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Causas e consequências do consumismo infantil

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2. PUBLICIDADE DIRIGIDA À CRIANÇA

2.3 Causas e consequências do consumismo infantil

Inicialmente, o consumo era limitado apenas aos indivíduos com poder aquisitivo. Atualmente, a discussão tem observado também a participação de crianças nesse meio, pois elas têm feito parte do universo do consumo similarmente. Antes vista apenas como uma potencial consumidora, capaz de ser treinada por meio das mais diversas influências, hoje a criança já é considerada uma consumidora apta a adquirir produtos, sentir desejo de troca e de influenciar toda uma família ou mesmo seu círculo social para desejar o mesmo que ela. Tudo isso independentemente desta ter meios materiais de adquirir produtos.

De acordo com Gilles Lipovetisky100, o consumismo exacerbado na pós- modernidade se fundamenta nos desejos nunca alcançados, surgindo novas vontades de consumir devido a uma incapacidade de eliminar os apetites de consumo, que posteriormente geram outras procuras. É um círculo vicioso alienante que se tornou parte da nossa cultura como sociedade capitalista.

O consumo adquiriu um caráter subjetivo, no qual os critérios individuais movem as pessoas. Trata-se de uma busca emocional pelo prazer e benefício: adquirir um produto novo faz com que as pessoas se sintam únicas e especiais.

Não se compra apenas mais um produto, mas sim as promessas de satisfação e desejo, o conceito de estilo de vida, pelo qual sempre há uma busca. A criança exposta a esse cenário se adapta e o internaliza.

Em estudo sobre o consumo na infância, Maria das Dores Oliveira Rafael de Oliveira101 afirma que "o novo sujeito consumidor usufrui de reconhecimento social e

99

DIAS, Lucia Ancona Lopez de Magalhães. Publicidade e Direito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 94.

100

LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade paradoxal - Ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

101

OLIVEIRA, Maria das Dores Oliveira Rafael de. Consumidores de palmo e meio: a criança e a família perante o consumo. Dissertação de Mestrado em Sociologia da Infância. Instituto de Estudos das Crianças, Universidade do Minho. Portugal: 2003, p. 172.

de um lugar indisputável na cultura, porque pode consumir", e reforça que "a criança e o adolescente aparecem, adquirindo potência e agência, enquanto novos atores da cultura contemporânea".

Joice Araújo Esperança102 explica que nas atuais sociedades de consumo as crianças são interpeladas, posicionadas e produzidas como consumidoras desde a mais tenra idade, e nesse tipo de sociedade a mídia ocupa um espaço privilegiado como produtora de significados que engendram desejos de consumo.

Em perspectiva semelhante, Cristina Caldas Campos e Solange Jobim e Souza103 afirmam que "a cultura do consumo molda campo social, construindo, desde muito cedo a experiência da criança e do adolescente que vai se consolidando em atitudes centradas no consumo".

Definitivamente é uma tendência o aumento da atenção voltada à crianças: temos produtos e serviços em grande volume direcionados à elas. O mercado percebeu o poder que os pequenos têm de influenciar as compras até mesmo quando se trata de um seguimento mais adulto de produtos. Sua influência sobre as decisões de seus responsáveis e nas mudanças de hábitos das pessoas com quem convivem têm sido observadas pelo mercado.

Inês Silva Vittorino Sampaio104 reforça que foi através de sua importância como consumidora e influenciadora de consumo na família que a criança tornou-se um público atrativo para a mídia e, assim, ganhou maior visibilidade.

Os responsáveis, com tal nova descoberta do mercado, têm tido dificuldade em acompanhar e orientar seus filhos nesse ambiente que influencia o consumo a todo o momento. Segundo Cristina Caldas Campos e Solange Jobim e Souza 105, "trabalha-se cada dia mais para o aumento do poder aquisitivo (e consequentemente consumo)", e assim, a atenção que deveria ser despedida às crianças é dedicada,

102

ESPERANÇA, Joice Araújo. Infâncias contemporâneas e consumo: ensinamentos para pensar a educação ambiental e a escola. In: Seminário Brasileiro de Estudos Culturais e Educação. Rio Grande do Sul: ULBRA, 2011.

103

CAMPOS, Cristina Caldas Guimarães de; SOUZA, Solange Jobim e. Mídia, cultura do consumo e

constituição da subjetividade na infância. Brasília: Psicologia: Ciência e Profissão, vol.23, n. 1, Braília,

2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414- 98932003000100003>. Acesso em 29 set.2017.

104

SAMPAIO, Inês Silva Vittorino. Televisão, publicidade e infância. São Paulo: Annablume. 2000, p. 193.

105

muitas vezes, ao trabalho. Desta maneira, as relações de pais e filhos têm se moldado a essa realidade.

Diante da ausência do dia-a-dia, do grande volume de trabalho, do estresse rotineiro, os pais acabam negociando com as crianças sua presença por objetos de interesse dos pequenos. Interesses esses criados, em grande parte, pela publicidade.

De acordo com Gilles Lipovetsk106, as crianças surgem como influenciadoras das compras dos pais, porque hoje se estabelece um modelo em que o filho comunica suas preferências, escolhe, emite solicitações, e os pais a obedecem, como um meio de "comprar a paz" na família, de modo que se faz perdoar por ausências muito longas e ao mesmo tempo atendendo como que um direito do filho em ter felicidade, prazer.

