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Incentivo Fiscal: Tributário ou Financeiro?

Se o crédito-prêmio de IPI pertence ao gênero incentivo fiscal, entendida a expressão em seu sentido amplo, resta apreciar detalhadamente a que espécie se refere o benefício: tributária ou financeira.

De antemão, considerando que a forma de utilização do benefício é elemento essencial para caracterizá-lo, dois limites temporais irão interferir no

33 A compensação tributária ocorre após a apuração e lançamento do imposto a ser extinto (débito do contribuinte), devendo ser registrada, nas contas governamentais, a débito da rubrica relativa à origem do direito creditório em favor do contribuinte (correspondendo a uma despesa governamental), em contrapartida com a rubrica do tributo a ser extinto, que deverá ser creditada (representa receita pública). Somente desse modo será preservada a distribuição, entre os entes federados, dos recursos provenientes da arrecadação tributária, de acordo com a determinação constitucional.

estudo pormenorizado da natureza do crédito-prêmio de IPI. No momento da criação do incentivo, os §§ 1º e 2º do art. 1º do Decreto-lei n. 491, de 5 de março de 1969 (DOU de 6.3.1969), definiram três modalidades de utilização. Quase uma década depois, essa sistemática foi expressamente revogada, com efeitos a partir de 1º de janeiro de 1980, pelo art. 5º do Decreto-lei n. 1.722, de 1979.

É necessário então estudar a natureza do incentivo, com todas as peculiaridades, em duas etapas: no período compreendido desde a sua criação, em 6 de marco de 1969, data de publicação do Decreto no DOU, até 31 de dezembro de 1979, complementando-se em seguida com o período iniciado em 1º de janeiro de 1980.

Nesse sentido, no período preliminar (6.3.1969 até 31.12.1979), o benefício, embora mantido sob os limites do gênero incentivo fiscal, revelava natureza complexa quanto à espécie, pois comportava três modalidades de utilização, de acordo com os §§ 1º e 2º do Decreto-lei n. 491, de 1969.

Em primeiro lugar, assumia feição de crédito de IPI a ser deduzido dos débitos desse imposto apurados no mercado interno (§ 1º do art. 1º do DL n. 491, de 1969). Nessa situação, não há escrituração nas contas públicas, pois os registros são efetuados nos livros fiscais do próprio contribuinte, que ao final apura um valor menor de IPI a recolher ao erário. Não se trata aqui de extinção dos valores devidos a título de IPI, referente às vendas realizadas no país, por meio de compensação tributária, mas de simples dedução no ato de calcular o imposto. O incentivo nesse caso age no iter de apuração do IPI devido pelo contribuinte, reduzindo o montante da receita a ser recolhida aos cofres públicos. O crédito-prêmio de IPI pertence nessa modalidade ao gênero fiscal e espécie tributária (incentivo fiscal tributário).

Em segundo lugar, com relação à parcela que sobrepujasse o débito de IPI devido no mercado interno, poderia o crédito-prêmio ser empregado para compensação de demais impostos federais devidos pelo beneficiário do incentivo (§ 2º do DL n. 491, de 1969). Nesse modo, o benefício em favor do contribuinte constitui um crédito portador de aptidão legal para extinguir débitos do sujeito passivo, relativos a outros impostos diferentes do IPI, por meio do instituto da compensação. Para resguardar a destinação das receitas tributárias estabelecidas constitucionalmente, na contabilidade da União, a rubrica orçamentária relativa à

receita do imposto extinto pela compensação deve ser creditada em contrapartida com uma rubrica de despesa criada especificamente para registrar o crédito-prêmio de IPI, que nesse caso pertence ao gênero fiscal e espécie financeira (incentivo fiscal financeiro).

Finalmente, ficou facultada a possibilidade de aproveitamento do crédito- prêmio de IPI por meio de outras formas estabelecidas pelo poder executivo em regulamento próprio, o que permitiu o pagamento do benefício em dinheiro, de acordo com a regulamentação adotada à época. Na contabilidade da União, os valores correspondentes deveriam ser apropriados em rubrica de despesa específica, de forma a retratar o gasto público com o benefício. Nesse caso, o crédito-prêmio de IPI também se classifica no gênero fiscal e espécie financeira (incentivo fiscal financeiro).

