• Nenhum resultado encontrado

Casos Clínicos

No documento Cataratas no cão (páginas 81-107)

Durante a realização do estágio na Clínica Veterinária de Serralves – Centro Oftalmológico Veterinário do Porto, tive a oportunidade de seguir vários casos de cães com cataratas que foram submetidos a cirurgia, de forma a restaurar a visão.

A generalidade dos casos acompanhados teve uma evolução favorável e um bom prognóstico. No âmbito da presente Dissertação de Mestrado, foram escolhidos quatro casos mais desafiantes, que serão apresentados seguidamente.

Material e Métodos

Apesar das particularidades de cada um dos casos clínicos aqui descritos, as práticas clínicas abaixo descritas foram comuns a todos eles.

Na avaliação dos cães, a pressão intraocular foi determinada, em todos os casos, com o mesmo aparelho: Tonopen Vet®.

Todas as cirurgias foram precedidas de tratamento tópico (colírios) SID com ofloxacina 3mg/mL (Floxedol®), tropicamida (Tropicil top®), flurbiprofeno sódico 0,3 mg/mL (Edolfene®), fosfato de dexametasona 1 mg/mL (Ronic®) e oxibuprocaína (Anestocil®), habitualmente na hora prévia à cirurgia. Tendo em conta que a pré-medicação anestésica é variável, esta será descriminada em cada caso.

No fim da cirurgia, procedeu-se à administração na forma injetável na conjuntiva de metilprednisolona (Solumedrol 125®) e cefuroxima (Aprokam 50mg®) na câmara anterior do olho intervencionado.

A medicação pós-operatória tópica (colírios) também não variou entre os casos clínicos, sendo que foi administrado ofloxacina 3mg/mL (Floxedol®), flurbiprofeno sódico 0,3 mg/mL (Edolfene®) e fosfato de dexametasona 1 mg/mL (Ronic®) a cada 2 horas, nos dois primeiros dias. Subsequentemente, a administração passou a ser QID, até à consulta de acompanhamento pós-cirúrgico. Foi ainda sistematicamente administrado de forma subcutânea (SC) robenacoxib (Onsior®) e enrofloxacina (Baytril®), sendo que a dose dependia do peso de cada animal. À alta, que ocorria normalmente 1 dia após a cirurgia, esta medicação SC passou a ser dada por via oral, sob a forma de comprimidos: Onsior® durante 3 ou 4 dias e Baytril® durante 5 dias.

- 60 - Todos os animais após a cirurgia andaram com um colar Isabelino e com uma coleira peitoral, de forma a evitar uma possível tensão na zona ocular.

Caso clínico 1

Fêmea, raça Yorkshire Terrier, 10 anos, peso de 1,51 Kg. Na consulta apresentou cataratas bilaterais (Figura 32), caso referenciado de outra clínica veterinária. O reflexo pupilar foi ausente e a resposta ao teste de ameaça foi negativa. As pressões intraoculares nos dois olhos apresentaram valores normais, nomeadamente 22 mmHg no OS e 20 mmHg no OD. O exame de oftalmoscopia direta não permitiu visualizar o fundo do OD, ao contrário do OS, em que foi possível a sua observação e reconhecimento do nervo ótico e vasos retinianos. Realizou, também, uma ecografia ocular em cada olho (Figuras 33 e 34) e uma eletrorretinografia (Anexo 1), que permitiram que se prosseguisse com a cirurgia.

Diagnóstico: catarata hipermadura no OS e madura no OD.

Figura 33: Ecografia do OS que demonstra uma catarata

hipermadura cortical, com redução do tamanho do cristalino, devido à reabsorção do material da lente (Imagem cedida gentilmente por Dr. Pedro Cunha e Silva).

Figura 32: Catarata hipermadura no

OS (Fotografia da Autora, autorizada a sua captação).

Figura 34: Ecografia ao OD que demonstra uma catarata madura (Imagem cedida gentilmente por Dr. Pedro

Cunha e Silva).

