• Nenhum resultado encontrado

Origens e atuação do bloco ideológico do “Centrão” e a vitória do bloco

No documento MAIARA BATALINI DE MACEDO (páginas 87-90)

3.1 Sistema Único de Saúde: uma luta popular na constituinte de 1988

3.1.3 Origens e atuação do bloco ideológico do “Centrão” e a vitória do bloco

No decorrer das audiências públicas as divergências entre os depoentes se materializaram no debate público versus privado, que foi marcado por posições fortemente ideológicas. Em sua maioria, os depoentes posicionavam-se contra um sistema de saúde “privatizante”, em que a saúde é tratada como uma simples mercadoria sujeita à lei de mercado.

A partir do relato de Eleutério Rodriguez Neto, em termos doutrinários é possível se identificar três tendências de interesse na discussão da Saúde Publica durante a Constituinte, conforme o quadro abaixo:

Quadro 7 - Tendências das emendas populares

TENDÊNCIAS DAS EMENDAS POPULARES

Tendência Características

CONSERVADORES

- pretende manter os privilégios historicamente acumulados através da política ainda hegemônica no setor de prestação de serviços de saúde. - operação majoritária pelo setor privado lucrativo.

- alegação de princípios de livre mercado para mascarar que a atividade dali desenvolvida não apresentaria os riscos próprios do capitalismo. - qualidade da atenção absolutamente comprometida pelo objetivo mercantil, determinante de condutas aéticas em relação ao paciente, e corrupta em relação ao recurso público.

- Assinaturas colhidas principalmente dentre os funcionários das próprias empresas. Não houve qualquer tentativa de coleta de assinaturas junto à população em geral.

MODERNIZANTES

- conjunção de interesses entre as posições liberais e de um capitalismo moderno.

- supõe papel compensatório do setor social.

- parte do principio de que a sobrevivência do regime democrático liberal e do próprio capitalismo depende da possibilidade de paz social, e portanto, satisfação mínima das necessidades básicas da população. - tolera a presença estatal na prestação de serviços essenciais, entre eles os de saúde.

- aceita a participação privada em bases efetivamente de marcado, mas assegurando a universalização do atendimento nos serviços públicos ou controlados pelo Estado.

- reage a qualquer tentativa de estatização geral (seja dos serviços de atenção às pessoas, seja da Industria de medicamentos e equipamentos).

SOCIALIZANTES (ou estatizante)

- parte do principio de que um Estado verdadeiramente democrático é aquele que distribui equitativamente a riqueza nacional e assegura o acesso universal e igualitário dos seus cidadãos aos bens e serviços. - a saúde se coloca como objetivo a ser alcançado através da própria organização social e não como condição de preservação do regime. *Fonte: WHITAKER, Francisco. COELHO, João Gilberto Lucas. MICHILES, Carlos et all. Cidadão Constituinte: A saga das emendas populares. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989, p.346.

É da aliança entre as duas últimas tendências, quais sejam, a modernizante e socializante é que emergiu a base de sustentação política para as propostas majoritárias na Constituinte à época. De fato, a própria emenda popular apresentada pela “Plenária Nacional da Saúde” contemplou esta aliança ao admitir a presença do setor privado, contratado sob forma do direito público, porém como executor de políticas públicas, sujeitos à gestão e supervisão do pretendido sistema único de saúde.

Mesmo assim, cumpre destacar que vários participantes da plenária de saúde, entre eles a CUT e a CONAM – Coordenação Nacional de Associação de

Moradores, posicionaram-se contrariamente à participação do setor privado na prestação de serviços de saúde à população, assumindo uma postura claramente favorável à estatização do setor. (BACKES, AZEVEDO, ARAÚJO, 2009, p. 467).

Foi a insatisfação dos setores conservadores do congresso nacional/constituinte com o teor do texto constitucional aprovado pela comissão de sistematização é que terminou por justificar a constituição de um bloco suprapartidário autodenominado “Centro Democrático”, mais conhecido por “Centrão” (RODRIGUEZ NETO, 2003, p.), que terminou por envolver os representantes mais conservadores do PMDB, PFL, PTB, PDS e demais partidos com representação no congresso eleito em 1986. Sua origem porém, pode ser identificada em um grupo de oposição interna situado dentro do PMDB, em contraposição à liderança de seu presidente, Ulisses Guimarães. O “Centrão”, assumindo-se como representantes da “vontade média” do povo brasileiro, decidiu propor um projeto de resolução para mudar o regimento interno, a fim de permitir a apresentação de emendas substitutivas globais. Com a aprovação da mudança, apresentou o “Centrão” o seu projeto de constituição, firmado por mais de 280 constituintes e que praticamente afastava o projeto elaborado pela comissão de sistematização. Outro bloco parlamentar, denominado “Grupo dos 32”, de feição liberal e comandado pelo senador José Richa, também apresentou um substitutivo global denominado “Hércules IV”. Coube ao senador Mário Covas, um dos principais líderes do PMDB à época, a defesa do projeto da comissão de sistematização. Por meio do mecanismo regimental de “fusão de emendas”, buscou-se um consenso entre o projeto do “Centrão” e o da comissão de sistematização, no qual o texto final passou a ser votado e aprovado capítulo a capítulo (RODRIGUEZ NETO, 2003, p.75 e 77). No tocante ao capítulo sobre a saúde, o relato do autor é que o grande debate levantado pelo “Centrão” foi a “denúncia” e o combate da “estatização” do setor, que estaria previsto no projeto da comissão de sistematização. Constatou o autor que “Essa bandeira uniu os representantes dos setores

hospitalar privado, da medicina de grupo, das cooperativas médicas e o setor liberal da medicina” (RODRIGUEZ NETO, 2003, p.78).

A defesa das reivindicações do movimento sanitarista, representada pela articulação denominada “Plenária da Saúde”, em sessão permanente e com a participação de delegações de vários estados, inclusive secretários estaduais e municipais de saúde, passaram a acompanhar e participar dos debates com os constituintes, o que os representantes do setor privado também fizeram (RODRIGUEZ NETO, 2003,p.82).

Por fim, o acordo firmado permitiu a participação do setor privado no oferecimento de serviços à saúde e pagos com recursos públicos apenas como prestadores no âmbito do SUS, regulados e valorados conforme contratos de direito público (RODRIGUEZ NETO, 2003, p.83).

Em termos gerais, a redação final do capítulo sobre a saúde significou uma vitória e uma grande conquista popular, dado a conjuntura majoritariamente conservadora que se manifestou nas fases finais da ANC, inclusive, devendo- se levar em conta a derrota dos segmentos populares em outros temas sociais no texto final da constituição, como por exemplo, o tema da reforma agrária. Assim, a partir da promulgação dessa nova Constituição Cidadã, as políticas públicas de saúde passaram a ser orientadas pelos princípios da universalidade e equidade no acesso às ações e serviços e pelas diretrizes de descentralização da gestão, integralidade do atendimento e participação da comunidade.

3.2 O SUS (com)prometido: O SUS prometido pela CF/88 e comprometido

No documento MAIARA BATALINI DE MACEDO (páginas 87-90)