato, de cursos de aperfeiçoamento. Os laboratórios de extensão das institui- ções de nível superior têm oferecido assistência de saúde e reforço escolar gratuito a alguns moradores, proporcionando a oportunidade de seus graduandos aplicarem os conhecimentos adquiridos, os laboratórios oferecem atendimento fisioterapêutico, nutricional, aula de reforço para crianças do Ensino Fundamental e higiene bucal. Existe também um laboratório de comunicação social que produz um jornal quinzenal feito por alunos de uma das instituições de ensino superior sobre os fatos e aconteci- mentos da cidade2.

A cidade conta ainda com 28 associações criadas por moradores da cidade, dentre elas cooperativas de artesanato, conselhos de defesa de alguns segmentos, associação de comerciantes, micro-empresários, evangélicos, carroceiros e catadores de papel, dentre outras. Uma delas a Associação de Moradores da Vila Varjão, res- ponsável pela Creche comunitária mobiliza mais de três mil moradores em suas elei- ções trienais. Entretanto, a participação da comunidade guarda algumas peculiarida- des, embora vinte e oito seja um número expressivo, segundo declaração dos própri- os moradores e da Equipe Social da SEDUH, impera um baixo grau de participação e envolvimento dos moradores, segundo suas próprias declarações bem como da Equi- pe Social da SEDUH, sendo que algumas daquelas associações não promovem reu- niões há muito tempo.

Pelo volume de entidades que atuam integral ou parcialmente na cidade percebe- se, no entanto, a participação como alternativa para a conquista de benefícios para a cidade e seus moradores, participação essa, que inclusive, veio a se tornar, fator importante no processo de escolha da cidade como objeto do projeto Habitar Brasil – BID. Desde o início da intervenção urbana, ações de participação e envolvimento comunitário foram incentivadas pela equipe social responsável pelo acompanhamento do Programa na Vila.

Em tempo, com o intuito de aprofundar a percepção acerca das ações participativas na comunidade vale notar que há uma inegável importância no processo de envolvimento da população com as ações públicas que ocorrem em sua cidade, no entanto, essa a participação é ensejada como elemento estruturante das ações defini-

2 Interessante observar as manchetes do jornal, em primeiro lugar anunciam a cidade como um “grande labora-

tório para Universidades, ONGs e voluntários em geral”; e depois, denunciam – “No entanto, é preciso enxergar que o crescente trabalho de universidades, ONGs e voluntários é causado por um grande problema: a ineficiência do Estado” (Editorial do Jornal Varjão do Torto, julho de 2006).

das a priori por sujeitos e instituições exteriores à vila3. Os moradores podem participar

da implantação do Projeto, mas não da definição do tamanho dos lotes, das habitações, do tipo dos equipamentos públicos, do tipo, qualidade e duração dos cursos de capacitação oferecidos, dentre outras ações estratégicas que podem definir o destino da cidade no contexto de um processo de crescente e complexa urbanização.

A impossibilidade de a população interferir é usualmente justificada por meio de argumentos técnicos em detrimento de argumentos políticos – o recurso não é suficiente para o aumento da área construída das moradias e/ou a população não possui habilida- des e competências para opinar em assuntos complexos. A participação está circunscri- ta, nesse caso à ação mimética, e excluída de uma ação reflexiva, definidora de um destino soberano para a população, em outras palavras, é uma participação limitadora do exercício efetivo da condição cidadã dos moradores da cidade no seu conjunto.