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Em 16 de dezembro de 2004, foi concluído o julgamento iniciado há sete anos – em 20 de novembro de 1997 – do Recurso Extraordinário 208.260-1RS34,

pelo qual o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do art. 1º do Decreto-lei n. 1.724, de 1979. Em seguida será feita uma análise dessa decisão, que, por ter sido proferida ao tempo em que o assunto já estava bastante debatido no âmbito do STF, revela-se importante para a compreensão da controvérsia.

34 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/lis tarJurisprudencia.asp>. Acesso em: 1 nov. 2007, 7h35min.

Da ementa e do acórdão do Recurso Extraordinário, a seguir transcritos, destaca-se a ocorrência de um único voto contrário, o do relator originário Ministro Maurício Corrêa.

16/12/2004 TRIBUNAL PLENO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 208.260-1RS Relator Originário: Min. Maurício Corrêa Relator para o Acórdão: Min. Marco Aurélio Recorrente: União

Recorrido: Calçados Siprana Ltda

LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA – NORMAS GERAIS – LEI QUALIFICADA – Normas gerais sobre legislação tributária hão de estar contidas em lei complementar.

IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS – INCENTIVOS FISCAIS – AUMENTO – REDUÇÃO – SUSPENSÃO – EXTINÇÃO (grifou-

se) – DECRETOS–LEI N. 491/69 E 1.724/79 – DELEGAÇÃO AO

MINISTRO DE ESTADO DA FAZENDA – INCONSTITUCIONALIDADE. A delegação ao Ministro de Estado da Fazenda, versada no artigo 1º do Decreto–Lei n. 1.724, de 7 de dezembro de 1979, mostrou-se inconstitucional, considerados os incentivos fiscais previstos no Decreto–Lei n. 491, de 5 de março de 1969.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros do Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a presidência do ministro Sepúlveda Pertence, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria, em conhecer e negar provimento ao recurso para declarar a inconstitucionalidade do artigo 1º do Decreto–Lei n.

1.724, de 7 de dezembro de 1979 (grifou-se), vencido o ministro Maurício Corrêa, relator, que dava provimento ao recurso.

Votou o Presidente, ministro Sepúlveda Pertence. Impedida a ministra Ellen Gracie. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o ministro Nelson Jobim, Presidente, que proferira voto anteriormente.

Brasília, 16 de dezembro de 2004. Marco Aurélio - REDATOR P/ACÓRDÃO Supremo Tribunal Federal

Por meio da ação interposta, a empresa logrou êxito parcial no juízo de primeira instância. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região apreciou os apelos de ambas as partes, confirmando a sentença de primeiro grau quanto à inconstitucionalidade contida no Decreto-lei n. 1.724, de 1979, relativamente à autorização para o Ministro de Estado suspender, aumentar, reduzir, temporária ou definitivamente, ou extinguir os incentivos fiscais previstos nos art. 1º e 5º do DL 491, de 1969. Para o Tribunal Regional, a autorização: “é inconstitucional, por invadir esfera reservada exclusivamente à lei, nos termos do art. 97, inciso VI, do Código Tributário Nacional”.

Ao apreciar o recurso extraordinário, o Ministro Maurício Corrêa, em seu voto, no dia 20 de novembro de 1997, posiciona-se a favor da constitucionalidade da

norma atacada, sob o argumento de que não se trata de extinção de créditos tributários, por isso não se estaria ferindo o inciso VI do art. 97 do CTN. Entende ainda o Ministro Corrêa que o princípio da legalidade nesse caso estaria excepcionado por se tratar de política econômica empreendida pelo governo, lembrando ainda que na fixação de alíquotas do imposto de importação tal princípio pode ser mitigado. Destacou que o Tribunal a quo fundamentou a inconstitucionalidade em face do art. 6º e parágrafo único da EC-01/69, discordando, entretanto, por considerar que o Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República auxiliado pelos Ministros de Estado, o que validaria a delegação de atribuições contida na norma. Os argumentos não prevaleceram, o voto foi vencido no julgamento. Na mesma data, o Ministro Nelson Jobim apresentou voto acompanhando o relator originário, todavia reviu o posicionamento pela inconstitucionalidade em data posterior.

Por ocasião da retomada do julgamento, o Ministro Marco Aurélio apresentou, em 12 de agosto de 2004, seu voto-vista, onde, em síntese, ressalta que o poder de delegação de competência disposto no parágrafo único do art. 81 da Constituição de 1969 não afasta o princípio da legalidade. Além disso, o parágrafo único, do art. 6º da Constituição de 196935, limitou o exercício da delegação de

atribuições pelos poderes constituídos. Por essa razão, propôs a declaração de inconstitucionalidade do artigo 1º do Decreto-lei n. 1.724, de 1979.