No segundo período, a partir de 1º de janeiro de 1980, não havia mais amparo legal permitindo o lançamento do crédito-prêmio de IPI na escrita fiscal do contribuinte beneficiário, para dedução do imposto devido com relação aos produtos vendidos no mercado interno. Também não havia mais previsão legal para compensação com outros impostos federais. Em matéria tributária, a compensação exige expressa prescrição legal, sem a qual o agente público não poderá anuir, tendo em vista a necessidade de cumprir o princípio da estrita legalidade.

Assim, a partir de 1º de janeiro de 1980, a natureza complexa do crédito- prêmio de IPI foi profundamente alterada. A nova regulamentação somente foi editada pela Portaria MF nº 89, de 8 de abril de 1981, vedando, por falta de cobertura legal, a escrituração do crédito-prêmio nos livros fiscais do IPI e definindo que o incentivo seria creditado a favor do beneficiário, em estabelecimento bancário. Essa Portaria foi aprovada para aplicação aos créditos gerados a partir de 1º de abril de 1981, tendo em vista, que, nessa época, o benefício encontrava-se suspenso por força de ato do Ministro da Fazenda (Portaria MF n. 960, de 7 de dezembro de 1980), cujo questionamento acerca da inconstitucionalidade será analisado em capítulo apropriado. Em seguida, foi publicada a Portaria MF n. 292, de 17 de dezembro de 1981, mantendo o crédito do estímulo fiscal em conta bancária do beneficiário. Dessa maneira, considerando-se a invalidade da suspensão do benefício por ato do Ministro da Fazenda, o crédito-prêmio de IPI manteve-se a partir

de 1º de janeiro de 1980, como incentivo do gênero fiscal e natureza financeira (incentivo fiscal financeiro).

Resumindo, quanto à natureza jurídica, o crédito-prêmio de IPI é considerado incentivo do gênero fiscal, lato sensu, durante todo o período de sua vigência. Entretanto, esse incentivo fiscal revela-se de diversas espécies em função da forma prevista nos atos legais para sua utilização. Entre 6.3.1969 e 31.12.1979, o crédito-prêmio tem natureza jurídica complexa: mantido o gênero fiscal, pertence à espécie tributária (fiscal, stricto sensu) até o limite deduzido na escrituração do IPI, e pertence à espécie financeira o valor compensado com outros impostos ou pago em dinheiro. A partir de 1.1.1980, o crédito-prêmio assume natureza jurídica simples, pertence ao gênero fiscal (lato sensu), espécie financeira, a ser pago mediante crédito em conta bancária do contribuinte.

5 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

O Decreto-lei n. 1.724, de 7 de dezembro de 1979, autorizou o Ministro da Fazenda a aumentar, reduzir ou extinguir o crédito-prêmio de IPI. Dois anos após, em 16 de dezembro de 1981, foi editado o Decreto-lei n. 1.894, mantendo a autorização para reduzir, majorar ou extinguir, acrescentando, todavia, autorização para o Ministro suspender o benefício.

Com amparo nos decretos-leis mencionados, em 7 de dezembro de 1980, foi editada a Portaria MF n. 960, suspendendo o crédito-prêmio de IPI; o incentivo foi restabelecido pela Portaria MF n. 78, de 1º de abril de 1981; e finalmente teve suas alíquotas reduzidas, com extinção completa em 1º de maio de 1985, pelas Portarias MF n. 252, de 29 de novembro de 1982, e 176, de 12 de setembro de 1984.

Após a edição dos atos administrativos suspendendo e extinguindo o benefício, esses decretos-leis foram questionados perante o poder judiciário, chegando a questão ao Supremo Tribunal Federal, que se manifestou, em alguns casos concretos, pela inconstitucionalidade da expressão “ou extinguir” do art. 1º do Decreto-lei n° 1724, de 1979 (RE186.623-3RS; RE186. 359-5RS; RE250.288-0SP). No RE180.828RS, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da expressão “ou reduzir, temporária ou definitivamente, ou extinguir” do art. 1º do DL n. 1.724, de 1979, e das expressões “reduzi-los” e “suspendê-los ou extingui-los”, no inciso I do art. 3º do Decreto-lei n. 1.894, de 16 de dezembro de 1981.

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