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Ilustrarei com fragmentos do caso de duas meninas com transtornos simila­ res algumas das afirmações técnicas que expressei nos capítulos 6 e 7:

1 - Na entrevista inicial, os pais costumam esquecer - por angústia - deta­ lhes fundamentais da vida do filho que estiveram intimamente relacionados com o aparecimento da neurose.

2 - Durante a análise de crianças vão surgindo as situações traumáticas e, se a ansiedade e a culpa dos pais diminuíram ao melhorar o filho, eles costumam con­ firmar-nos esses fatos e, às vezes, ampliá-los com novos detalhes, permitindo-nos assim reconstruir as circunstâncias nas quais se iniciou o problema ou o sintoma.

3 - Se durante o tratamento tinha entrevistas com os pais, avisava a criança antes de concedê-las e estipulava com o paciente e com os pais as condições em que se desenvolveriam: a) não informaremos aos pais o que acontece durante as ses­ sões; b) tudo quanto falemos com os pais será transmitido à criança na sessão seguinte e utilizado para interpretação.

Nos dois casos que relatarei, as meninas sofriam de marcado atraso de lin­ guagem, sintoma que era consequência das profundas dificuldades de conexão com o mundo exterior. No primeiro caso, tratava-se de uma menina de seis anos, Patrícia, irmã mais velha, seguida por outras duas meninas de quatro e dois anos. No segundo, Verônica era a mais moça de quatro irmãos, contando quatro anos e oito meses quando iniciou o tratamento. Nos dois casos, os irmãos eram sadios, não havendo apresentado transtornos evolutivos.

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Patrícia

Para a entrevista inicial apresentou-se só a mãe. O pai, que era homem de negócios, ocupava-se pouco de suas filhas, embora cuidasse de que tivessem todo o necessário e fosse generoso para oferecer-lhes quanto desejassem. Com o trata­ mento atuou da mesma forma; facilitou a parte relacionada com os honorários e a assistência regular às sessões, mas nunca acompanhou Patrícia, mostrando-se tam­ bém desinteressado por seus progressos.

Vivia com eles a avó materna, mulher idosa e com débil desenvolvimento mental, figura muito negativa para a adequada evolução emocional de Patrícia. O motivo de consulta era um marcado atraso na linguagem. Tinha seis anos e só dizia

mamãe, papai e atá, contração de aqui e está; está era utilizado para expressar o

aparecimento e o retorno de objetos ou pessoas. Usava as três palavras adequada­ mente e dispunha ademais de uma série de sons inarticulados, com os quais parecia querer mencionar objetos ou situações, mas que resultavam completamente incom­ preensíveis, mesmo para seu meio ambiente. Padecia também de uma anorexia séria e seu nível de jogo estava muito abaixo do esperado para sua idade. Segundo a mãe, Patrícia sofria por não poder expressar-se, notando-a com ciúmes das irmãs, que falavam e brincavam normalmente.

Desde que Patrícia tinha três anos consultavam por causa deste sintoma, mas o pediatra que a atendia não deu importância ao transtorno, esperando sempre que se solucionasse com o tempo. Foi a iminente entrada no colégio que levou o pedia­ tra a recorrer a um tratamento psicanalítico.

Patrícia foi uma filha desejada, sendo que a gravidez e o parto parecem ter sido normais. Sua mãe não recordava quantas horas depois de nascer a colocaram ao seio pela primeira vez, nem o ritmo em que a alimentou, mas esclareceu que se prendeu bem ao seio desde o primeiro momento. A lactância desenvolveu-se sem dificuldades até os sete meses, época em que ocorreu bruscamente o desmame, por ter a mãe ficado novamente grávida. Inicialmente, Patrícia não reagiu mal a esta perda brusca, aceitando bem a mamadeira. Paulatinamente, foram aparecendo difi­ culdades crescentes com a comida, terminando por apresentar uma anorexia séria. A data em que se deteve o desenvolvimento da linguagem e o momento em que começou o controle esfincteriano também não foram recordados pela mãe. Tinha a impressão de que não foi cedo, agregando que ela não foi demasiado exi­ gente com a limpeza. Todos os detalhes sobre este momento, quando se iniciou o controle, suas características e como foi vivido por Patrícia, surgiram da análise da menina e foram depois confirmados pela mãe, que agregou, então, dados importan­ tes lembrados naquele momento.

