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8.1 LEITURA DOS RESULTADOS

8.2.1 Cotidiano das famílias

8.2.1.3 Casamento

O tema “casamento” merece destaque dentro das relações familiares da Turma. Analisando algumas cenas, vamos identificar a forma como os pais dos personagens – e até mesmo as crianças – veem o casamento.

Seu Cebola esquece o aniversário de casamento (Cebolinha 113/1996)

Entre as histórias que abordam o relacionamento dos pais do Cebolinha, uma de 1996 (Cebolinha 113/1996) mostra que os homens esquecem datas importantes para o casal. Na história, mesmo recebendo em casa os padrinhos e o padre que, há anos, celebrou seu casamento, o pai do Cebolinha não consegue “adivinhar” o motivo da comemoração.

“A antiga namorada do papai” (Cebolinha 149/1985) trata sobre o ciúme de um casal. Cebolinha está andando na rua e é abordado por uma mulher que o acha parecido com o Seu Cebola. Quando ele diz que é filho dele, ela o abraça e explica que foi uma antiga namorada do pai dele. Cebolinha a leva para casa.

Ao chegar ao quintal, os dois encontram a mãe do menino, estendendo roupas no varal. Ela usa o vestido vermelho habitual, sapatos baixos e um avental – em contraste com a outra mulher, que é magra, está com cabelos presos, vestido acinturado e sapatos de salto alto. Dona Cebola leva um susto ao reconhecer a visita e pergunta o que ela está fazendo ali. Enquanto as duas conversam no quintal, Seu Cebola aparece ao fundo, sentado em uma poltrona, lendo jornal. Ele reconhece a voz da antiga namorada e sai de casa para vê-la. Os dois se abraçam, e Dona Cebola fica furiosa. Seu Cebola coloca a mão no ombro das duas e, conciliador, se dirige à mulher:

– Vamos, querida! Prepare um café pra Isadora!

Mesmo enciumada, Dona Cebola serve a ex-namorada do marido (Cebolinha 149/1985)

Apesar de contrariada, Dona Cebola faz o café. A bandeja na qual ele é servido só tem duas xícaras – uma para Seu Cebola e outra para a visita. A mulher prepara o café, mas não desfruta – apenas cumpre sua “obrigação”.

Isadora comenta com o ex-namorado que ele tem uma família linda. No final da visita, o marido de Isadora e seus dois filhos vão buscá-la e são apresentados ao Seu Cebola. A essa altura, a mãe do Cebolinha continua com a cara amarrada. O marido tenta acalmá-la.

– Bobagem, querida! Uma crise de ciúmes num relacionamento tão maduro quanto o nosso? Ah, nunca poderia ter casado com outra garota! Não seria feliz com outra!

Seu Cebola tem ciúmes da mulher, que conversa com um amigo (Cebolinha 149/1985)

A mulher se derrete toda e os dois se abraçam, apaixonados. É quando Dona Cebola avista um velho amigo na rua e sai correndo para conversar com ele. O marido fica furioso, morrendo de ciúmes.

“Fica Comigo” (Cebolinha 63/1992) é outra história que fala sobre o relacionamento dos pais do Cebolinha. Seu Cebola olha uma fotografia do dia de seu casamento e lembra do começo da vida de casado. Ele e a mulher são bem jovens. Ela é magra. Os dois vivem em clima de lua- de-mel, até o dia em que Seu Cebola tem de voltar a trabalhar. A mulher fica desesperada.

Como uma menina mimada, chora, inventa doenças e desculpas, para que o marido fique mais tempo com ela. Frequentemente, o marido não resiste e acaba ficando mais tempo em casa. Até que um dia, é chamado pelo chefe, que reclama de seus atrasos. Seu Cebola volta para casa com a orelha doendo, de tanto sermão. Resolve conversar com a mulher, que chora.

– Não quero que você seja demitido por minha causa!

Mulher e filhos tentam segurar Seu Cebola em casa (Cebolinha 63/1992)

O tempo passa, mas pouca coisa muda. Agora, ao sair para o trabalho, Seu Cebola tem que enfrentar os apelos da mulher e dos dois filhos, para que ele fique mais tempo em casa. A história mostra que, desde o início do casamento, os espaços do casal foram bem definidos: a mulher sempre ficou em casa, enquanto o homem teve de ir para a rua, trabalhar. Com isso, notamos que o espaço privado não pertence apenas à mãe, mas à mulher. Dona Cebola ainda não tinha filhos, mas ficava em casa. A diferença é que, no início do casamento, ela se comportava como uma menina frágil, que precisa dos cuidados do marido – uma espécie de filha dele. Com a maternidade, os papéis se invertem. A partir daí, a mulher não precisa mais de alguém que cuide dela. É ela quem assume essa função e, assim, cuida dos filhos e também do marido que, como já vimos, muitas vezes se comporta como uma criança.

A separação de casais é pouco abordada nas histórias da Turma da Mônica. Apenas um amiguinho dos personagens, o Xaveco, tem os pais separados. Em “A avó do Xaveco” (Cebolinha 08/2007), a mãe do Xaveco vai ao churrasco de boas-vindas para a ex-sogra.

Mãe do Xaveco é destratada pela ex-sogra (Cebolinha 08/2007)

A avó do Xaveco diz que a comida da ex-nora era medonha e que todo mundo sabia disso. A mulher se incomoda com o deboche da ex-sogra e fica com vergonha. Percebemos que a única personagem separada do marido é diminuída e humilhada porque não tinha jeito para as tarefas domésticas. Em outro momento, a avó do Xaveco pergunta à mulher como está a vida de solteira encalhada. Ela tenta se explicar:

– Quer parar com isso, Dona Xepa? Eu não estou encalhada, coisa nenhuma! Até já conheci um rapaz na internet e...