O animal foi submetido a cirurgia pela técnica de facoemulsificação. Antes da cirurgia foi medicada com diazepam 0,2 mL e metadona 0,05 mL. A capsulectomia com baixo sucesso não permitiu avançar com a colocação da LIO.

Após a cirurgia, o aspeto de ambos os olhos foi normal. A PIO do OS foi de 20 mmHg e do OD de 17 mmHg. Não apresentou RPL nos dois olhos, sendo que ambas as pupilas se encontravam em miose. Apesar de ser possível ver o fundo do olho através de oftalmoscopia direta, a cadela ainda não apresentava sentido de orientação, mas reagia a sombras.

No dia seguinte à cirurgia, estes parâmetros não sofreram alterações significativas e a cadela teve alta. Voltou uma semana mais tarde para controlo e o OS apresentou hifema, turvidez, RPL ausente (permanecendo o estado de miose), enquanto o OD se encontrou aparentemente normal, com RPL e resposta de ameaça positivo.

Uma semana depois, o OS permaneceu um pouco baço, inflamado e sem RPL, apesar de existir RPL consensual no OD. O OD continuou translúcido, natural, sem qualquer alteração estrutural. O dono referiu que a cadela o seguia, mas que ainda não era autónoma como no passado. Tropeçava nas coisas, dirigia-se à comida através do cheiro e não subia para a cama, algo que fazia antes da cirurgia. Apesar da eletrorretinografia, assumiu-se a possibilidade da função retiniana estar comprometida. Permaneceu com flurbiprofeno e acetato de Prednisolona (colírios).

Após 2 semanas, voltou novamente à consulta de acompanhamento pós-cirúrgico. O tutor relatou que os comportamentos do animal se mantinham, à exceção de que este não usava os resguardos para fazer as necessidades que o dono disponibilizava. À avaliação apresentou RPL bilateral e reflexo de ameaça positivo também bilateral. O OS permaneceu um pouco inflamado,

- 62 - ao contrário do OD que estava normal. Aconselhou-se a administração de Ocu-GLU®, dado que não apresentava melhorias ao nível da orientação, continuando com a aplicação de acetato de prednisolona e flurbiprofeno sódico (colírios) no OE, ambos TID. Para o OD apenas se recomendou a administração de edolfene TID.

Quase 4 semanas após, a cadela apresentou o OS menos inflamado, sendo possível a sua visualização através do oftalmoscópio direto, com PIO de 18 mmHg. O OD teve PIO de 16 mmHg. O tutor relatou melhorias no sentido de orientação da cadela, sendo capaz de reconhecer o espaço e obstáculos presentes em ambientes não familiares.

Caso clínico 2

Macho, sem raça definida, 9 anos, peso 12,5 Kg, diabético. Na consulta, a tutora referiu não só alteração da aparência de ambos os olhos (tinham adquirido uma tonalidade esbranquiçada, Figura 35), como também alteração do comportamento em espaços familiares. Os seus reflexos foram, nos dois olhos, ausentes quando submetido a avaliação do reflexo pupilar e de ameaça. A PIO estava normal nos dois olhos, sendo que no OS era de 17 mmHg e o OD tinha uma pressão intraocular de 20 mmHg. Não foi possível visualizar o fundo do olho através do oftalmoscópio direto em ambos os olhos. Realizou-se uma ecografia (Figura 36 e 37) e uma eletrorretinografia, que permitiram seguir com a realização da cirurgia (Anexo 2). Foram diagnosticadas cataratas bilaterais maduras, com etiologia diabética (Figura 35).

Figura 36: Ecografia ao OS que demonstra uma catarata

madura cortical anterior e posterior (Imagem cedida gentilmente por Dr. Pedro Cunha e Silva).

Figura 35: Cataratas maduras, num macho sem

raça definida, com 9 anos de idade (Fotografia da Autora, autorizada a sua captação).

