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Catadores do MNCR iniciando a marcha até o Palácio do Planalto, em Brasília/DF

Bertrand Sampaio de Alencar, Março/2006

3.2.2. Como Avaliar a Emergência de Processo de Organização dos Catadores e sua Contribuição a Sustentabilidade?

O lixo "evoluiu" de resíduo sólido descartável a objeto de desejo de muitos pobres e de poucos ricos. Os catadores de produtos recicláveis materializam-se como expressão máxima da miséria, ao sobreviverem em condições sub-humanas, digladiando-se por materiais recicláveis nas ruas e nos milhares de lixões existentes no Brasil, enquanto um cartel internacional das corporações que atuam no setor de limpeza pública reproduz o lado indecente da conquista de riqueza fácil, em aparelhos estatais controlados.

Estes atores da sociedade encontram-se em lados radicalmente opostos e parecem inconciliáveis, mas o desejo é o mesmo. São duas faces de uma mesma moeda que falta a muitos e atende a poucos. Os governos locais adiam a discussão do problema, ancorado por uma presença forte na mídia, mantendo uma incipiente participação popular e um fraco controle social.

Infelizmente, não se espera em curto e médio prazo, soluções ambientalmente sustentáveis, tecnologicamennte apropriadas, financeiramente adequadas e socialmente justas para o problema do lixo, senão aquelas que emergem da luta dos movimentos sociais e da articulação dos catadores em rede, às quais apontam para uma presença maior da sociedade na gestão desses serviços públicos.

A catação de materiais recicláveis na perspectiva do seu principal ator e num espaço limitado é uma escolha entre a sobrevivência pelo trabalho (misto de esforço, conquista, dignidade, honestidade e honra) e a marginalidade e a fome, entre a vida e a morte. Encontra seus fundamentos numa autoria coletiva, em escolhas, combinadas com estratégias de consentimento e coerção, com origem, em última análise, centrada no modelo de desenvolvimento adotado no país.

O processo recente de organização dos catadores lança algumas luzes na perspectiva de eliminar uma das maiores vergonhas nacionais, onde governantes ainda permitem a presença de milhares de crianças, adolescentes e adultos em lixões, mesmo com a existência de algumas políticas públicas, a exemplo do PETI – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil59, cujo objetivo é erradicar as piores formas de trabalho infantil, consideradas perigosas, penosas, insalubres ou degradantes.

O projeto MDS/AVINA, assim como as políticas públicas recentemente adotadas pelo Governo Federal que incluem linhas de financiamento para organizações de catadores no BNDES e no Ministério de Trabalho e Emprego, criam expectativas e constitui-se ao mesmo tempo em um enorme desafio para os catadores e para as entidades que apóiam o MNCR no Brasil.

Desde o encontro de Santos em 1992 que inúmeras dúvidas e questões são colocadas nos diversos encontros realizados entre catadores e entidades de apoio. O modelo de organização em cooperativas e associações é o mais adequado? É possível conquistar a cadeia produtiva dos recicláveis? Que tipo de ideário político aponta para esse importante movimento de caráter nacional? Como vencer o preconceito da sociedade e fazê-la reconhecer o importante papel do catador na cidade? Como divulgar o trabalho dos catadores? Como concorrer com os intermediários, as empresas e a maioria das prefeituras das médias e grandes cidades? Como articular a formulação de políticas públicas? Qual a perspectiva de organizar todos os catadores? Como lograr a sustentabilidade? Certamente que a maior parte destas questões ainda não podem ser respondidas integralmente.

No entanto, algumas conclusões parciais começam a se materializar neste recente processo de organização política e para o trabalho dos catadores. A solução para o problema do lixo está na origem e não no destino final, pois o trabalho junto aos geradores de materiais recicláveis combate preconceitos, educa ambientalmente, provoca menor risco à saúde, evita

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O PETI inclui famílias com crianças e adolescentes na faixa etária dos 7 aos 15 anos envolvidos nas piores formas de trabalho infantil. Essas atividades foram regulamentadas pela Portaria No 20, de 13 de setembro de 2001, da Secretaria de Inspeção do Trabalho, do Ministério do Trabalho e Emprego. Entre elas, estão citadas as atividades em lixões;

desperdícios e permite ao catador ganhar mais. Os catadores não-organizados em lixões representam simbólica e efetivamente a exclusão social e, como argumentado anteriormente, não há possibilidade de sustentabilidade com exclusão social.