A senhora reage:

– Já?! Mas é uma descarada, mesmo! Pare com essa pouca-vergonha! Respeite a minha idade!!

A mulher separada, se está sozinha, é encalhada; se arruma namorado, é uma “descarada”. Já com o homem, a situação é diferente. A avó do Xaveco tenta arrumar outra esposa para o filho. Ela sugere que ele se case com Dona Cebola, e diz que “esta, sim, está bem alimentada! Bem diferente daquela outra!”.

Questões sobre casamento também são abordadas pelas crianças da Turma. Durante a pesquisa, identificamos histórias em que meninos e meninas tentam imaginar como serão seus relacionamentos no futuro.

Mônica procura uma vidente para saber com quem vai se casar (Mônica 30/2009)

Em “Com quem será que a Mônica vai se casar?” (Mônica 30/2009), a menina procura uma vidente para descobrir quem será o seu marido. A Madame Creuzodete aparece maquiada, com jóias. O interesse pelo esoterismo e pelas previsões é uma característica feminina. As revistas voltadas às mulheres sempre dedicam páginas a horóscopos – algo que não encontramos nas revistas masculinas. Aqui, uma menina de seis anos de idade se mostra preocupada com o futuro. Ela quer saber com quem vai se casar – isso indica que o casamento é algo dado como certo na vida das mulheres, desde pequenas. Quando ela se tornar adulta, terá a obrigação de encontrar um marido para não se tornar uma “encalhada” – como já dizia a avó do Xaveco. Essa angústia acompanha grande parte das mulheres desde muito cedo e persiste até que essa espécie de obrigação social se concretize.

A vidente atende a menina e mostra para ela como seria a vida com os pretendentes que ela cita. Entre eles, estão Fabinho Boa-Pinta e Titi.

Mônica indignada com o “marido”, que a proíbe de trabalhar (Mônica 30/2009)

No casamento com Fabinho Boa-Pinta, o “marido” pede à garota que pare de trabalhar e se enfeite mais. Ele diz:

– Primeiro, você vai largar o seu emprego naquela floricultura! O que a alta sociedade diria se soubesse que a minha esposa trabalha?

Vale uma pausa no diálogo para mostrar que a ideia do homem provedor é, mais uma vez, reforçada aqui. Para Fabinho Boa Pinta, mulheres de homens ricos não trabalham, pois não precisam ganhar dinheiro. O trabalho feminino só se justificaria se tivesse uma função econômica dentro da família. A atividade profissional é reduzida à questão financeira, como se o trabalho não oferecesse outras compensações além do dinheiro, como crescimento pessoal e profissional, satisfação e socialização. Voltando à história, ao ouvir o argumento do “marido”, Mônica reage.

Interessante notar que a menina, apesar de ainda ser uma criança, sabe o que é emancipação feminina. No entanto, como veremos ao analisar outra história da Mônica, a mãe dela passou anos sem trabalhar e, quando decidiu entrar no mercado de trabalho, escolheu uma atividade para ser feita em casa, conciliada com os serviços domésticos. Aqui, notamos uma diferença entre a teoria da menina e a prática que ela vive em casa.

Em outra previsão, Mônica – agora casada com Titi – aparece de avental, cozinhando, com uma vassoura ao lado. O marido chega do trabalho e já sai novamente. A menina fica

atônita, com as panelas na mão. As previsões reproduzem cenas vividas constantemente pelas mães dos personagens. No entanto, na história, elas são tratadas como algo negativo, algo que a menina não quer para ela.

Diante de previsões tão “ruins”, Mônica se enfurece e diz que a bola de cristal da Madame Creuzodete deve estar com defeito. A vidente rebate, dizendo que a menina não sabe escolher marido e que, quando for mais madura, vai perceber que não se ama ningúem por causa de beleza ou atração física.

– Quando você amar alguém de verdade, vai saber do que eu estou falando… e aí não vai precisar de uma bola de cristal para te mostrar isso, porque você vai ver o seu futuro com essa pessoa dentro da sua alma.

Mônica sai pensativa e encontra Cebolinha.

– Nossa, Mônica! Que cala é essa? No que está pensando?

– No meu futuro, Cebolinha… no nosso futuro… - diz ela, imaginando os dois se beijando.

Em uma história de 1983 (Festa Junina, Mônica 158/1983), os meninos da Turma pensam como seria a vida deles casados com a Mônica. Na imaginação, a menina vira uma mulher autoritária, que manda o marido fazer os serviços domésticos e ainda trabalhar. Cebolinha imagina a mulher dizendo: “Vai lavar pratos!”. Cascão a vê dando as seguintes ordens: “Limpa essa sujeira e depois vai tomar banho”. Já Franjinha pensa que a mulher vai recriminar seus trabalhos científicos: “Chega de invenções! Vai trabalhar!”. As crianças ficam apavoradas com a ideia. A esposa que manda no marido é algo fora dos padrões e, por isso, assusta os meninos. Ao imaginar Mônica dando ordens, as crianças vivenciam uma inversão de papel e reagem a ela. Na família tradicional do universo de Maurício de Sousa, a divisão de tarefas entre marido e mulher é clara. O autoritarismo não tem espaço, ainda mais se vier de uma mulher.