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Macfarlane afirma que: “A ideologia do amor romântico justifica a saída dos filhos do controle familiar.”353 Mas o amor romântico era controlado por lei: dependendo da idade da menor, ficando constatado o defloramento, o juiz permitia o casamento, com separação de corpos, até que ela atingisse a idade exigida por lei.

CASAMENTO NO MEIO RURAL

No meio rural não existia órgão oficial que fizesse o registro de nascimento das crianças. A distância da sede do distrito, a falta de recursos financeiros, o excesso de 353

MACFARLANE, A. História do casamento e do amor. Tradução Paulo Neves. São Paulo: Cia das Letras, 1990, p. 134.

trabalho, eram obstáculos para registrar os filhos. Quando o responsável tinha condições de dirigir-se à cidade, muitas vezes os registros eram feitos em bloco, gerando alguma confusão, pelo esquecimento das datas dos nascimentos e dos nomes dos filhos a serem registrados.

Uma sociedade conservadora reservava duas vidas diferentes para os homens e mulheres: ao homem, a liberdade da vida pública, tendo como lugar social a rua, já a mulher, principalmente das camadas mais abastadas, ficava resignada à vida privada, a casa era o seu lugar social.

A figura da mulher como modelo de virtude foi muito marcante no período, sua pureza deveria ser resguardada como sinal de honra, não apenas para ela, mas para toda a família e a sociedade. Conjunção carnal antes do casamento era, para uma sociedade de maioria católica, pecado que deveria ser evitado a qualquer custo.

O crime em que estão envolvidos Maria Luiza354 e Nonival comprova o exposto acima. Normalmente os pais ou responsáveis só tomavam conhecimento do que vinha acontecendo em relação à sexualidade das filhas quando o ventre se avolumava ou o fato já estava sendo comentado pela vizinhança, guardiã dos bons costumes. O responsável pela menor abandonada Maria Luiza A., de 15 anos, morena, percebeu que ela estava grávida. Interrogada, denunciou Nonival S., lavrador com 28 anos, de ser o causador de sua desonra. A historiadora Soihet, ao discutir a importância da defesa da honra, afirmou que:

A honra da mulher constitui-se em um conceito sexualmente localizado do qual o homem é o legitimador, uma vez que a honra é atribuída pela ausência do homem, através da virgindade, ou pela presença masculina no casamento. 355

Maria Luiza356, querendo salvaguardar a honra com o casamento, disse que quando morava no distrito de Candói, em companhia da mãe, foi namorada de Nonival por um período de seis meses e que, estando sozinha com um irmão pequeno em casa, o

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Processo-crime n° 11/41 – aberto em 25 de abril de 1941- Caixa n° 135 – Vara Criminal da Comarca de Guarapuava, disponível no Arquivo Histórico – UNICENTRO.

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SOIHET, R. Mulheres pobres e a violência no Brasil urbano In: PRIORE. op. cit. p. 389. 356

O atestado de miserabilidade foi fornecido pelas autoridades em nome da ofendida e esta foi acompanhada para prestar declaração e para submeter-se ao exame de defloramento pela senhora com quem se hospedava. Observa-se também na declaração da menor que foi questionada pelas autoridades quanto ao tratamento que vinha recebendo na casa onde estava hospedada, e respondeu que estes a tratavam com “muito carinho e respeito”.

acusado agarrou-a a força, desvirginando-a e depois disso tiveram várias relações sexuais, sempre com promessa de casamento.

Na declaração, Nonival disse que sabia pela “voz do povo que a mocinha tinha grande interesse em namorar ele.”357 No entanto, negou que tivesse namorado Maria Luiza e durante o tempo em que a menor esteve na casa da mãe que “é meretriz”, o declarante não foi naquela casa.

O deflorador, na tentativa de livrar-se da acusação, fere, através do depoimento, ainda mais a honra da mulher. O que antes dizia ser amor a uma mulher digna, agora é negado, impondo à mulher o papel de impura, desonesta e de certa forma responsável pelo ocorrido.

Duas testemunhas afirmaram não saber que eles eram namorados, porém, disseram que o acusado freqüentava a casa da mãe da ofendida. O inquérito teve início em abril e em maio o delegado de polícia informou ao juiz que o acusado tinha reparado o mal, contraindo matrimônio com a menor.

A queixa foi prestada na Delegacia de Guarapuava, o processo foi encaminhado para o distrito de Candói onde o acusado e as testemunhas foram ouvidas, a mãe da vítima não foi intimada pelas autoridades.