Com a distância criada entre os responsáveis e a crianças, a publicidade se apresenta em grande volume, principalmente pela televisão e internet, sem que haja uma orientação às crianças sobre o que está sendo divulgado ou sobre como lidar com esse volume de informações criado para que elas se impressionem e desejem o tempo todo. Em 2016, foram investidos R$129.900.000.000,00 em publicidade no Brasil, sendo que em 2015 foram investidos R$ 132.000.000.000,00107.

Para Mcneal108, citado por Loyola109, é possível apontar três faces para o consumo infantil. Em primeiro lugar, as crianças são mercado primário de consumo, pois consomem os produtos direcionados principalmente a elas, como brinquedos e doces - de acordo com Juliet Schor110, guloseimas e bebidas representam 1/3 dos gastos realizados pelos pequenos consumidores, seguidos por brinquedos.

106

LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 75.

107

G1. Investimento publicitário cai 1,6% em 2016 e soma R$ 130 bilhões. 13 fev. 2017. Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/midia-e-marketing/noticia/investimento-publicitario-cai-16-em- 2016-e-soma-r-130-bilhoes.ghtml>. Acesso em: 8 out. 2017.

108

MCNEAL, James. The kids market: myths and realities. New York: Paramount Market Publishing Inc., 1999, p. 15-18.

109

LOYOLA, Viviane Dias. Consumidor na Infância: as faces do consumo infantil. In: Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, XXXI, 2008. Anais Eletrônicos. Rio Grande do Norte: INTERCOM, 2008, p. 2-3.

110

SCHOR, Juliet. Nascidos para comprar: uma leitura essencial para orientarmos nossas crianças na era do consumismo. Tradução: Eloisa Helena de Souza Cabral – São Paulo: Editora Gente, 2009. p.18.

Em segundo lugar, são influenciadores de compras, opinando a respeito ou incentivando as compras da família - estima-se que as crianças influenciem em até 80% as decisões de compra dentro de casa111, não apenas de produtos infantis, mas de todos os produtos a ela apresentadas, e, nesse sentido, aponta Susan Linn que “o marketing é bem-sucedido por aproveitar-se deliberadamente da vulnerabilidade das crianças”112

. O mercado passou a enxergar as crianças como potenciais consumidoras a serem fidelizadas, e ainda, perceberam sua capacidade em atuar como promotoras de vendas dentro de suas famílias e comunidades.

Em terceiro lugar, as crianças são mercado futuro, isso é, a criança se tornará um adolescente e, posteriormente, um adulto que, por presunção, deverá consumir produtos e marcas que conheceu ainda na infância.

Conclui Patricia Freitas113, baseando-se em resultados de investigações junto a um grupo de estudantes de uma escola pública localizada em Seropédica, Rio de Janeiro:

Entre as crianças, a posse dos bens de consumo, tais como brinquedos, telefones celulares, jogos e tantos outros produtos, faz com que elas ocupem um papel de destaque entre os colegas, entre os quais tais bens servem para a constituição de suas identidades, bem como para demarcar diferenças simbólicas entre os que possuem ou não.

Em pesquisa com crianças sobre consumo, Raquel Gonçalves Salgado114 verificou que "no grupo de crianças, os objetos revelam, também, relações de poder. Conferindo status àqueles que os consomem, passam a ser lances importantes, no jogo e na vida, para assumir liderança e superar o outro".

A publicidade dirigida ao público infantil é ilegal e antiética, pois pode causar prejuízos de diversas ordens às crianças, tais como erotização precoce, transtornos

111 INTERSCIENCE – Informação e Tecnologia Aplicada. Como atrair o Consumidor Infantil, atender

expectativas dos pais e ainda, ampliar as vendas. 2003. Disponível em: <http://criancaeconsumo.org.br/wp-content/uploads/2014/02/Doc-09-Interscience.pdf>. Acesso em: 7 ago. 2017.

112

LINN, Susan. Crianças do consumo: a infância roubada. São Paulo: Instituto Alana, 2006, p. 29-30.

113

FREITAS, Patrícia Oliveira de. O consumo no contexto da infância e da adolescência. In: SILVA, Maria Zênia Tavares da; SARAIVA, Joseana Maria; SANTANA, Daisyvângela E. da S. Lima (Orgs). O

Consumo no contexto da família, da infância e da adolescência. Recife: EDUFRPE, 2016, p. 14-29.

114

SALGADO, Raquel Gonçalves. Pares ou ímpares?: consumo e relações de amizade entre crianças na formação de grupos para brincar. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 33, 2010. Anais Eletrônicos. Minas Gerais: ANPED, 2010, p. 7.

alimentares e de comportamento, obesidade infantil, estresse familiar, violência, alcoolismo e, é claro, consumismo.

Por fim, Clara Coelho Marques e Susan Rangel Vieira da Cunha115 trazem uma afirmativa assertiva, que narra "se quisermos propor uma outra narrativa para a infância, ao invés de ignorar ou apenas reproduzir os discursos das pedagogias culturais, faz-se necessário desconfiar das verdades estabelecidas, questionando- as, problematizando-as".

No documento INGRID SORA..pdf (1.194Mb) (páginas 58-62)