Antes da realização da cirurgia, procedeu-se a várias quantificações da glicose sanguínea: 2 horas antes = 84 mg/dL, 1 horas antes = 109 mg/dL, início da cirurgia = 122 mg/dL, 1 hora após = 234 mg/dL. Assim, foi submetido a facoemulsificação, pré-medicado com buprenorfina 0,9mL, diazepam 1,3mL e acepromazina 0,1mL, sem colocação de lentes intraoculares. Durante a cirurgia, a glicemia foi controlada com a administração IV de 250mL de soro NaCl e 250mL de soro glicosado G-5. O baixo sucesso da capsulectomia não permitiu avançar com a colocação de LIO.

Cerca de 2 horas após a cirurgia, a resposta à avaliação do reflexo pupilar e da resposta de ameaça foi positiva em ambos os olhos. Para além disso, a aparência de ambos os olhos foi razoavelmente normal e o animal já não demonstrou dificuldade em se desviar ou superar os obstáculos existentes nos locais onde se encontrava. Ambos os olhos encontravam-se inflamados após a cirurgia, com episclerite, e a córnea um pouco baça, com edema (Figuras 38 e 39). O OS apresentou uma PIO de 18 mmHg e o OD de 20 mmHg. Foi possível visualizar o fundo do olho por oftalmoscopia direta, sendo que nenhum apresentava alterações.

Figura 37: Ecografia ao OD que demonstra uma catarata madura, com aumento da espessura da lente (Imagem cedida gentilmente por Dr. Pedro Cunha e Silva).

Figura 39: Olho direito no dia seguinte

à cirurgia (Fotografia da Autora, autorizada a sua captação).

Figura 38: Olho esquerdo no dia seguinte à

cirurgia (Fotografia da Autora, autorizada a sua captação).

- 64 - Como se encontrava um pouco agitado 4 horas após a cirurgia, administrou-se acepromazina 0,1 mL intramuscular (IM) e buprenorfina 0,4 mL IV. No dia seguinte a agitação permaneceu e procedeu-se, igualmente, à administração dos mesmos fármacos, nas doses indicadas anteriormente.

O animal apresentou evolução favorável durante o período de seguimento de 7 semanas. Teve uma vida completamente normal, com reconhecimento de obstáculos. Porém, após este período, a tutora referiu que o animal evidenciou défices visuais. A mensuração da PIO em ambos os olhos demonstrou valores normais. A ecografia evidenciou no OD descolamento de retina e o OS normal.

Caso clínico 3

Fêmea, raça não definida, 9 anos, peso 19 Kg. Caso referenciado da ilha da Madeira, com diagnóstico de cataratas, em que os tutores pretendiam a sua remoção cirúrgica. Na consulta apresentou cataratas bilaterais, sendo hipermadura no OS e madura no OD (Figura 40). Ao contrário do OS, o OD apresentou reflexo pupilar e resposta de ameaça positiva. A PIO em ambos os olhos foi normal: 21 mmHg no OS e 18 mmHg no OD. A realização do exame com recurso à lâmpada de fenda para analisar a câmara anterior permitiu diagnosticar luxação anterior do cristalino bilateral. A oftalmoscopia direta não permitiu a visualização do fundo do OS, tal como no OD. Já tinha realizado ecografia e eletrorretinografia na Clínica Veterinária que referenciou o caso clínico, cuja informação permitiu seguir com a realização da cirurgia, porém não foi possível ter acesso aos resultados especificamente.

Como apresentava inflamação e irritação ocular bilateral sem causa determinada, procedeu-se à administração de oximetazolina e ácido hialurónico (Hyalox® colírio) tópico, 4 vezes por dia (QID), até ao dia da cirurgia.

Ao contrário dos outros animais, esta fêmea não foi submetida a pré-medicação tópica com tropicamida, já que ambos os olhos apresentavam luxação anterior do cristalino e se pretendia a remoção da lente através da técnica intracapsular. Deste modo, foi então realizada cirurgia por esta técnica (Figura 41), após ser pré-medicação com acepromazina 0,1 mL, buprenorfina 1,1 mL IV e diazepam 0,7 mL. Não se procedeu à implantação de LIO, devido à capsulectomia efetuada, dado que existia a probabilidade desta luxar.