Os catadores comercializam com o grande capital. Não se trata de um movimento social que luta contra o grande capital, por terra e trabalho, nos moldes de um MST. É necessário que os catadores entendam que o processo histórico de organização dos movimentos sociais foi fundamental na formação da sociedade. O MNCR precisa entender esta relação diferenciada (mas necessária, ainda que momentaneamente) com as indústrias de reciclagem e com o poder público. A formação de parcerias com o setor produtivo deve ser incentivada desde que numa condição menos desigual e, neste sentido, a formação de redes solidárias de organizações de catadores tem avançado bastante nesta direção. A articulação com o setor governamental e legislativo para formulação de políticas públicas e, com o setor judiciário para garantir direitos, mostra-se imprescindível nesta fase.

Uma das saídas para a conquista da cadeia produtiva tem-se constituído na busca de alternativas de trabalho e renda na própria atividade (p.ex., produção de artefatos a partir dos materiais recicláveis e reutilizáveis, prestar serviços de limpeza urbana, manutenção, arte com lixo, “eco-design”, etc.) tendo em vista a concorrência e os limites determinados pelo mercado.

Outra importante questão verifica-se nos modelos de desenvolvimento produtivo das organizações de catadores. Duas formas de organização se mostram como possíveis para avançar no processo de sustentabilidade dos catadores, uma verticalizada ou piramidal (um exemplo é a Cooperativa Recuperar, da Colômbia) e outra horizontalizada ou em rede (modelo adotado em diversos estados brasileiros nas redes solidárias de organizações de catadores60). Neste desafio de se ampliar a participação e permitir a inclusão no processo de organização de todos os catadores, constata-se que o MNCR não deve adotar como modelo uma estrutura piramidal, mas de matriz (horizontal), articulado em rede com a base.

Verifica-se como imprescindível a articulação dos (aparentemente) distintos setores da sociedade (poder público, iniciativa privada, ONG, movimentos sociais, igrejas, etc.) para a viabilização da sustentabilidade ambiental do processo de desenvolvimento. A emergência da

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O movimento de criação de redes de comercialização solidária de materiais recicláveis no Brasil muito é recente, mas vem recebendo apoios financeiros importantes de entidades públicas, como a Petrobrás e a Fundação Banco do Brasil. São registradas as seguintes redes de catadores de materiais recicláveis no Brasil: Associação Vira Lata (SP), Rede Solidária Cata Vida (SP), Rede Cata Sampa (SP), Reciclagem Solidária (RJ), RICAMARE (RJ), CataUnidos (MG), CataBahia (BA), Rede de Catadores e Centrais de Triagem da Região de Caxias do Sul (RS), Cadeia Produtiva da Reciclagem (RS), Rede de Catadores de SC (SC) e Rede de Catadores de Fortaleza (CE).

organização política e social para o trabalho dos catadores tem demonstrado que este caminho é possível, sobretudo pela expectativa de integração de atores e instituições com as dimensões política, econômica, social, ambiental, sanitária e cultural. Entretanto, alguns entraves e armadilhas atravessam este difícil caminho.

A emergência do processo de organização política e social para o trabalho dos catadores de materiais recicláveis no Brasil induz a uma série de questionamentos, além daqueles anteriormente apresentados. Estas questões estão na base dos estudos aqui desenvolvidos, qual seja investigar a sustentabilidade deste processo de organização político e social. Os tópicos seguintes investigam a inserção do MNCR como um movimento social contemporâneo e avalia os resultados das ações governamentais na direção das políticas públicas.

3.3.MOVIMENTOS SOCIAIS CONTEMPORÂNEOS: SIGNIFICADO E IDENTIDADE DO

MOVIMENTO NACIONAL DOS CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS

Considerando a proposta teórico-metodológica sugerida, discute-se e analisa-se empiricamente a seguir os elementos e categorias básicas, tomando-se como referência o registro do ideário manifestado publicamente pelo MNCR, assim como a partir de depoimentos efetuados por alguns dos seus atores mais relevantes, lideranças e apoios técnicos. Foram realizadas também algumas consultas com personagens importantes no processo de organização dos catadores no âmbito dos segmentos público e privado.