O Ministro Carlos Veloso, apresentou voto-vista, em 27 de outubro de 2004, manifestando entendimento pela inconstitucionalidade do art. 1º do Decreto-lei n. 1.724, de 1979, quanto à delegação de competência ao Ministro da Fazenda para extinguir os incentivos fiscais implementados pelos arts. 1º e 5º do DL n. 491/69. O principal argumento para fundamentar a inconstitucionalidade, na opinião do Ministro Veloso, é de que um ato normativo primário (decreto-lei) não pode delegar competência ao Ministro de Estado para revogar outro ato normativo primário que tenha concedido o incentivo fiscal. Ao delegar a competência na forma exposta, o decreto-lei estaria ferindo o art. 6º da Emenda Constitucional de 1969. O Presidente

35 EC n. 1, de 1969. Art. 6º São poderes da União, independentes e harmônicos, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Parágrafo único. Salvo as exceções previstas nesta Constituição, é vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições; quem for investido na função de um deles não poderá exercer a de outro.

da República pode delegar competência aos ministros, desde que se trate de competência em sua esfera de atribuições privativas, vinculadas ao poder executivo. A respeito do processo legislativo, somente a Constituição poderá atribuir as competências. Apresentadas essas razões, acompanhou o voto do Ministro Marco Aurélio.

Em outubro de 2004, o Ministro Nelson Jobim reajustou o voto acompanhando a divergência iniciada pelo Ministro Marco Aurélio.

Finalmente, o Ministro Gilmar Mendes, oferece seu voto-vista, em 16 de dezembro de 2004, encerrando a via crucis processual. Faz ampla retrospectiva da matéria, cita trechos de julgados precedentes, dentre os quais se destaca o trecho abaixo extraído do voto do Ministro Moreira Alves consignado no RE180.828RS:

“2. A meu ver, qualquer que seja a natureza jurídica do crédito-prêmio em causa para incentivo à exportação de manufaturados – seja ele crédito fiscal, seja ele crédito financeiro -, o problema constitucional com relação à autorização ao Ministro de Estado da Fazenda, dada pelo artigo 1º do Decreto-Lei n. 1.724/79 para reduzi-lo, temporária ou definitivamente, ou para extingui-lo (e é dessa autorização que, por via de interpretação, decorre a de suspendê-lo, que caracteriza uma extinção provisória), ou dada pelo inciso I do artigo 3º do Decreto-Lei n. 1894/81 para reduzi-lo, suspendê-lo ou extingui-lo, se resolve no terreno da delegação de competência legislativa.

Com efeito, ainda quando se entenda que, na vigência da Emenda Constitucional no 1/69, se admitia, como no direito constitucional norte- americano, a delegação legislativa a autoridades administrativas quando essa outorga fosse limitada por padrão ou padrões determinados na Lei, o certo é que, no caso, as delegações feitas pelo Decreto-Lei n. 1724/79 e pelo Decreto-Lei 1894/81 - e se trata de delegação legislativa, porquanto a edição de Decreto-Lei se situa na competência do Presidente da República, no exercício de função legislativa, e, no que diz respeito à redução, à extinção ou à suspensão do incentivo em causa, implica ela cessação de eficácia, total ou parcial, permanente ou provisória, dos próprios Decretos- Leis delegantes - são incondicionadas à observância de qualquer padrão determinado por esse diploma com força de lei, o que acarreta a inconstitucionalidade dessas delegações.

O entendimento consolida a inconstitucionalidade das normas questionadas, independentemente da categoria jurídica que venha a ser reconhecida para o crédito-prêmio de IPI, seja crédito fiscal ou financeiro. A inconstitucionalidade resulta da forma ampla empregada para conceder a delegação legislativa, sem qualquer limitação imposta previamente, ou seja, é inadmissível que a delegação tenha atribuído ao Ministro de Estado poderes tão amplos, suficientes para extinguir um incentivo fiscal criado por normas legislativas editadas de conformidade com o texto da Emenda Constitucional n. 1, de 1969.

Amparado na argumentação exposta, o Ministro Gilmar Mendes segue a dissidência iniciada pelo Ministro Marco Aurélio, para declarar a inconstitucionalidade do art. 1º do Decreto-lei n. 1.724/79, e, ao final, concluir:

Em face da declaração de inconstitucionalidade, entendo, apenas como “obiter dictum”, que os dispositivos do DL 1.658/79 e do DL 1.722/79 se mantiveram plenamente eficazes e vigentes. Assim, a extinção do crédito- prêmio de IPI deu-se, gradativamente, tal como se pode verificar: em 1979, redução de 30% (10% em 24 de janeiro, 5% em 31 de março, 5% em 30 de junho, 5% em 30 de setembro e 5% em 31 de dezembro); em 1980, redução de 20%; em 1981, redução de 20%; em 1982, redução de 20% e 10% até 30 de junho de 1983.

Diante da discussão ocorrida no âmbito do STF, constata-se que não havia como prosperar a delegação de competência contida nos Decretos-leis n. 1.724/79 e 1.894/81, pelo golpe desferido contra o parágrafo único do art. 6º da EC n. 1, de 1969. Considerando o crédito-prêmio de IPI incentivo de natureza fiscal complexa, tributária e financeira, somente a norma positivada, de acordo com as regras constitucionais, teria o condão de extinguir o benefício. Alertando-se para o fato de que o dom de amparar a prática do ato administrativo está contido apenas na lei que tenha cumprido o processo legislativo previsto na Constituição, vale recapitular o princípio da legalidade, nas palavras de Arnaldo Vasconcelos. Ferida a Lei Maior, nulo será o ato realizado.

Pauta-se a atividade administrativa pública nos estritos termos da legalidade, valendo dizer que tudo aquilo que não se encontra expressamente autorizado em lei está, por esse só motivo, vedado. As proibições tornam-se, pois, supérfluas. Exatamente o contrário do que acontece no domínio do direito Privado, onde as interdições legais servem de marcos definitórios do extenso e prolífico campo da licitude.36

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