Após a cirurgia, o reflexo pupilar e a resposta de ameaça foram positivos no OD, ao contrário do OS. As pressões intraoculares apresentaram valores normais: 22 mmHg no OS e 18 mmHg no OD.

Dado a agitação da cadela após a cirurgia, decidiu-se dar alta de forma a evitar o desenvolvimento de glaucoma e hifema, voltando no dia seguinte para consulta de acompanhamento pós-cirúrgico. Neste dia, o OS encontrava-se inflamado e com congestão episcleral, ao contrário do OD que apresentava edema na camada estromal da córnea (Figura 42). Apenas foi visível o fundo do olho direito por oftalmoscopia direta, sendo que as PIO permaneciam com valores normais. Ao reflexo pupilar e de ameaça, a resposta do OS permaneceu ausente.

Figura 42: Cadela sem raça definida com 9 anos após a remoção de ambos os cristalinos luxados, através da

técnica intracapsular (Imagem da Autora, autorizada a sua captação).

Após 1 semana da cirurgia, houve novamente uma consulta de acompanhamento pós- cirúrgico. A olho nu, o OS apresentou-se igualmente baço, inflamado, sem reflexo pupilar e de ameaça. Contrariamente, o OD tinha menos edema corneal e apresentou reflexo pupilar e resposta de ameaça positiva, ao contrário do OS. As PIO mantiveram-se normais em ambos os olhos.

Entretanto, os tutores voltaram para a Ilha da Madeira, tendo-se perdido o seguimento.

Figura 41: Cristalinos removidos em cirurgia

pela técnica intracapsular (Imagem cedidas gentilmente por Dr. Pedro Cunha e Silva).

Figura 40: Catarata hipermadura no OS e

madura no OD, numa cadela sem raça definida. (Imagem cedida gentilmente por Dr. Pedro Cunha e Silva).

- 66 - Caso clínico 4

Fêmea, raça Labrador Retriever preto, 12 anos, peso de 33,5 Kg. Trazida à consulta já com diagnóstico de catarata bilateral, sendo que o tutor tinha interesse em seguir para cirurgia. Apresentou reflexo pupilar e o teste de ameaça foi positiva em ambos os olhos. A PIO no OS foi de 17 mmHg e no OD de 25 mmHg. O exame de oftalmoscopia direta permitiu visualizar o fundo do OS, ao contrário do OD, em que não era possível a sua observação e reconhecimento do nervo ótico e vasos retinianos. A ecografia (Figura 43 e 44) e a eletrorretinografia (Anexo 3) confirmaram uma resposta positiva por parte dos fotorrecetores face aos estímulos, o que corroborou a realização da cirurgia. Diagnóstico de cataratas bilaterais: imatura no OS, e madura no OD.

Figura 43: Ecografia do OS que evidencia uma catarata imatura, verificando-se um aumento do tamanho do

Figura 44: Ecografia ao OD que demonstra uma catarata madura, sendo visível um aumento da espessura da

lente (Imagem da Autora, autorizada a sua captação).

Deste modo, foi submetido a facoemulsificação apenas no OD, dado que não era possível visualizar o fundo do olho. Como apresentava o OD muito inflamado, a tutora administrou Voltaren® 1mg/mL colírio, QID. Foi pré-medicada com buprenorfina 1,8 mL, diazepam 1,32 mL e acepromazina 0,07 mL, sem colocação de lente intraocular. O passo da capsulectomia não permitiu a implantação de LIO (Figura 45 e 46).

Ao contrário dos restantes casos clínicos, administrou-se, também, no pós-operatório meloxicam 1,2 mL IV pela sua ação anti-inflamatória. Administrou-se buprenorfina 1,8 mL IV 5 horas após a cirurgia e, 3 horas mais tarde, 0,3 mL de acepromazina SC. A cadela apresentou o OD um pouco baço, inflamado, sem resposta de ameaça, midriático (RPL ausente) e não foi possível ver o fundo do olho com nitidez. O OS, não submetido a cirurgia, encontrou-se normal, com RPL positivo. A PIO do OD foi mensurada em 28 mmHg, ou seja elevada. Administrou- se Trusopt® 20 mg/mL colírio (dorzolamida). No dia seguinte, administrou-se novamente

Figura 46: Olho direito com a

pupila em midríase, instantes antes do início da cirurgia (Imagem da Autora, autorizada a sua captação).

