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O Código Penal não incrimina autonomamente o estupro incestuoso, não está contemplado, no Código, como incesto, mas pode ser visto no Artigo 225 – II “se o crime é cometido com abuso do pátrio-poder, ou na qualidade de padrasto, tutor ou curador.”70 E ainda no Artigo 226 – II “se o agente é ascendente, pai adotivo, padrasto, irmão, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela.”71 Aquele que mantiver relação sexual com mulher menor de idade que esteja sob sua guarda, comete crime de estupro incestuoso.72

O estupro incestuoso é talvez a forma de abuso sexual mais difícil de ser reconhecido, pois poucas crianças falam sobre isso e não se pode saber com que freqüência ele acontece. Embora a criança nem sempre fique ferida fisicamente, o incesto é muito perigoso. Na verdade a criança guarda o segredo, observando solicitação ou ordem do agressor.

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NAZZARI. Op. cit. p. 17. 68

NAZZARI. op. cit. 69

A questão do dote em casos de estupro também pode ser visto em CHARAM, I. Op. cit. 70

NAVES, Nilson Vital. Código Penal de 1940 Código Penal de 1969 – Leis das contravenções penais Legislação complementar. 2 ed. Rio de janeiro: Forense, 1976. p. 209.

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NAVES. p. 210. 72

Com a aprovação do ECA. Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n° 8.069 de 13 de julho de 1990), qualquer pessoa que souber que um menor de idade esta sendo submetido a esse tipo de crime, pode e tem o dever de fazer a denúncia diretamente ao Ministério Público.

Eu tinha 5 anos (...) eu vivi tanto sem poder entender o que se passava: entretanto, eu acreditava que eram monstros no meio da noite. Depois de algum tempo, eu cresci um pouco e eu descobri que era meu pai. Depois, eu cresci com medo. Medo de que qualquer um viesse a saber. Medo de ser deformada fisicamente. Medo de ficar grávida. E medo da idéia de que se um dia eu contasse a vocês, minhas colegas, (...) eu seria rejeitada, porque eu seria considerada uma viciada, um ser bizarro, horrível e sujo, que viveu uma merda impensável (...).73

Para outra vítima de estupro incestuoso “[...] Não dou queixa contra meu pai, porém ele se tornou um homicida... toda a minha personalidade de adulta é determinada pelo estupro.”74

O estupro incestuoso só era denunciado, normalmente, quando a vítima atingia a puberdade, mas em geral o abuso começava muito mais cedo e se repetia, por muito tempo com o longo silêncio da vítima e o pseudodesconhecimento da mãe. Muitas vezes a intermediação de uma terceira pessoa, cunhada, tia, irmã, avó, vizinhos, fez-se necessária para que o crime se tornasse visível e chegasse à justiça. O antropólogo Levi- Strauss75, ao tratar do incesto, também se referiu ao silêncio das partes envolvidas “[...] embora proibido pela lei e pelos costumes, existe, sendo mesmo, sem dúvida muito mais freqüente do que levaria a supor a convenção coletiva do silêncio.” 76

A conspiração do silêncio, muitas vezes, só se rompia com um fato concreto, a gravidez. De acordo com Levi-Strauss, Morgan e Maine disseram que a proibição do incesto era natural e social e que a interdição seria uma proteção com finalidade de defender a espécie dos “[...] resultados nefastos dos casamentos consangüíneos. E ainda, a proibição é de origem recente, não aparecendo antes do século XVI.”77

A socióloga Saffioti78, ao estudar o estupro incestuoso, fez uma distinção da violência sofrida por meninas de camadas mais abastadas e as vítimas menos favorecidas. A sedução está presente nas camadas mais sofisticadas, o pai avançava lentamente suas carícias, que passavam da ternura à lascívia. Após a primeira menstruação, os pais mais instruídos cuidavam para que as filhas não engravidassem. Nas camadas mais pobres, sem instrução, o processo era mais rápido e brutal, ameaçavam de morte, arma e a conseqüente gravidez, na maioria dos casos.

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Texto extraído do relato/confissão de Viviane Clarac, transcrito por PIMENTEL. Op. cit. p. 56. 74

VIGARELLO, op. cit. p. 209. 75

LEVI-STRAUSS, C. As estruturas elementares do parentesco. 3 ed. Tradução. Mariano Ferreira. Petrópolis: Vozes, 2003. 76 Idem, p. 55. 77 Idem, p. 51. 78

Os agressores, nesses casos, pareciam viver com naturalidade a relação sexual incestuosa com a filha, sem assumir o caráter criminoso de tal ato. São os papéis culturalmente construídos de poder, autoritarismo e extrapolação de direitos masculinos e de subserviência e extrapolação de deveres femininos, inclusive da própria filha. O abuso sexual incestuoso deixa ferida na alma, apesar de aparentemente as vítimas agirem normalmente, eram pessoas resilientes, capazes de viverem terrível drama sem demonstrarem grandes traumas.79

Assim como o estupro incestuoso não está previsto em lei na França, nos Estados Unidos e no Brasil, o marido que estupra a esposa também não é visto como criminoso, pela lei.

Nos processos em que estão contidas as visões jurídicas, uma visão que ordena a realidade de acordo com as normas legais escritas preestabelecidas, mas também de acordo com as normas sociais não escritas, que eram debatidas perante o grupo de julgadores, as relações somente serão transformadas de privadas em públicas no momento em que o descumprimento de algum direito ou dever for também tornando público, levando o Estado, como força reguladora, a intervir através dos aparatos policial e jurídico80.

Será que as mulheres têm uma história, perguntou Michelle Perrot? Para ela a questão parece estranha.

“Tudo é história”, dizia George Sand, como mais tarde Marguerite Yourcenar; “Tudo é história”. Por que as mulheres não pertenciam à história? Tudo depende do sentido que se dê à palavra “história”. A história é o que acontece, a seqüência dos fatos, das mudanças, das revoluções, das acumulações que tecem o devir da sociedade. Mas é também o relato que faz de tudo isso. (...) As mulheres ficaram muito tempo fora desse relato, como se, destinadas à obscuridade de uma inenarrável reprodução, estiveram fora do tempo, ou pelo menos, fora do acontecimento. Confinadas no silêncio de um mar abissal. 81 Seguindo a mesma linha de raciocínio da historiadora, as mulheres não eram vistas atuando no espaço público, seu acesso à escrita foi tardio, o que produzem no ambiente doméstico é rapidamente consumido, elas mesmas apagam seus vestígios por considerarem insignificantes. Para os artistas as mulheres eram imaginadas e representadas e não escritas ou contadas. Elas não têm sobrenome, têm apenas um

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SAFFIOTTI, op. cit. 80

CORREA, Mariza. Morte em família. Representações jurídicas de papéis sexuais. Rio de Janeiro: Graal, 1983.

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nome. Se forem casadas são as senhoras dos senhores, fulano de tal; se são solteiras são as filhas do senhor fulano de tal; se são empregadas domésticas, são as empregadas do senhor fulano de tal; se forem órfãs, são conhecidas pelo nome do pai. É preciso ser piedosa ou escandalosa para existir.82

82 Idem,

CAPITULO II