Patrícia caminhou com mais ou menos um ano e nesta época pronunciou suas prmeiras palavras. Quando nasceu sua irmã tinha dezessete meses e sua lingua­ gem estava em plena evolução. A mãe não recorda que tivesse demonstrado curio­ sidade durante as gestações e partos e nem de tê-la visto se masturbando. O nível de jogo estava abaixo de sua idade, a ponto de suas relações com as irmãs e com

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outras crianças estarem seriamente dificultadas; a isto somava-se a dificuldade na linguagem. Seu sofrimento, ciúmes e inveja eram muito evidentes, assim como a diferença dela com as irmãs, não somente melhor dotadas, mas também mais boni­ tas.

Do seu caso farei especial referência à forma como expressou sua fantasia de enfermidade e cura e como me comunicou seus sentimentos durante o controle de esfíncteres e as circunstâncias em que foi realizado.

Depois da entrevista inicial com a mãe, decidiu-se pelo tratamento de Patrícia, com a frequência de quatro sessões semanais. Sobre uma mesa baixa tinha colocado autos (alguns de corda, outros não), uma pequena garagem, uma mesinha, cubos, lápis, papel, lápis de cor, borracha, tesouras, cola, barbante, bonecos, pratos, xícaras e talheres. Na mesma havia uma máquina para fazer ponta de lápis cujo depósito era transparente.

Patrícia era uma menina magra, evidentemente inibida e com expressão muito triste. Quando entrou no consultório, demonstrou grande desconfiança, mas aceitou separar-se da mãe, na condição de que a porta permanecesse aberta, para poder vê-la. Depois de alguns minutos, nos quais observou tudo quanto a rodeava, tomou os autos e fazia com que entrassem e saíssem da garagem repetidas vezes. Tomou, depois, um lápis e começou a apontá-lo com a máquina; olhava com muita atenção o buraco no qual o lápis entrava. Fez várias experiências de introduzir o lápis, girar a manivela, ver cair o grafite e a madeira esfarelada no depósito transpa­ rente da máquina, que se enchia. Depois, com a massa de modelar, tapou o buraco. Tentou, então, meter os lápis no buraco tapado com a massa e mostrou-me com gestos que não podiam mais entrar. Repetiu o jogo várias vezes.1 Neste momento fiz a primeira interpretação: “ Fechas o buraco da mamãe para impedir que as coisas entrem e saiam dela e por isso precisas também vigiá-la” . Negou com a cabeça, mas, enquanto negava, esvaziou o conteúdo do depósito (serragem e grafite pulveriza­ dos), colocou tudo num pequeno papel, fez um pacote bem apertado e reforçado com vários papéis e guardou-o em sua caixa individual, fechando com chave.

Começou então a examinar o consultório e a agarrar brinquedos. Primeiro, olhava-os atentamente, depois me mostrava e, por meio de sinais e sons inarticula- dos ou com alguma de suas três palavras, perguntava-me o nome de cada um deles. Observei que escolhia objetos muito conhecidos, como, por exemplo, cama, cadei­ ra, etc., e também os autos que tinha utilizado no começo da sessão. O gesto inter­ rogativo tinha o sentido das perguntas que fazem as crianças porque sim, sobre coi­ sas que já conhecem, mas que esconde o desejo de saber algo que lhes é censura­ do ou que as angustia. Interpretei que queria saber por que ela não podia falar e as outras crianças sim, do mesmo modo que me mostrou autos com corda e autos sem ela, e também porque sua màe a tinha feito assim. Sem responder à minha interpre­ tação, pediu para ir ao banheiro, fazendo sinais de que queria urinar. A mãe, ao vê-

I Esta repetlçào foi denominada por Melanits Klein de "ponto de urgência". Cf. KLEIN, Melanlo. El fisl- coanállsls de nltloj. Blbl. de PilconnÁllil», Ituenot Alia», 1948.

