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O caso de Lages/SC

No documento MAIARA BATALINI DE MACEDO (páginas 145-149)

4 OS ESPAÇOS DE DIÁLOGO INSTITUCIONAL COMO RESPOSTA À

4.2 Experiências bem sucedidas de efetivação das políticas públicas de

4.2.2 O caso de Lages/SC

Lages, município de Santa Catarina, possui 158.846 habitantes (Censo IBGE/2014) e faz parte da mesorregião serrana do estado - sede da Região Metropolitana de Lages. O município é um dos principais centros clínicos de Santa Catarina77, de forma que além da Serra Catarinense, a estrutura de saúde de Lages atende pacientes do Oeste, Meio-Oeste e do Alto Vale do Itajaí. Os municípios da região enfrentam desafios de estruturação do sistema

77 A estrutura de saúde da cidade é composta por: 30 unidades de atendimento, sendo 25 na

área urbana e 5 rurais, 5 hospitais, sendo 3 públicos e 2 particulares,1 Policlínica Municipal e 1 Pronto Atendimento Municipal.

de saúde, sobretudo porque estão distantes da capital (Florianópolis) bem como porque seus recursos são frequentemente direcionados para o fornecimento de serviços e insumos.

As raízes da experiência de diálogo institucional na cidade tem origem em 1997, antes da Audiência nº 04 da saúde ou mesmo das primeiras resoluções do CNJ terem sido pensadas. Neste ano foi criado um consorcio intermunicipal que englobou 25 municípios (e que existe até hoje) visando definir uma rotina de procedimento para os processos judiciais referentes às prestações de saúde, processo decisivo para oferecer as bases institucionais desta experiência. (CNJ, 2015, p.76). Isto porque o consórcio realizou a assinatura de um Termo de Cooperação Técnica com o Judiciário em 2008 com o objetivo de estabelecer estratégias conjuntas de efetivação da saúde, buscando-se definir uma rotina de procedimentos para os processos judiciais referentes às prestações de saúde. Dessa busca, nasce em 2012, resultado das atividades do termo de cooperação, o Núcleo de Conciliação de Medicamentos.

O projeto é oriundo da constatação de que os atores políticos e jurídicos podem atuar de maneira integrada na efetivação do direito a saúde e independentemente da existência de processos judiciais (ASENSI, PINHEIRO, 2015, p.55). Mediante a instauração de um caos administrativo que se intensificou a partir da proliferação de mandados judiciais e da falta de padronização em seu cumprimento pela gestão, a experiência de Lages teve como uma de suas primeiras premissas a padronização de procedimentos e a racionalização da atuação dos atores políticos e jurídicos.

De fato, da mesma forma que ocorreu em Araguaína, à frente da organização e instalação do núcleo se encontrava um juiz que demonstrava uma preocupação constante com uma efetiva solução das demandas em políticas públicas em saúde, mais do que “apenas a contabilização de um dado” (ASENSI E PINHEIRO,2015, p.55), fazendo referência ao número de decisões proferidas. A relatar as origens da iniciativa desse processo, o juiz afirma que:

Acredito que foi entre 2004 e 2005, em razão dos processos judiciais. E no programa de qualidade, entre 1994 e 1995, pela

saúde dos meus funcionários. Eu estava no tribunal de justiça e participei de um projeto em função da saúde do trabalhador do Judiciário. Então aquela minha experiência como juiz de direito em 1994 e 1995 num programa de qualidade onde você começa a trabalhar o gerenciamento numa questão mais global, e não só uma visão muito especifica você tem que olhar o todo. Essas duas experiências e a do tribunal foram bastante ricas nesse sentido. Quando eu tive esses primeiros processos eu já senti essa questão da saúde. Então eu comecei a não verificar unicamente a consequência, mas trabalhar com a causa dessas questões pra poder dar efetividade ao processo de saúde. O diferencial que eu vejo hoje do Judiciário e alterar o procedimento que o Judiciário tem com relação a essas demandas pra buscar efetividade. Porque, se não buscar efetividade, você esta contabilizando apenas um dado, e não uma vida com qualidade. (ASENSI, PINHEIRO, p.55).

É relevante verificar na experiência de Lages, e não se incide em erro ao estendê-la ao resto do país, que mensurar a produtividade do magistrado pelo número de sentenças proferidas pode construir uma visão reduzida dos limites e possibilidades da atuação de um juiz na efetivação do direito à saúde. Da mesma forma que a saúde não pode ser pensada como mera ausência de doença, também a atuação do judiciário não poderia ser concebida somente a partir do modelo adversarial do processo judicial (CNJ, 2015, p.82) Na saúde, é necessário criar novas formas de atuação de um magistrado, buscando-se superar o modelo adversarial e estabelecer uma nova forma de atuação menos formalista e mais no viés da humanização do direito à saúde vez que, como afirma o juiz de Lages, “na saúde é diferente”. (CNJ, 2015, p.80).