As lutas iniciais dos catadores foram (e infelizmente ainda são na maioria dos casos) por sobrevivência a partir do trabalho61, por necessidades primárias que numa expectativa da famosa Pirâmide de Maslow situa-se no campo das necessidades fisiológicas, ou seja, as necessidades vegetativas relacionadas com a fome, o cansaço e o sono. São necessidades que dizem respeito à sobrevivência mais imediata do indivíduo e da espécie, constituindo pressões fisiológicas que levam o indivíduo a buscar ciclicamente a sua satisfação. Esta carência do que é preciso determinou o que na gênese do processo histórico sócio-ambiental é denominado de cultura de subsistência.

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A frase histórica que afirma que “o trabalho dignifica o homem” é aqui entendida pelos catadores de forma ainda bastante atual, ficando evidenciado, por um lado, uma certa apologia ao trabalho cujas raízes remontam à fase áurea do capitalismo, quando o trabalho era visto como um processo dignificador do ser humano e edificador da sociedade, mas por outro lado, finca as bases da escolha entre a marginalidade que lhes foi oferecida na esquina e a catação de materiais recicláveis como forma de sobrevivência. Esta certamente é uma temática para estudos posteriores.

Estas necessidades dizem muito das imensas carências não atendidas, mas não determinou concretamente no início deste fenômeno social nenhum tipo de ação coletiva espontânea por parte dos catadores. As carências além de materiais, são simbólicas. A visão distorcida e muitas vezes preconceituosa de uma parcela significativa da sociedade em relação aos catadores e o não reconhecimento do importante trabalho social, ambiental, econômico e sanitário desenvolvido por eles está carregada de um simbolismo negativo. Contribuição a esse respeito nos trouxe há vinte anos atrás, LIMA (1988, p.46), ao estudar a representação simbólica e econômica dos catadores do Recife e identificar a imagem destes personagens excluídos junto à sociedade “incluída” como marginais e associados ao próprio lixo, com a agravante deles mesmos também personificarem esta representação.

O processo de exploração e dominação dos catadores por parte de intermediários resgata nos dias de hoje outra triste página na história brasileira, a escravidão. A ação nefasta destes atravessadores foi e tem sido um fator preponderante na inércia coletiva dos catadores que tentam caminhar na direção da sua organização62. Certamente por conta deste componente, o que se constata até hoje é uma agenda de demandas e reivindicações assistida, acompanhada por instituições e/ou indivíduos que reclamam para este grupo social dos catadores o exercício de direitos políticos e sociais e o melhoramento das suas condições de vida e de trabalho.

Os catadores de materiais recicláveis não-organizados que sobrevivem em lixões e nas ruas geralmente se encontram num limbo social, econômico, político e cultural. As carências são de toda ordem, inclusive de autocompreensão desta realidade. Estes catadores não têm a noção exata do seu poder enquanto grupo social, mesmo nos locais de destinação final de lixo em que hipoteticamente estariam atuando de forma coletiva, o que geralmente não acontece. A formalização da COOPAMARE, possivelmente a primeira cooperativa de catadores instituída no Brasil é um caso exemplar. Surgiu da reação contra a repressão das políticas “higienistas” adotadas no início da década de 1980 pelo então prefeito da cidade de São Paulo. Evidentemente que já se verificava uma identidade dos grupos que militavam junto às instituições religiosas de apoio às populações de rua, mas são estas entidades que acabam por conduzi-los ao processo de luta e de organização para o trabalho. Aqui cabe afirmar que um dos triunfos destas lutas iniciais é o estabelecimento de políticas públicas direcionadas aos catadores, como será observado no próximo tópico.

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A esse respeito, cabe observar que historicamente os intermediários ou atravessadores são figuras presentes tanto nas sociedades pré-capitalistas quanto no mundo moderno e assim, como sujeitos históricos não serão facilmente domados.