Figura 45: Ambiente cirúrgico (Imagem da

- 68 - buprenorfina 1,8 mL IV e meloxicam 0,6 mL, sendo que os parâmetros de análise oftalmológica permaneceram iguais.

Após 1 semana voltou à Clínica Veterinária de Serralves para uma consulta de acompanhamento pós-cirúrgico. A tutora relatou que a cadela demonstrava sinais de reconhecimento de locais familiares e não familiares, sendo visível o seu “à vontade” e desvio dos obstáculos dentro do consultório. O OD apresentou reflexo pupilar positivo, sendo visível o fundo do olho através de oftalmoscopia direta. A PIO do OD não sofreu alterações relevantes. Passadas 3 semanas, o OD demonstrou uma PIO de 32 mmHg na consulta de acompanhamento pós-cirúrgico. Apesar do OD se encontrar baço e com edema, era possível ver o fundo do olho.

Cerca de meio ano após a cirurgia, a cadela desenvolveu queratomalácia no OD. Procedeu- se ao fechamento da 3ª pálpebra e à administração de cloranfenicol e oxitetraciclina tópicos (sob a forma de colírio). A cadela respondeu bem à antibioterapia, mas o olho adquiriu sinequias anteriores e edema da córnea crónico.

Discussão

Ao contrário da generalidade dos casos acompanhados, os quatro casos clínicos apresentados apresentaram evoluções mais complicadas.

O caso clínico 1 corresponde a um caso de cataratas bilaterais com diferentes graus de maturação, submetidos à técnica de Facoemulsificação. Mesmo usando um colar isabelino e uma coleira peitoral após a cirurgia, o olho com catarata hipermadura desenvolve hifema. Neste

Figura 47: Olho esquerdo, após

cirurgia (Imagem da Autora, autorizada a sua captação).

Figura 48: Olho direito, após cirurgia

(Imagem da Autora, autorizada a sua captação).

caso, pode ser discutível se o facto da catarata ser hipermadura aumenta a probabilidade de desenvolver hifema, dado que a literatura aponta para um maior risco de complicações nas cataratas com um maior grau de maturação.

Embora a ERG aparentemente fosse normal e houvesse boas indicações de funcionamento da retina, a qualidade do pós-operatório não foi de encontro ao esperado, pois a cadela não recuperou a visão nos dias seguintes à cirurgia. Quando medicada com antioxidantes, Ocu- GLO®, que enriquecem a função normal dos fotorrecetores da retina, ocorreu melhoria da visão com reconhecimento dos espaços familiares e re-aquisição dos hábitos que tinha antes da realização da cirurgia.

Este caso demonstra um provável sucesso da administração dos antioxidantes nos casos em que a visão se encontra comprometida. Tendo em conta que recuperou a visão, o prognóstico é favorável, ao contrário do que se considerou nos dias seguintes à cirurgia.

O caso clínico 2 refere-se a um cão com diabetes mellitus. A literatura aponta que cerca de 68% a 80% dos cães com diabetes adquirem cataratas, sendo a sua progressão muito rápida. No entanto, o facto de um animal ter diabetes não é uma contraindicação à realização de cirurgia. Tendo em conta o bom controlo glicémico, o cão foi submetido à técnica de Facoemulsificação. No pós-operatório imediato apresentou bons resultados, sendo que o tratamento anti-inflamatório sistémico foi à base de robenocoxib, um AINE, tal como a literatura aconselha neste tipo de patologia. Porém, administrou-se fosfato de dexametasona tópico que, sendo um corticosteroide, poderia retardar a cicatrização da córnea e piorar o controlo glicémico.

