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PARTE IV EM BUSCA DE UM CAMINHO ANALÍTICO-COMPREENSIVO

VII. 2 – A insegurança do cotidiano

Nossas entrevistadas marcam duas situações como parâmetro de comparação entre os dias e anos que antecederam a construção da casa própria e/ou pavimenta- ção e dotação de infra-estrutura urbana na cidade e aqueles que se sucederam: o medo e a chuva.

Morar nas encostas e invasões, depois se mudar para um lote é um avanço com certeza; entretanto, o medo foi companhia constante dos moradores, particularmente entre as mulheres chefes de família. Segundo Joana, 43 anos, moradora há 20 anos da Vila Varjão, mãe de três filhos, referindo-se a sua vida entre dois barracos de madeirite,

“... a minha vizinha se separou e você acredita que entrou um cara lá à noite e tentou estuprar ela à noite? Com os dois filhos dentro de casa? Um já tinha dez anos e a outra de sete anos, os dois dentro do quarto com ela e o cara nem se intimidou! Graças a deus ela conseguiu pegar o cabra, fez de conta que ia ceder pra ele, falou - vamos sair daqui que

3 Para demonstrar esse “modelo de participação” num quadro mais abrangente e por conseguinte mais complexo

é interessante conhecer novas modalidades de participação criadas pelo Banco Mundial, segundo o Relatório de Desenvolvimento Mundial de 2006 “A África e o setor privado ocuparam posição de destaque entre 118 finalistas de 55 países na competição sobre Mercado de Desenvolvimento Global realizada em Washington, D.C. no último mês de maio. Além disso, finalistas do Butão, Gâmbia, Lesoto, Turcomenistão e Vanuatu concorreram pela primeira vez, promovendo suas idéias sobre água potável, saneamento e energia para as populações de baixa renda dos países em desenvolvimento. O concurso distribuiu prêmios no total de US$5 milhões a 30 vencedores. Cada ganhador recebeu um subsídio não superior a US$200.000 após convencer o júri de peritos do Banco Mundial e externos de que seus projetos ofereciam idéias inovadoras com alto potencial de impacto para o desenvolvimento. A Fundação Bill & Melinda Gates, a Fundação Google, o Mecanismo Global para o Meio Ambiente, a Corporação Financeira Internacional e o Banco Mundial financiaram os prêmios deste ano. Além do evento mundial, nove Mercados de Desenvolvimento de âmbito nacional, abrangendo 13 países, foram realizados em 2006. Esses programas focaram temas sobre o desenvolvimento local (Banco Mundial, 2006: 25).

aqui não vai dar certo que meus filhos estão aqui na cama, ele foi saindo e ele armou a porta nele, pegou uma faca assim e aí ele escapuliu, aí ele saiu correndo, e ela saiu correndo pra rua... gritando... aí foi quando acor- damos, todo mundo e correndo atrás dela pra ajudar ela e ligou de novo pro marido e ele veio e ficou todo mundo procurando pela rua. Ele era morador daqui mesmo... ele já era estuprador...”

“(...) eu lá em casa dormia com o facão embaixo da cama! Morrendo de medo, com medo! Minha irmã dormia na frente com o meu cunhado e eu dormia lá no fundo com os meus filhos e minha vizinha de um lado e a minha vizinha do outro lado! (...) e mesmo assim não tinha segurança! Quando eles se separaram eu quase morri de medo, pois eu sabia que se eu gritasse eles vinham, pois o barraco era bem assim juntinho... gra- ças a deus eles voltaram e estão juntos até hoje!”

“ Eu já fui, quando eu morava no barraquinho de madeira, eu fui assalta- da com as minhas criancinhas ainda pequena, então eu tomei um trau- ma muito grande! Eu vi a pessoa, ela entrou e eu vi a pessoa... eram dois bandidos, meus meninos na época tinha dois anos de idade, eu gritei mesmo! Eu botei a boca no trombone, fiquei conversando com eles o tempo todo! Eu conhecia eles tudo direitinho, eles moravam aqui no Varjão... era vizinho, então, eu fiquei com um trauma muito grande! Não levaram nada, só me fizeram muito medo puseram a arma na minha cara... ameaçaram demais... queriam dinheiro... sorte que eu tinha rece- bido tinha três dias e tinha passado no Paranoá e comprado tudo! Eu só tinha 2,50 pra comprar o leite dos meninos de manhã (...)”.

“Eu tinha tanto medo, que tinha medo de dormir na minha cama sozinha! Eu dormia agarrado na minha cama com eles”.

Na fala acima percebe se que o medo proveniente dos moradores em relação a si próprios, conjugado a um sentimento de desconfiança e a visível desaprovação da conduta de parte dos moradores da cidade constrói um ambiente permeado por rela- ções de proximidade que se fortalecem para impedir o ataque ou invasão dos desco- nhecidos e, por outro lado, a dúvida em receber algumas pessoas em seu barraco para depois se tornar alvo de furtos na calada da noite ou quando todos estiverem ausentes em virtude do trabalho. A incerteza em relação à índole e intenções de desconhecidos faz com que os próprios moradores, em algumas situações dêem razão aos moradores do Lago Norte e do Setor de Mansões em afirmar que no

“Varjão só tem ladrão e gente mau caráter!”, os entrevistados afirmam que essa fama em alguma medida é verdadeira, mas eles, os honestos e trabalhadores, se ressen- tem muitas vezes dessa fama. Se sentem injustamente discriminados. Eles não são contra a distinção entre bons e maus moradores, são contra serem acusados injusta- mente por atos não cometidos por eles.

Segundo Fernando, outro morador, para entrar em qualquer barraco basta sim- plesmente um martelo para retirar as lâminas de madeirite, ele mesmo foi vítima de um conhecido que foi à sua casa durante o dia e na mesma noite o seu aparelho de som foi roubado. Enquanto todos dormiam uma parte da parede do barraco foi removida e o som levado, ele suspeita dessa pessoa, pois ela ficou observando todos os móveis e utensílios domésticos que ele possuía. Embora não possa provar afirma que convic- ção que só pode ter sido ele.

A Vila Varjão lidera o ranking do Distrito Federal em homicídios e está em terceiro lugar no uso e porte de drogas, segundo o mapa da violência divulgado pela Divisão de Estatística da Polícia Civil do DF, a partir dos dados da PDAD 2004.

O processo de urbanização contribuiu para que os moradores se sentissem mais seguros, primeiro porque uma parte deles conseguiram uma casa e depois porque o acesso da polícia foi facilitado pela abertura de ruas, canalização das grotas e ilumi- nação pública. Antes a polícia entrava com holofotes e em alguns lugares a viatura não tinha condições de transitar. Segundo os moradores, hoje vários traficantes se mudaram para o Itapoã (invasão próxima ao Paranoá transformada em região admi- nistrativa e que, em 2004, já contava com 46.252 habitantes).