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la sair, acompanhou-a e pude ouvir como a repreendia por haver sujado as mãos com lápis e massa de modelar. Quando entrou novamente no consultório, estava muito ansiosa, fazendo-me sinais de que queria ir embora imediatamente. Interpretei: “ Queres ir porque tens medo que eu te transforme em uma pessoa má, que ponha dentro de ti coisas más - a sujeira nas mãos - e que possa fazer-te mal - a reprimenda da mãe - do mesmo modo que imaginas que são estas coisas más que a tua mãe colocou em ti as que te fizeram não poder falar” .2

Enquanto lhe falava, colocou a parte suja das mãos na boca e, chupando-a, olhava-me interrogativamente. Depois chupou a parte limpa das mãos, estava sorri­ dente, mas com expressão angustiada. Falei-lhe: “Aqui tu e eu vamos ver, pouco a pouco, por que não podes falar, por que sorris mesmo quando estás triste e assus­ tada e por que tens medo de mim e da tua mãe” . Estávamos ao final de hora e, antes de sair, correu até o divã, deu-lhe um beijo e se foi rapidamente, sem olhar-me.

Expressou nesta primeira sessão seus sofrimentos e seus sintomas através do depósito que simbolizava o corpo da mãe e o seu próprio. Fechar o buraco significa­ va, além da interpretação feita, que ela tinha fechado o seu buraco - a boca - por causa dos sofrimentos experimentados pela gravidez da sua mãe, assim como teve que fechar seu buraco - o ânus -, submetendo-se ao controle. Em segundo lugar, mostrou que suas dificuldades para a contenção urinária estavam ligadas à idéia de que ela se sentia destruída e incompleta (foi urinar depois da interpretação sobre os autos com e sem corda). Em terceiro lugar, expressou a sua crença em que essas difi­ culdades deviam-se a coisas más colocadas nela por sua mãe (o produto do coito, o grafite e a serragem do lápis) ou que se transformaram em más por causa de suas fan­ tasias destrutivas (quando ela chupou a parte suja das mãos). Depois mostrou-me que precisava colocar coisas boas nela (a parte limpa de suas mãos) para curar suas dificuldades. Finalmente, expressou sua capacidade de amar e seu desejo de incor­ porar algo do terapeuta-mãe, quando beijou o divã, levando algo de mim,3 o que podemos compreender se recordamos que sua lactância foi inicialmente boa. Isto era possível pela projeção do seu amor em mim, que em parte sentia que podia ajudá-la, chupar o limpo de sua mão e beijar o divã. Assim como na primeira relação de obje­ to a criança projeta em sua mãe amor e ódio e recebe dela satisfações e frustrações, em sua relação comigo fizeram-se evidentes a aceitação e a fé em que pudesse ser ajudada, como também apareceram seu rechaço e sua desconfiança na minha pessoa.

Em sessões posteriores, colocou, dentro de pacotes hermeticamente fecha­ dos, as substâncias que usou para simbolizar o interior do corpo e seus conteúdos. Fechava-os com chave na sua caixa e em cada sessão realizava inspeções sobre os conteúdos destes pacotes, manifestando a ansiedade paranoide de que podiam ter sido destruídos, roubados ou danificados durante a sua ausência, situações todas

2 Expressou assim sua fantasia inconsciente de enfermidade, que se confirmou no transcurso do tra­ tamento.

3 Mostra que desde a primeira sessão se projeta tanto o bom como o mau. Cf. KLEIN, Melanie. "The origins of transference” . Int. Journal of Pslcho-Analysis, vol. 33, 1952.

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interpretadas cada vez que apareciam. Representavam para ela o produto das rela­ ções sexuais dos pais; o que a mãe tinha dentro, pênis e substâncias para fazer crian­ ças; o que tinha colocado nela e nas irmãs. Possibilitaram a simbolização da idéia de ser incompleta e insuficiente e dos ciúmes pelas irmãs, mais favorecidas pela mãe. Na transferência, ao encerrar esses conteúdos em pacotinhos e inspecioná-los cada vez para comprovar se não foram danificados ou roubados parcialmente, expressa­ va o ciúme pelos outros pacientes e o temor de que eu não a defendesse dos ata­ ques e roubos que podiam fazer-lhe. Quando algo escapava dos pacotinhos e per­ dia o controle onipotente - conseguindo através do encerramento hermético as menores partículas - vivia-as como perseguidoras. Tentava limpar-se ou me pedia para que o fizesse. Representou com essas substâncias a fantasia de seu mundo inte­ rior: a) como foi feita; b) sua imperfeição; e c) como queria nascer de novo íntegra e completa - com corda.