Infelizmente, 7 semanas após a cirurgia, foi diagnosticado descolamento de retina no OD, uma das complicações pós-cirúrgicas mais comuns segundo a literatura e que, normalmente, ocorre passado alguns meses da cirurgia. Deste modo, o prognóstico é muito desfavorável para o OD tendo em conta a perda da visão, ao contrário do OS dado que recuperou a visão.

O caso clínico 3 corresponde a um animal com cataratas bilaterais e luxação anterior do cristalino bilateral. Apesar do prognóstico antes da realização da cirurgia ser muito reservado, com luxação com vários anos de evolução, esta não é uma contraindicação cirúrgica. Neste caso, optou-se por uma técnica mais apropriada, a Intracapsular.

- 70 - Como apresentava inflamação ocular antes da cirurgia, é esperada a sua exacerbação após a cirurgia, daí ser importante a administração de anti-inflamatórios no pré-operatório.

Por outro lado, o edema ocular que surgiu no pós-operatório poderá resultar de uma lesão no endotélio por fricção do próprio cristalino.

Neste caso ocorre a recuperação completa da visão apenas num dos olhos. A perda de seguimento não permitiu a implementação de estratégias que possibilitassem a recuperação do OS. De facto, pela existência de poucas clínicas veterinárias especializadas no tratamento cirúrgico de cataratas, muitos casos são referenciados de outros locais. No entanto, mesmo estes casos deverão ter um seguimento pós-cirúrgico adequado e durante o maior espaço de tempo com objetivo de otimizar o tratamento e de criar condições para um desfecho o mais favorável possível.

O caso clínico 4 é um exemplo de uma cirurgia unilateral a um animal que tinha cataratas bilaterais, sendo a do olho não operado uma catarata imatura.

Após a realização da cirurgia, a cadela desenvolveu glaucoma. No entanto, esta situação não interfere diretamente com a recuperação da visão, mas pode influenciar a função do nervo ótico, dado que é aplicada alguma tensão neste por existir uma elevada PIO.

A queratomalácia no OD surgiu em consequência de uma infeção, o que determina que o seu tratamento se baseie em antibioterapia. Nesta situação, apesar de ser possível conservar o globo ocular direito, o prognóstico é mau tendo em conta que a visão está irremediavelmente perdida.

Considerações e perspetivas futuras

Todos os casos clínicos apresentados foram seguidos no Centro Oftalmológico Veterinário do Porto – Clínica Veterinária de Serralves -, sendo que agradeço a oportunidade de os acompanhar.

De futuro, para uma avaliação e interpretação mais corretas dos ERGs realizados no Centro Oftalmológico do Porto, seria interessante criar uma base de eletrorretinogramas a partir de animais saudáveis e com uma distribuição por idade e raças. Assim, seria possível criar uma base de dados para cada raça e faixa etária.

Conclusão

A catarata é uma oftalmopatia caraterizada pela opacidade do cristalino e uma das causas mais frequentes de perda de visão nos cães, afetando desde animais de raça pura a sem raça definida.

Uma anamnese bem direcionada e a reflexão sobre diagnósticos diferenciais através de exames clínicos, oftalmológicos, de imagem e laboratoriais são de grande importância na investigação desta patologia, na condução do caso clínico e no sucesso do tratamento (Squarzoni et al., 2007; Martins & Galera, 2011).

Na avaliação pré-operatória de cães portadores de catarata, a ecografia ocular é um exame importante, seguro e eficaz no diagnóstico clínico (Squarzoni et al., 2007).

No geral, a cirurgia continua a ser o método de tratamento de catarata mais comummente usado e com maior taxa de sucesso. Foram apresentados quatro casos clínicos de animais com catarata submetidos a cirurgia. Estes casos diferenciam-se pela sua complexidade e desafio da na abordagem, pela ocorrência de complicações pós-cirúrgicas ou pela dificuldade do seu tratamento pelas comorbilidades.

No sentido de minimizar a minoria dos casos de insucesso, seria interessante no futuro criar

No documento Cataratas no cão (páginas 81-107)

Documentos relacionados