Como descrito no Capítulo 1 – Introdução, o MNCR nasce de um processo que se inicia em maio/1992, em Santos/SP, o qual foi retomado somente em novembro/1999. O marco que consolida o MNCR é a realização em junho de 2001 do Congresso Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis, em Brasília.

Os repertórios foram e vêm sendo construídos a partir dos diversos encontros realizados nestes poucos anos de vida do MNCR. Ao se efetuar um esforço para promover a agregação destas demandas, pode-se verificar a partir de resultados de seminários, encontros e congressos realizados no período, reproduzidos nas cartas designadas com nome da cidade que sediou cada evento63, que o fio condutor das reivindicações, mesmo antes da formalização do MNCR, contempla o reconhecimento da categoria expresso em diversas propostas que incluem desde a formalização da profissão do catador à criação de um dia de luta, propostas de políticas públicas que privilegiem o atendimento às necessidades básicas (saúde, educação, habitação, transporte, etc.), uma preocupação permanente com a questão ambiental, ao mesmo tempo em que não deixa claro o conteúdo político-ideológico do projeto do MNCR.

Por se tratar de um movimento recente, a composição do MNCR vista do princípio articulatório que os aglutina é atualmente bastante heterogênea e incluindo formalmente uma aliança com setores religiosos variados (OAF, Cáritas, Diaconia, Pastoral da Rua), ambientalistas (ASPAN), ONGs sócio-ambientais (INSEA, PANGEA), entidades empresariais (AVINA) e órgãos do Governo Federal, em algumas ações. Se analisarmos sob o ângulo da origem social, as alianças se formam entre os catadores, que conformam um dos principais pólos de exclusão nacional, e setores empresariais que atuam na área de reciclagem ou mesmo que se dispõem a praticar ações de responsabilidade social. Estas alianças se encadeiam em um jogo de interesses entre dominantes e dominados, conformando um quadro político–ideológico difuso. O discurso do MNCR é claro ao reivindicar a conquista da cadeia produtiva dos materiais recicláveis, o que soa mais como utopia do que como realidade possível de ser alcançada. A realidade é que os catadores precisam daqueles que adquirem os materiais recicláveis que as cooperativas e associações (e mesmo os catadores não- organizados) coletam, transportam, beneficiam e comercializam.

A localização geográfico-espacial de atuação do MNCR é a cidade, mas sua abrangência é nacional, sobretudo depois do Projeto MDS/AVINA que possibilitou sua a estruturação e articulação em todo território nacional. Hoje o MNCR possui representações

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Nos Anexos estão apresentadas todas as cartas de abrangência nacional construídas pelos catadores ao longo deste curto tempo de existência do MNCR.

em praticamente todos os estados, os quais integram a coordenação nacional, conforme Diagrama 3 a seguir, e avança numa articulação internacional, inicialmente construída na América Latina (no período de 1 a 4 de março de 2008, na Colômbia, foi realizado o 3o Congresso Latino-Americano dos Recicladores) e em seguida com países da Ásia (nesse mesmo período e local foi realizado o 1o Congresso Mundial de Catadores).

Diagrama 3. Organograma do MNCR

Fonte: MNCR (2006)

Como preceitua GOHN (2007, p.257), o princípio articulatório interno de um movimento social revela-se a partir de três elementos fundamentais que integram sua composição: as bases demandatárias, as lideranças e as assessorias. São estas relações que constituem o princípio articulatório interno do MNCR, as bases estruturadas em quase todos os estados brasileiros, formada institucionalmente por cooperativas e associações de catadores que subscrevem a Carta de Princípios do MNCR, as lideranças nacionais que atuam de forma mais intensa e permanente desde a criação do MNCR e, as assessorias que podem ser classificadas em religiosas, ambientalistas, sociais e políticas.

A articulação externa com outras redes de movimentos sociais ocorre de forma tímida, não se verificando até o momento alianças formais entre estes movimentos. Alguns ensaios

foram praticados com o MST, particularmente pelos grupos de catadores da região Sul do Brasil, sem maiores repercussões nas ações do MNCR.

O processo político brasileiro nos anos 1960 e 1970 foi de extrema repressão à organização de movimentos sociais. Os catadores enquanto segmentos mais excluídos da sociedade certamente não tiveram qualquer espaço político de atuação. O apoio de entidades religiosas na gênese foi decisivo e ocorreu concomitantemente ao processo de abertura política que se deu nos anos seguintes.