Com o progresso de sua análise, estas substâncias se enriqueceram, agregan­ do outras que considerava positivas: leite, café. Com elas representa a fantasia de nas­ cer de novo, em outras condições, brincando com uma grande “ panela de puchero", onde colocara todas as substâncias disponíveis de sua caixa individual. Colocava as substâncias: o que considerava mau deixava fora, enquanto o que era bom agregava cada vez em maior quantidade. As substâncias boas eram, por exemplo, o açúcar, que representava carinho e beleza, e o café, que significava ser grande, etc.

Quando, com o passar do tempo, estes conteúdos chegaram a um ponto de bondade que ela considerou suficiente, derramou-os na sua caixa, simbolizando que já era o momento de nascer. Este jogo ampliou-se posteriormente com outro, onde enchia três panelas iguais e não se decidia sobre o que correspondia a cada uma delas. Deste modo, simbolizava as três gravidezes da mãe e seu desejo de que as três nascessem iguais.

Numa fase posterior da análise, abandonou o jogo com substância e simbo­ lizou as mesmas situações com brinquedos que representavam continentes ao invés de conteúdos; por exemplo, coleções de tacinhas, jarras, panelas, etc. Selecionava- os pela possibilidade ou impossibilidade de que se quebrassem e pudessem ou não ser consertados. Manifestou, através destes jogos, suas fantasias e sua capacidade de reparação.

Numa última fase, utilizou continentes com conteúdos; por exemplo, gran­ des sacolas cheias de brinquedos. Estes variavam segundo as fantasias atuantes no momento. O tema central era: “ necessito ter um pênis dentro de mim para poder falar” ; “ não sei se uma mulher pode ter um pênis” ; “ quero que tu me dês um pênis que arrume meu interior e me cure” .

Estes conteúdos tinham uma evidente característica de segredo, semelhante à dos pacotes hermeticamente fechados do começo. A importância do clima de segredo foi tão dominante que nos levou a situações extremas. Assim, enquanto brincava, pretendia obrigar-me a permanecer em uma sala contígua e não ver o jogo. O isolamento a que me condenou durante este período de sua análise era a repetição na transferência do que lentlu com sua mãe quando os acontecimentos

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exteriores aumentaram suas angústias e tendências destrutivas na época em que a mãe foi para o hospital ter a segunda irmã.

O jogo que realizava me fez compreender que o controle de esfíncteres começou na ausência da mãe. Quando reviveu comigo essa iniciação, expressou toda a angústia experimentada através de um jogo com uma boneca, a quem alimentava e cuidava. Escolheu para este jogo um bebê, que, além da boca aberta, tinha outro ori­ fício, por onde urinava. Sua atitude de carinho e cuidado modificou-se bruscamente depois de algumas sessões. No começo o vestia e alimentava com carinho e, antes de ir-se, preocupava-se com que ficasse na cama e bem abrigado. Um dia começou a sujá-lo, cobri-lo com pintura, tirou-lhe a roupa, submeteu-o a fome e frio, até con­ vertê-lo num boneco sujo, sem roupas e maltratado, o qual abandonou no chão do banheiro. Eu não devia fazer nada para defender o bebê desses maus tratos, pois tinha que permanecer na sala ao lado, não podendo interferir. Dava-me o papel da mãe ausente, que não vinha em sua ajuda, quando foi maltratada por ser uma meni­ na suja. Este isolamento, ao qual me condenava, e o não querer ver-me respondiam também à necessidade de não ver os fatos traumáticos e a raiva pela mãe que a tinha abandonado. Neste jogo, a boneca era ela: malvada, suja, abandonada e cheia de por­ carias - como se sentia no início da análise, quando foi ao banheiro urinar e chupou a parte suja das mãos. Ao mesmo tempo, desempenhava o papel da babá, flutuando continuamente entre a maldade que padeceu e a que fazia padecer. Neste período, mostrava curiosidade e ciúmes por todas as crianças que eu atendia, querendo abrir as caixas para ver o que continham. Como Patrícia expressou ao mesmo tempo sua solidão, o ser maltratada, a idéia de ser suja e, na transferência, a curiosidade e o ciúme pelas outras crianças - suas irmãs -, pensei que o controle de esfíncteres tinha sido severo e iniciado concomitantemente ao nascimento da irmã. Pedi uma entre­ vista à mãe e perguntei-lhe. Lembrou-se então que quando ela foi internada para ter a segunda filha, a babá forçou Patrícia a um controle muito severo. Quando a mãe voltou do hospital, oito dias depois, Patrícia controlava urina e fezes.