Percebe-se certo cinismo por parte do acusado, difamando a casa da mãe da vítima ao ser interrogado, Nenhuma testemunha afirmou ser a mãe de Maria Luiza prostituta. O casamento foi realizado em 12 de maio de 1941. Na documentação consta que Nonival teria pedido a mão de outra moça em casamento, porém diante da recusa, talvez ao se sentir rejeitado, resolveu reparar o mal casando-se com a ofendida, uma vez que, segundo ele, ela assim o desejava. E, certamente, apesar de negado por ele, o filho que Maria Luiza esperava era do acusado, pois se casou. O fato de a menor ter sido retirada da guarda da mãe358 pelo juiz de paz da região, encaminhando-a para casa de família e depois enviada para o juizado de Guarapuava para ser entregue a outra família, indica que a mãe de Maria Luiza tinha uma vida irregular e não podia ter em sua companhia a filha menor de idade.

Ratificando também o que já foi dito, Benvindo359 e Saturnina não tinham documentação para realizar o casamento segundo as leis do Estado. Eram namorados, estavam apaixonados e queriam casar-se, assim Saturnina G.B, com 15 anos, de cor 357

Fls. 4 do processo. 358

Comprovada a imoralidade das mães, a justiça retira as crianças da sua companhia. 359

Processo n° 11/43 – aberto em 12 de outubro de 1943 - Caixa n° 161 – Vara Criminal da Comarca de Guarapuava, disponível no Arquivo Histórico –UNICENTRO.

branca, deixou-se raptar. Tal situação pode ser observada na queixa que o pai da ofendida fez à justiça. O registro de queixa foi feito em outubro e o rapto tinha ocorrido em julho.

Na declaração a menor disse que foi convidada pelo namorado para fugirem e ela aceitou, tendo sido levada para a casa de um tio do acusado, onde foi deflorada pelo namorado, fato confirmado pelos peritos ao fazerem o auto de exame de defloramento.

Benvindo N. com 24 anos, lavrador, confirmou todas as informações prestadas pela menor, estava disposto a reparar o mal com o casamento, sabia que a menor era virgem e ambos queriam casar-se. Poucos foram os acusados que relataram que as menores de idade eram virgens quando do primeiro ato sexual.

Saturnina e Benvindo só divergiram, em suas declarações, quanto ao número de vezes que mantiveram relação sexual, durante os cinco dias que estiveram juntos. Mesmo com a confissão de ambos, ela teve que ser submetida ao auto de exame de defloramento. O casamento foi realizado em 14 de outubro de 1943, dois dias após o registro de queixa. Para a moralização dos costumes, havia interesse das autoridades que o casamento, nos casos de crime sexual, fosse realizado o mais rápido possível, para não gerar falatórios na comunidade, o acusado não tentar fugir e moralizar as famílias.

O único impedimento para que este casamento fosse realizado, sem a intervenção policial, era a falta de documento da menor e, possivelmente, do acusado. O acusado declarou que não tinha condições financeiras para “arcar com a papelada” que um casamento exigia. Com o registro de queixa-crime, o delegado de polícia encaminhou os envolvidos ao cartório, para que fosse feita a certidão de nascimento e de casamento sem que eles tivessem que arcar com as despesas dos selos.

Pela data do rapto e o registro de queixa, ficam alguns questionamentos: tinham- se passados três meses do fato, ambos declararam que ficaram por cinco dias juntos, por que o registro de queixa levou tanto tempo para ser feito? E por que se separaram após cinco dias? É possível que o casal, após os cinco dias da fuga, voltou para casa e passaram a viver juntos. Talvez ficassem sabendo que podiam legalizar a situação apropriando-se das leis do Estado, buscaram ajuda do responsável pela menor, que fez o registro de queixa e, com o auxílio das autoridades, resolveram a situação.

Para Rose Marie Muraro que fez várias entrevistas com mulheres amasiadas e mulheres casadas, as amasiadas sonhavam com o casamento, em ter um papel assinado, que, segundo elas, era para a legalização da situação dos filhos, porém os homens com quem essas mulheres viviam não acreditavam em papel. As mulheres que não tinham

casado no civil, sentiam-se marginalizadas diante das que eram casadas e para muitas delas era importante dizer que estavam casadas e com papel assinado.360 Porém, pode- se observar que alguns casais que viviam em situação irregular perante a sociedade, tinham uma vida tranqüila, existia um maior respeito entre os cônjuges. Talvez por medo ou não se sentindo seguros quanto à situação, viviam bem em concubinato. Todavia após um longo tempo de convivência, quando resolveram regularizar a situação perante a sociedade e a religião, a união conjugal se transformou: passaram a viver uma vida de discórdia, submissão e falta de respeito.

Dentre os processos levados ao conhecimento da justiça no meio rural, somente Nonival relutou em casar-se com a namorada, os outros, percebe-se, que só anteciparam a conjunção carnal para resolverem a situação, ou de proibição ou para dar uma resposta à sociedade e não ter que arcar com as despesas matrimoniais.