Assim, se em Tocantins a figura representativa do diálogo institucional no município foi o NAT – Núcleo de Assessoria Técnica instituído de 2011, em Lages, esta figura é o NCM – Núcleo de Conciliação de Medicamentos. Composto por uma equipe multidisciplinar que conta com psicólogo, terapeuta ocupacional, assistente social, farmacêutico, médico e os próprios agentes comunitários de saúde o projeto proporcionou uma alternativa a um modelo prejudicial da judicialização sendo que, desde a sua criação, verificou-se a redução da litigiosidade e a ampliação de arranjos institucionais dialógicos, conforme se verificará adiante.

O Núcleo tem o propósito de atender com efetividade e eficácia as solicitações de medicamentos pelos usuários do SUS ainda não judicializadas por meio de uma central de conciliação pré-processual, servindo ainda como órgão consultivo e deliberativo sobre a adequação técnica da dispensação de medicamentos no município. Esta dinâmica fortalece a promoção do uso apropriado de medicamentos e se coloca como instrumento pedagógico ao instruir os cidadãos quanto aos seus direitos.

Se em um primeiro momento o projeto surge num viés de tratamento exclusivo de medicamentos, atualmente o Núcleo de Conciliação de Medicamentos ampliou suas atividades para os casos de tratamentos e próteses, trabalhando não apenas com a produção de pareceres, mas com mediação de conflitos. Não obstante, enquanto em Araguaína a atuação do núcleo se dava a nível tanto judicial quanto extrajudicial, pré e pós a demanda ter sido judicializada, em Lages a experiência alcança apenas nível extrajudicial.

Todavia, importante destacar que tal estratégia não foi muito bem compreendida pelos órgãos jurídicos à época, de forma que a dedicação do juiz idealizador do Núcleo não foi muito bem interpretada pelo Ministério Público, que alegou sua suspeição no julgamento de demandas em saúde por entender que tais medidas estavam sendo tomadas para beneficiar o estado em detrimento do indivíduo. O juiz recorreu, mas a suspeição foi posteriormente julgada procedente pelo Tribunal de Justiça no Estado de Santa Catarina. De fato, caso essa interpretação por parte de alguns atores jurídicos (Judiciário e MP) não seja reavaliada, essas experiências inovadoras podem continuar a proporcionar estranhamento por parte da Justiça Brasileira (mesmo que com reiteradas orientações do Conselho Nacional de Justiça neste sentido). O relato do juiz é revelador:

O tribunal declarou a minha suspeição. Eu tenho um acordão aqui do tribunal, eu não posso trabalhar com processo de saúde, porque ao longo desse período eu tomei a iniciativa de criar esse espaço e o promotor arguiu a minha suspeição porque o entendimento dele, no primeiro momento, era que isso estava sendo feito para beneficiar o estado em detrimento do individuo. Na realidade, se você perceber o protocolo que foi criado, esse trabalho foi criado em prol do cidadão.

(...) Agora se eu tenho o poder de fazer mais, como e que eu não vou fazer mais? Só por que eu sou juiz? Então não posso ter aquela conduta? Então isso foi entendido: que eu estava ultrapassando as minhas atividades, eu estava me tornando parcial. Na verdade não, isso é uma questão de humanizar o atendimento. (ASENSI, PINHEIRO, p.60-61).

A declaração da suspeição não impediu que fossem estabelecidas estratégias extrajudiciais entre o Executivo e o Judiciário, obtendo efeito contrário e agindo como “elemento motor” (CNJ, 2015, p.100) para que fossem criados diversos projetos com foco no dialogo institucional e na efetivação do direito a saúde. Atualmente, o mesmo Ministério Publico que alegou a suspeição do juiz em 2009, trabalha de maneira mais integrada e colaborativa nos projetos desenvolvidos extrajudicialmente.

O CNJ destaca que a construção do espaço de diálogo institucional de Lages foi formada basicamente de uma vivência pessoal entre o juiz e os gestores, se traduzindo em estratégias eminentemente extrajudiciais de promoção, prevenção e recuperação da saúde. Assim, destaca como fator de inovação:

Diálogo do Judiciário com os gestores de saúde em prol de medidas efetivas de melhoria da comunicação

formal/informal, que contribuiu para o estabelecimento de diversos projetos institucionais. (CNJ, 2015,

p.107).

Desta forma, em que pese o referido juiz estar impedido de agir nas demandas de saúde do município, as atividades do NAT continua a ocorrer através dos diversos atores da saúde pública local, que continuam os trabalhos.

No documento MAIARA BATALINI DE MACEDO (páginas 145-149)