Nesta mesma entrevista recordou, com tristeza, um acontecimento que ela associou com a detenção do desenvolvimento da linguagem. Nos dias que se segui­ ram ao retorno do hospital, Patrícia fazia grandes esforços para pronunciar o nome da irmã. Um dia, quando esta dormia no berço, pronunciou pela primeira vez, com voz muito estridente e eliminando o M inicial, o nome da irmã. Gritou Ônica, em vez de Mônica. A mãe chorou ao recordar que sua reação foi bater-lhe nas mãos, dizen­ do-lhe que podia acordar a irmã, ao invés de valorizar o progresso tão arduamente conseguido por Patrícia. Também recordou que, como o parto foi de noite, Patrícia não soube de sua partida e ao acordar não a encontrou, não recebendo nenhum tipo de explicação.

Esta entrevista com a mãe foi transmitida a Patrícia na sessão seguinte e na interpretação dos jogos mencionados, agregaram-se os acontecimentos traumáticos recordados pela mãe. Uma vez mais comprovamos a interação entre a realidade externa - maus tratos da babá e da mãe - e a interna, a desvalorização que Patrícia mostrou por seus conteúdos.

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Vimos desde a primeira sessão que Patrícia pensava que era diferente de suas irmãs, que nasceu incompleta, idéia simbolizada através de jogos com autos sem corda, tendo que competir com outros equipados com corda - suas irmãs que fala­ vam bem. Pensava que sua mãe tivesse colocado nela coisas más e insuficientes. Expressava essa fantasia com dois outros jogos. Enchia três panelinhas - ela e as irmãs -, mas enquanto na sua panela as coisas eram feias e tinham que ser jogadas fora, estragavam, etc., nas outras duas as comidas ficavam ótimas. Este jogo era acompanhado por crises de ansiedade, aparecendo fantasias de roubar os conteú­ dos das outras panelas, juntamente com idéias paranoides de ter sido roubada nos dias em que não vinha à sessão.

No outro jogo, ia colocando numa grande panela o conteúdo de todas as panelas. Este conteúdo era cuidadosamente colado, separando as coisas considera­ das ruins, até conseguir um interior perfeito. Então brincava de renascimento, que consistia em esvaziar sua caixa e colocar dentro o conteúdo da panela.

Outra de suas fantasias era a de esvaziar a mãe, encher-se com os conteúdos que seu pai lhe dava - a sacola com aviões e autos. Aparecia então o medo de mis­ turar o bom com o mau e o temor de tomar algo de sua mãe, destruí-la e não poder repará-la. Desde o momento em que começou a aparecer a confiança em sua capa­ cidade de restaurar os jogos com continentes, brinquedos irrompíveis ou passíveis de arrumação, as sacolas cheias de objetos, começou a falar. Se podia restaurar, podia fazer coisas e encher-se, podia ser agressiva, já que também podia refazer o que destruía. Se estava cheia dos conteúdos do pai, pensava que podia falar e ser inteligente. Estas fantasias foram expressas, a princípio, nos seus jogos com substân­ cias e depois fabricando sacolas, que enchia de autos e aviões, e eram guardados hermeticamente fechados na caixa. Ela e a mãe estariam cheias dos pênis do pai, mas a sacola tinha que estar hermeticamente fechada, para que ninguém pudesse roubá-los.

Recapitularei agora como viveu ela as sucessivas frustrações que envolveram a gravidez da mãe e o desmame brusco: I - para ela, a mãe a privou do seio, para com isso fabricar sua segunda filha; 2 - para que nascesse a segunda filha, abando­