O MNCR possui sua força social ainda vinculada às alianças formadas, em grande parte, anteriormente à sua institucionalização. O avanço das ações e do conhecimento na sociedade deverá ampliar sua força social. Entidades religiosas, como a OAF e a Pastoral de Rua, vêm atuando desde a década de 1980 com grupos e depois cooperativas e associações de catadores, principalmente no apoio à formação e ao processo de organização. Existem articulações com grupos em alguns estados, como foi mencionado, mais especificamente no estado do Rio Grande do Sul, os quais politicamente se situam em um campo ideológico mais definido.

Neste campo de análise, cabe observar que o posicionamento político do MNCR não é (e dificilmente será no curto prazo) monolítico. A diversidade de crenças, valores e ideais que fundamentam suas reivindicações, expressas nas cartas dos maiores congressos realizados certamente os incluem no espectro político–ideológico brasileiro, em um campo mais progressista, relacionado ao que ainda se denomina de esquerda. A influência da igreja progressista naqueles momentos pretéritos certamente determinaram este ainda incipiente perfil político-ideológico.

É importante ressaltar ainda que o cenário político brasileiro atual permite uma liberdade de atuação dos indivíduos que militam politicamente nos movimentos sociais. A pesquisa realizada na perspectiva dos catadores (no Capítulo 4 este tema está apresentado de forma mais detalhada) identificou no conjunto dos catadores de algumas cooperativas um perfil similar ao do eleitorado brasileiro. Verificou-se que o exercício dos direitos políticos como votar, fiscalizar, protestar e criticar, fazem a diferença, inclusive quando se constata que os pobres importam-se com democracia e direitos políticos e que esta questão é prioritária em relação às necessidades econômicas, como argumenta SEN (2002, p. 177-178). O MNCR é um exemplo concreto que espelha esta afirmação. Como visto, o desempenho político do MNCR antecedeu um crescimento impressionante de cooperativas e associações no período posterior à sua criação em junho de 2001.

Não menos relevante, nesta categoria de análise, é a constatação da necessidade de mudança de significados culturais, como as representações simbólicas negativas da sociedade em relação aos catadores. A força deste argumento, enquanto discurso e ação prática, também se incorpora e fortalece o campo de atuação político-ideológico do MNCR.

As práticas sociais informadas pelas ideologias e representações geram uma cultura política nos movimentos sociais, a qual se constrói ao longo de sua trajetória e opera nos níveis interno e externo, segundo GOHN (2007, p. 259). Para um movimento social de atuação tão recente como o MNCR, é difícil falar em termos de uma trajetória edificada, mas reforça-se aqui a idéia de uma cultura política em construção, que procura valorizar o reconhecimento da profissão de catador, nas reivindicações por necessidades sociais básicas (“o direito à cidade”) e nos primeiros passos do que seria um exercício prático da democracia interna nos fóruns específicos (reuniões da coordenação nacional, congressos, etc.).

A organização do MNCR é de caráter informal, não institucionalizado “em cartório”, mas há uma predisposição da coordenação nacional em institucionalizá-lo. As cooperativas e associações que o integram em sua maioria são formalizadas. Ressalte-se como característica marcante uma estrutura de rede de articulação política, com apoios técnicos de ONG e entidades religiosas. De acordo com a cartilha deste movimento social (MNCR, 2006, p.6) pratica-se a democracia direta, na qual os espaços deliberativos do movimento são as bases orgânicas e os comitês regionais. Os catadores do MNCR acreditam que dessa forma os debates vêm e voltam, possibilitando a participação de todos os catadores. Cada Comitê Regional indica dois representantes para a Coordenação Estadual, que por sua vez indica dois delegados para a Comissão Nacional. Para a execução de tarefas em nível nacional formou-se uma Equipe de Articulação Nacional, cuja função principal é agilizar a execução de ações e articulações, criando um link de abrangência nacional que une o movimento. A equipe é composta por cinco catadores das regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste, com o apoio de uma das entidades de apoio técnico.

As práticas do MNCR são denominadas de ação direta e estão centradas nas marchas,

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