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Os casos de dispensa de pena, da atenuação especial da pena, da suspensão provisória

RGIT

O RGIT, em consonância com o CP, enumera uma série de institutos que, através da reposição dos valores que não foram atribuídos ao Estado com a prática das infrações, permitem a extinção da responsabilidade penal tributária.

Relativamente à dispensa de pena e a atenuação especial da pena, o RGIT, no seu artigo 22.º, prevê um regime claramente mais ténue do que o direito penal comum, previsto no artigo 74.º do CP, uma vez que este último só permite a dispensa de pena quando estejamos perante crimes puníveis com pena de prisão não superior a seis meses ou pena de multa não superior a 120 dias e quando a ilicitude do facto e a culpa do agente sejam diminutas. Já o RGIT estabelece que são dispensáveis as penas cujo crime tenha uma pena igual ou inferior a três anos, o que leva a uma aplicação deste instituto a crimes puníveis com penas de média duração e não exige que haja uma diminuta ilicitude do facto e culpa do agente, bastando que estas não sejam muito graves.

Para além dos pressupostos anteriores, é necessário ainda que a prestação tributária e demais acréscimos legais sejam pagos, que não se oponham razões de prevenção e que seja reposta a verdade fiscal.

Ora, segundo Germano Marques da Silva, «o regime estabelecido no RGIT não se afasta dos fins da sanção penal, as necessidades de tutela do bem jurídico, da prevenção geral e especial, impondo ao juiz que pondere no caso concreto a necessidade da pena, tendo em conta o grau de ilicitude do facto e da culpa do agente (que não podem ser muito graves) e a necessidade de prevenção geral e especial». O autor justifica esta diferença de tratamento entre a lei penal comum e a lei penal tributária tendo em atenção a importância fulcral da cobrança do tributo e com a pouca reprovação que existe do ponto de vista social em relação aos crimes tributários164.

Opomo-nos a esta fundamentação, pois, esta tomada de posição, é apregoar pela ilegitimidade penal das ilicitudes tributárias e confirmar que o processo penal tributário tem como finalidade a arrecadação de receitas. A dispensa de pena é

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averiguada no caso concreto, no entanto não podemos defender diferenças de institutos com base em «direito penal de primeira» e «direito penal de segunda».

De igual forma, não nos parece claro que os fins das sanções tributárias sejam salvaguardados, nomeadamente os fins de prevenção geral, pois, na verdade, as sanções são substituídas por acordos, não servindo para efeitos de prevenção geral negativa/de intimidação, uma vez que transmite para a comunidade a sensação de impunibilidade, assim como de prevenção especial: no fundo, de acordo com este instituto, caso o agente pratique uma infração tributária, basta a devolução dos montantes, o que permite que os agentes «arrisquem» a prática da infração, pois, e apenas caso seja detetada, o agente só terá de restituir os valores.

Com uma perspetiva idêntica, podemos analisar o instituto da suspensão provisória do processo, que poderá também ser designado de «justiça negociada», previsto no artigo 281º do CPP, aplicável nas infrações tributárias por remissão do artigo 43º nº1 do RGIT.

Assim, a suspensão provisória do processo permite atingir os mesmos objetivos da dispensa de pena: a reposição das prestações tributárias, acrescendo a possibilidade de aplicar injunções aos arguidos e não ser aplicada uma efetiva pena.

Ora, a suspensão provisória do processo foi aplicada concretamente num dos casos mais mediáticos de crimes fiscais em Portugal: a Operação Furacão. Assim, o Estado, por essa via, conseguiu recolher grande parte dos valores em causa, que, diga-se, não eram pequenas quantias. No entanto, choca-nos como num caso onde estão em causa milhões de euros de prejuízo para o erário público e onde a ilicitude e a culpa são graves, seja aplicado este instituto e, noutros processos de menor gravidade, não. Com certeza que esta tomada de posição em nada ajuda a consolidar o princípio da igualdade e da eticização do direito penal tributário. Na verdade, foi o modo mais fácil para os valores serem recolhidos.

A suspensão da execução da pena, prevista no artigo 14.º do RGIT, é outro instituto que, através da reposição das prestações tributárias em falta, extingue a responsabilidade penal do arguido. Segundo o referido artigo, a suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento da

prestação tributária e acréscimos legais, em prazo a fixar constantemente, o que desencadeou várias discussões jurisprudenciais quanto à sua constitucionalidade,

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por violação dos princípios constitucionais da culpa, da adequação, e da proporcionalidade, tendo em conta a obrigatoriedade da sujeição da suspensão da pena de prisão ao pagamento da prestação tributária e acréscimos legais e do montante dos benefícios indevidamente obtidos, independentemente da situação económica do condenado. No entanto, nem o TC, nem o STJ consideraram a referida norma inconstitucional.

Por fim, dentro do mesmo contexto, fazemos ainda referência aos três Regimes Excecionais de Regularização Tributária (RERT) que vigoraram em Portugal. Através destes regimes, foi permitido regularizar montantes detidos irregularmente no estrangeiro mediante uma taxa baixa de impostos. A partir do momento que os capitais eram regularizados extinguiam-se todas as obrigações tributárias exigíveis por estes valores, bem como o perdão das infrações tributárias. Ou seja, foram uma espécie de amnistias fiscais. Para além da suposta excecionalidade, que de facto não foi excecional, tendo em conta a existência de três RERT, são claros os problemas que estes regimes levantam quanto à legitimidade de intervenção do direito penal tributário. Como refere João da Costa Andrade, «em troca da pecúnia, (…) em muitos casos concretos ter-se-á vendido isenção de responsabilidade criminal.»165