• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 3 – Análise e apresentação dos resultados

3.2. Dados oriundos das entrevistas semiestruturadas

3.2.4. Categoria “Dificuldades sentidas no início de carreira”

É no início de carreira que os professores assumem que não se sentem devidamente preparados para a realidade que os esperava. Muito embora determinados em abraçar esta nova experiência, os sentimentos de insegurança e de não estarem devidamente preparadas para o trabalho com os alunos assumem agora uma maior intensidade. Associado ao desejo e à forte motivação de iniciar o trabalho com a turma, surgiam os medos de não ser capaz de estabelecer relação com os alunos ou de planear o trabalho. Conforme referem os entrevistados:

“ (…) quão difícil era chegar a eles, não sei se devido ao uso de linguagem menos elementar e mais apropriado para os alunos” (UR058) E2;

98

“ (…) muita dificuldade em saber como chegar aos alunos, como trabalhar com eles, como os cativar e como conseguir captar a sua atenção” (UR111) E4;

“ (…) perdida e assustada perante o facto de ir ter uma turma só para mim e que iria ser orientada por mim” (UR041) E2;

“ (…) inseguranças sobre se seria capaz de lidar com tudo o que implica ser professora e responder positivamente a todas as solicitações de que somos alvo” (UR095) E3.

As dificuldades experimentadas pelos professores principiantes, aquando da sua inserção na profissão, são similares, decorrentes da inquietação sentida, da incerteza, do pavor de falhar e da consciência de que ainda não dominavam muitas das destrezas dos professores mais experientes. Na perspetiva dos entrevistados, sentiram vários sentimentos:

“ (…) perdida e assustada perante o facto de ir ter uma turma só para mim e que iria ser orientada por mim” (UR041);

“ (…) não ter bem presente, todas as dificuldades que poderia sentir aquando colocada à frente de uma turma” (UR042);

“ (…) só quando cheguei ao terreno é que percebi a dimensão da realidade da profissão Professor” (UR045);

“ (…) não deu para me aperceber da quantidade de trabalho que um professor tem” (UR056);

“Só quando cheguei ao terreno é que me apercebi da complexidade da profissão” (UR057);

“Só me comecei a sentir realmente professora quando vi que tinha uma turma à minha frente e que estava à minha inteira responsabilidade” (UR059);

“A minha maior preocupação sempre foram as crianças e os pais” (UR061);

“ (…) quando chegamos a um local pela primeira vez, não nos sentimos tão “perdidos” (UR 075).

O primeiro contacto de um professor recentemente formado com a escola é “assustador e desgastante” (Galvão, 2000, p.63) se não estiver devidamente apoiado, pois enfrenta pela primeira vez a necessidade de tomar decisões sem o apoio dos seus orientadores e professores da formação inicial e dos seus pares, tal como reforça E2 “ (…), tive de me “virar” sozinha e tentar sempre arranjar a melhor forma de gerir todas as atividades letivas” (UR048).

Galvão (2000, p. 63) reforça que esta fase da vida profissional é definida como um período de dúvidas e de angústias causadas por diversos fatores, vivida pelo

99

professor principiante numa posição de vulnerabilidade, face aos jogos de poder e à fragilidade da sua (auto) imagem como profissional.

O primeiro impacto no trabalho com os alunos revelou-se para todas os professores principiantes de muita dificuldade. A dificuldade sobre a postura a assumir de modo a fazerem respeitar-se e manter a disciplina, o receio de que não se fazerem amar, a preocupação com a aprendizagem dos alunos, foram as principais dificuldades enumerados na fase do choque com a realidade.

A ausência de experiência e de segurança na identificação de estratégias de diversificação do trabalho na sala de aula leva as participantes a colocarem em causa as suas competências profissionais. A dificuldade em definir estratégias necessárias para individualizar os processos de ensino a todos os alunos, em função das suas necessidades, ritmos de aprendizagem e interesses, o que fazer e como fazer, determinava por vezes a emergência de sentimentos de culpa. Como reforçam os entrevistados:

“Respeitar as dificuldades dos alunos e fazer de tudo para o ajudar a superar.” (UR 008) E1;

“As questões que levantavam, as dúvidas que apresentavam, as dificuldades que tinham tornaram-se em desafios diários” (UR018) E1;

“ (…) eram elas que precisavam mais de mim, para lhes transmitir conhecimentos, ajudá-las a ultrapassar as suas dificuldades” (UR062) E2.

Para além do referido anteriormente, a pressão dos pais dos alunos fazia-se sentir através do questionamento e da desconfiança que era sentida como falta de confiança nas competências e no trabalho desenvolvido por estes professores principiantes. Esta realidade contribuía para que os professores principiantes se sentissem condicionados na implementação dos métodos aprendidos na escola de formação inicial, optando por métodos mais centrados no professor. Tal como referem os entrevistados:

“Lidar com os adultos (pais)” (UR011) E1;

“Compreender as aflições, receios e preocupações que tinham para com os filhos e ter a capacidade de avaliar cada situação individualmente, para agir de forma correta” (UR012) E1;

“ (…) transmitir-lhes confiança, não só para estarem descansados com os seus educandos, mas também para mostrar que a nível profissional também poderiam confiar em mim” (UR063) E2.

100

Ainda no que se refere aos Encarregados de Educação, os entrevistados 2 e 4 disseram que o facto de terem duvidado do seu profissionalismo foi um fator que os marcou. Assim, E2 mencionou que os Encarregados de Educação acharam mal ficar à frente de uma turma um professor sem tempo de serviço (UR050) e colocarem o seu trabalho em causa sem conhecerem o seu profissionalismo (UR051). Para o E4, o relacionamento com os pais nem sempre foi fácil, pois também duvidaram das suas capacidades enquanto profissional (UR112).

Outra das dificuldades sentidas foi o trabalho burocrático. O entrevistado 1 referiu que uma das suas maiores dificuldades se prendeu com o trabalho burocrático (UR013) e gerir os trabalhos que tinha para corrigir, avaliações e desconhecer a maioria do trabalho que um professor tem à sua responsabilidade (UR107). Para o E2, a gestão do trabalho do dia-a-dia (UR046) e gerir a organização de aulas e correção de trabalhos (UR053) mostrou-se, no início da carreira docente, ser uma das suas maiores dificuldades.

Em suma, constata-se que o choque com uma realidade, onde lhe são impostos modelos pedagógicos em linha contrária às aprendizagens da formação inicial, determinou o ajuste da ação dos participantes, levando-os a adaptar-se aos contextos, dada a ausência de autonomia pedagógica, através de, em cada caso estudado, diferentes estratégias, tendo, todos os participantes, referido com maior ou menor evidência, processos de ensino e aprendizagem mais centrados nos alunos, mesmo sendo necessário articulá-los com as orientações da coordenação da instituição.