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8.1 LEITURA DOS RESULTADOS

8.2.2 Construção dos outros personagens

8.2.2.1 Caracterização

8.2.2.2.2 Profissão X Cor/Raça

Além do sexo dos personagens, outra característica parece exercer influência na representação dos profissionais: a cor/raça. A Pesquisa Social Brasileira (ALMEIDA, 2007), realizada entre os dias 18 de julho e 5 de outubro de 2002, teve como intenção conhecer a cabeça do brasileiro. Vários temas foram abordados pelos pesquisadores, entre eles, ética, sexualidade, corrupção, família, cor e raça. Ao tratar do preconceito de cor ou racial no Brasil, a pesquisa usou a seguinte metodologia: mostrou aos entrevistados oito fotos de pessoas diferentes, formando uma escala de cores que ia do branco de cabelos castanhos e olhos claros ao preto de cabelos e olhos escuros. A primeira pergunta feita a eles foi sobre a cor de cada uma das pessoas das fotos. Depois, os entrevistados falaram sobre as profissões dessas pessoas, a escolaridade e também sobre características de suas personalidades. A resposta com relação à cor das pessoas foi praticamente unânime (96%) nos casos extremos: a pessoa mais branca foi classificada como “branco” e as duas pessoas mais pretas como “pretos”. A classificação das outras pessoas variou. O segundo e o terceiro foram considerados brancos pela maioria, mas houve quem os classificasse como pardos e até como pretos. Da quarta à sexta foto, a maior parte dos entrevistados identificou pessoas pardas, mas também houve quem os chamasse de brancos e pretos. O resultado mostrou que a classificação de cor é subjetiva e depende da interpretação de cada um.

Chamou a atenção, entretanto, o resultado desse levantamento no que diz respeito às profissões. Profissões de prestígio elevado são associadas aos brancos. À medida que esse prestígio diminui, pardos e pretos vão sendo mais mencionados. A profissão de engraxate, por exemplo, foi mais associada a pessoas de cor preta. Já a advocacia foi atribuída com mais frequência aos brancos. Para o autor do livro que fala sobre a pesquisa, Alberto Carlos Almeida, os resultados são claros e mostram que “o preconceito baseado na cor existe, é muito difundido e está enraizado entre nós” (ALMEIDA, 2007, p. 227). No caso das profissões, ele explica que as respostas dos entrevistados são um reflexo da experiência diária da população brasileira. Segundo

ele, como há maiores chances de advogados serem brancos, ao analisarem as fotos, os entrevistados tendem a associar, por preconceito, a profissão ao branco.

De uma maneira geral, a pesquisa mostra que os brancos típicos concentram o maior número de menções para os atributos positivos.

(os brancos são) favorecidos pela população brasileira como os mais inteligentes e honestos, os que têm mais estudo e são mais educados em relação a pardos e pretos, o preconceito racial claramente os favorece. Por outro lado, ao contrário do que muitos poderiam imaginar, os pardos são mais malvistos do que os pretos. São eles que detêm os menores percentuais em todos os atributos positivos. Portanto, é o meio-termo – isto é, os pardos – que se encontra no lado oposto, ou seja, como mais vítima do preconceito do que os extremos puros: brancos e pretos. Ainda assim não se deve perder de vista que o preconceito contra os pretos é grande (ALMEIDA, 2007, p. 227-228).

Quando nos deparamos com os adultos da Turma da Mônica e analisamos suas profissões, identificamos casos em que a cor do personagem está diretamente relacionada à sua profissão. Isso acontece no caso de pardos e pretos, uma vez que os personagens brancos estão em maioria e, por isso, ocupam maior variedade de profissões. Como já mencionamos anteriormente, a empregada doméstica que trabalha para o Franjinha e aparece na revista do Cebolinha de 1976 é preta. Outras profissões e atividades que contam com personagens pretos são as de entregador, ladrão, vendedora de cocada. Não registramos nenhum preto desempenhando papel de milionário, industrial ou mesmo chefe. Até no caso dos personagens fora-da-lei, o ladrão preto é subordinado ao ladrão branco. A exceção fica por conta dos atletas. Em nossa análise, contabilizamos um jogador de futebol e um lutador de boxe pretos. É necessário destacar que, em esportes como o futebol e o boxe, é comum termos representantes pretos.

Ao privilegiar os brancos nas histórias e utilizar a cor preta em personagens com profissões menos “prestigiadas”, Maurício de Sousa pode estar reproduzindo uma estrutura que faz parte da realidade brasileira, na qual, para o senso comum, os brancos têm mais acesso a educação e, consequentemente, encontram mais oportunidades de trabalho (ALMEIDA, 2007). Nenhum personagem preto aparece em profissões que exijam uma formação universitária, por exemplo. As profissões relacionadas à cor preta são: entregador, jogador de futebol, ladrão, lutador de boxe, vendedor ambulante, bilheteira e gênio.

Bilheteira preta (Cebolinha 92/1994)

Em 1978, há uma história com um entregador preto. Ele distribui peixes vivos para uma loja no bairro do Limoeiro. É conhecido da Mônica, que o chama de “morenão”. Ao perseguir um ladrão, Mônica conta com a ajuda dele e grita:

– Pega ele, Morenão!

No decorrer da análise, não registramos a presença de muitos personagens pardos. Os poucos que encontramos exercem as seguintes profissões: cientista, ladrão, desenhista, tintureiro, vilão, gênio, califa, sheik, dona-de-casa, secretária e cantor. Nesse caso, as atividades profissionais são mais variadas. É preciso levar em consideração que, para efeitos desta pesquisa, são considerados pardos os personagens de pele branca e cabelos encaracolados, nariz largo ou boca carnuda. Como, nos desenhos, a pele é branca, não podemos afirmar que, ao criar o personagem, o desenhista tivesse consciência de que estava trabalhando com a cor parda. Daí, inferimos que a variedade de profissões no caso dos pardos está relacionada ao fato de que, como a cor da pele é branca, os personagens não reproduzem o preconceito de cor e racial que aparece nos casos de personagens pretos.

Já os personagens de cor amarela aparecem pouco nas histórias. Além da mãe dos personagens Do Contra e Nimbus, que é uma dona-de-casa oriental, pudemos identificar dois vendedores, um desenhista e um tintureiro – sendo que este último tem até o sotaque japonês, com a troca do “R” pelo “L”. No caso dele, houve o uso de um estereótipo, uma vez que essa profissão é frequentemente relacionada a orientais, assim como a profissão de verdureiro, por exemplo.

Tintureiro oriental (Cebolinha 163/1986)

Ao escolher as profissões de seus personagens, Maurício de Sousa recorre a estereótipos. Além do tintureiro oriental, temos as professoras de óculos, as secretárias novinhas, os ladrões pretos ou pardos, com porte atlético. Com relação às cores dos personagens, as histórias reproduzem situações comuns à realidade brasileira ou, pelo menos, naturalizadas – como é o caso de médicos brancos e ladrões pretos. Grande parte dos adultos que aparecem nas revistas é branca. Maurício de Sousa, intencionalmente ou não, exclui as outras cores das histórias, do mercado de trabalho, do convívio social. O universo da Turma da Mônica imita a realidade e dá mais oportunidades aos brancos.